Esta monografia tem edição da Câmara Municipal de Sardoal do ano 2000, com fotografias de Paulo Jorge de Sousa e de António Manuel Conde Falcão.
A edição em livro é naturalmente a que se recomenda, mas deixamos aqui uma versão mais curta em formato digital.
Este livro foi apresentado na Escola de Sardoal no dia 29 de Junho de 2000, com o texto que se segue:
Através de um amável convite da Coordenação Concelhia do Ensino Recorrente de Sardoal, foi-me solicitada uma intervenção nesta jornada de encerramento das actividades do ano lectivo, para falar especialmente sobre o meu último livro, que tem por título “Festividades Religiosas do Concelho de Sardoal”. A edição é da Câmara Municipal de Sardoal e a apresentação pública ocorreu no passado dia 20 de Abril, Quinta-Feira Santa, escolhido para o efeito por se tratar, em minha opinião, de um dos dias mais marcantes do calendário das festas religiosas da nossa terra, até por algumas características únicas que nesse dia se conjugam, e que fazem da Procissão do Senhor da Misericórdia um momento especial, mesmo para aqueles que não mantêm uma prática religiosa regular ou que tenham para com a Religião uma atitude de maior afastamento.
É meu hábito nestas circunstâncias deixar uma advertência prévia a quem me ouve, ou lê aquilo que eu escrevo, que é a seguinte: não me considero um escritor, nem tão pouco um historiador ou cronista do Sardoal. Para isso não tenho nem vocação, nem preparação académica. Quero apenas ajudar a registar as memórias da minha terra, através de um trabalho de investigação que já dura há pelo menos 20 anos e que possa ajudar a divulgar aspectos pouco conhecidos da nossa história, das nossas raízes culturais. No fundo, para tentar perceber, através de um acto de reflexão colectiva, quem somos e porque somos.
Devo dizer que sempre fiz e continuarei a fazer este trabalho sem qualquer interesse de ordem material, sendo que a melhor recompensa que sempre recebi, se é que de recompensa se pode falar, foi o prazer que senti em muitas pessoas por conhecerem aspectos não divulgados do nosso passado colectivo que, a pouco e pouco, nos ajudam a perceber o presente e a projectar o futuro.
Chamo-me Luís Manuel Gonçalves, tenho 47 anos, casado, pai de três filhos, dois dos quais gémeos. Sou natural de Entrevinhas e resido há quase 24 anos na Vila de Sardoal, agora na Tapada da Torre, a poucos metros do local onde nos encontramos.
Fui professor de Matemática e de Ciências Físico-Químicas durante alguns anos, e pode parecer estranho como é que um professor da área das ciências exactas se dedicou a áreas tão diferentes como a História, a Sociologia e a Antropologia. Para tentar explicar esta aparente divergência, refiro, em primeiro lugar, o facto de enquanto estudante ter sido um bom aluno a Matemática (perdoem-me a imodéstia), mas também o ter sido a Português e a História. Quando fiz o 5º ano dos Liceus, as condições económicas da minha família não me permitiram assumir outra alternativa que não fosse a frequência do Colégio Infante de Sagres, em Mouriscas, onde as hipóteses de escolha não eram muitas, para além das alíneas f) e g) do antigo 7º ano dos Liceus. Optei pela alínea f) que dava acesso às Engenharias, às Medicinas e à maior parte dos cursos na área das ciências exactas. Quando concluí o 7º Ano dos Liceus ainda cheguei a pôr a hipótese de me matricular em Medicina, mas o custo dos manuais de Anatomia, e diga-se que também um reduzido grau de atracção pelo exercício da Medicina, levaram-me a inscrever no curso de Engenharia Electrotécnica, do qual fiz os dois anos dos Preparatórios na Faculdade de Ciências de Lisboa, transitando depois para o Instituto Superior Técnico, onde ainda frequentei o último ano do curso, na especialidade,então denominada das Correntes Fracas, sem que no entanto o viesse a concluir, por razões de natureza pessoal, que não devo nem quero enumerar neste momento. Em Janeiro de 1973 fui cumprir o Serviço Militar. Primeiro em Mafra e logo a seguir em Angola, onde integrei, com a especialidade de “Comando”, o corpo de tropas especiais do Exército Português. Em 1974, pouco depois do 25 de Abril, fui para Moçambique, de onde regressei pouco tempo antes da Independência daquele novo País, cujo 25º aniversário se comemorou no passado dia 25.
Em Outubro de 1975 comecei a ser professor de Matemática no antigo Externato Rainha Santa Isabel de Sardoal, onde me mantive até 1980. Depois fui funcionário da Câmara Municipal de Sardoal, até finais de 1982, de onde saí para ingressar na carreira tributária da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, a cujo quadro ainda pertenço, colocado na 1ª Repartição de Finanças de Abrantes, ainda que desde 3 de Janeiro de 1994 me encontre em comissão extraordinária de serviço, por ter passado a ser Vereador a Tempo Inteiro da Câmara Municipal de Sardoal, onde ainda me encontro, sendo desde Outubro de 1999 Vice-Presidente da Câmara Municipal de Sardoal, quando o cargo foi criado.
Se vos maço com a apresentação desta síntese biográfica, faço-o com dois grandes objectivos. O primeiro, para me apresentar e para vos dizer que o percurso académico de cada um de nós pode não ser determinante para o exercício da nossa actividade profissional ou lúdica. Esta também pode ser determinada por uma questão de vocação, de paixão e de oportunidade que nos motive a sermos autodidactas, estudando diariamente as matérias que mais nos interessam. A título de curiosidade e para ilustrar o que digo, refiro que um dos meus ídolos em termos literários é Oliveira Martins, um dos grandes vultos da cultura portuguesa, também ele autodidacta, que deixou uma obra marcante em termos de História de Portugal, e que influenciou, de forma determinante, o pensamento português dos finais do século dezanove. Outra figura ímpar da Literatura Portuguesa, também referencial das minhas preferências literárias, é o grande escritor Miguel Torga, pseudónimo literário do Dr. Adolfo Rocha, médico, falecido há poucos anos. Falando ainda das minhas preferências, refiro também o grande poeta António Gedeão, pseudónimo literário do Professor Rómulo de Carvalho, professor de Físico-Químicas e também com vasta obra na área pedagógica, cujo poema mais conhecido é a “Pedra Filosofal”, musicada no princípio dos anos 70 pelo Manuel Freire, ainda hoje uma canção emblemática da resistência à ditadura do Estado Novo e cujas primeiras estrofes que quase todos conhecem, cito de memória:
“Eles não sabem nem sonham/ Que o sonho comanda a Vida/ E sempre que um homem sonha/ O Mundo pula e avança/ Como bola colorida/ Entre as mãos de uma criança”.
O segundo, para referir circunstâncias acidentais que podem ser determinantes. Enquanto professor tentei, sempre, manter um bom relacionamento com os meus alunos e manifestei-lhes, regularmente, a minha disponibilidade para os ajudar a estudar, facultando-lhes elementos de consulta que muitas vezes me eram pedidos, até para disciplinas que eu não leccionava, na linha de um provérbio chinês muito conhecido: “Se vires um pobre à beira de um rio, não lhe dês um peixe. Ensina-o a pescar.” Foi nesse âmbito que aconteceu o “acidente” de me serem pedidos elementos sobre a história do Sardoal que, após algumas buscas, concluí serem então muito poucos e muitas vezes pouco rigorosos. Foi assim que lancei a mim mesmo o desafio de suprir esta lacuna e que passados quase vinte e cinco anos ainda persiste, porque há muito trabalho para fazer. Apesar de tudo, já estão disponíveis diversos trabalhos com linhas de orientação para a investigação e que, com algum orgulho da minha parte, já permitem suprir algumas das lacunas que identifiquei em 1975.
Era suposto que eu falasse, nesta intervenção, do meu último livro. Apesar de não ter muito para vos dizer, não quero defraudar as vossas expectativas.
Como todos sabem, o concelho de Sardoal está imbuído de uma profunda tradição religiosa, sendo muitas as festividades dessa índole que aqui ocorrem ao longo do ano, com maior ou menor tradição popular. Basta referir a Festa de S. Sebastião, a Procissão dos Passos do Senhor, a Semana Santa, a Festa do Senhor Jesus da Boa Morte, a Festa do Senhor dos Remédios, a Festa do Corpo de Deus, as Festas de Santa Clara, Santiago, Senhora da Saúde, Nossa Senhora das Necessidades e da Luz, Nossa Senhora da Graça, a Festa da Imaculada Conceição, as Romarias da Senhora da Lapa e da Senhora dos Barbilongos, entre outras, que mobilizam, no seu conjunto, muitos milhares de pessoas e que são motivo de união e reunião, até pela afectividade que encerram e que as liga a cada um de nós. Esta circunstância associada ao riquíssimo património artístico de inspiração religiosa de que o Sardoal é detentor, do qual uma pequena parte já pudemos apreciar hoje, tende a transformar o Sardoal num importante pólo de turismo religioso, motivando a presença de muitos Sardoalenses, mas também de muitos visitantes nacionais e estrangeiros, que partem surpreendidos pelo manancial artístico do nosso concelho, pela sua riqueza arquitectónica, pela sua beleza paisagística e, principalmente, pela hospitalidade dos Sardoalenses, o que dá razão e fundamento a slogan de divulgação turística que criei há algum tempo que diz o seguinte: NO SARDOAL NINGUÉM É DE FORA!
Devo dizer que o meu último livro não traz nada de especialmente novo e é, em grande parte, valorizado pelas fotografias do Coronel Conde Falcão e do Paulo Sousa, que o ilustram. Para além disso, o mérito que pode ter, se é que o tem, é o de reunir e sistematizar um conjunto de informações dispersas, que permitirá a um leitor atento e interessado ter a percepção da dimensão da tradição religiosa do concelho de Sardoal, cujas origens se perdem no limiar da nossa História e nas brumas do tempo. Para fundamentar esta antiguidade, deixo-vos, a título de curiosidades, alguns apontamentos históricos:
- Por volta de 1370, a Rainha D. Leonor Teles e o Rei D. Fernando, estiveram no Sardoal. Segundo uns, fugindo da peste que grassava em Lisboa; segundo outros, fugindo da revolta popular por causa do seu casamento. Fundaram uma capela no Sardoal, no local onde, no século XVI, foi construída a Igreja da Misericórdia, fronteira à primitiva Matriz, com a invocação de S. Mateus, de que hoje já não existem vestígios;
- Alguns anos depois, D. João I dispensava os moradores do Sardoal de assistirem à Festa do Corpo de Deus em Abrantes, por a celebrarem com grande pompa e dignidade no Sardoal;
- Por volta de 1470, D. Afonso V, através de uma carta que está transcrita num livro da sua Chancelaria que se guarda na Torre do Tombo, regimentava a realização da Festa do Espírito Santo, dando aos Mordomos da Festa regalias e poderes especiais. Terá sido no reinado de D. Afonso V que foi criada a freguesia de S. Tiago e S. Mateus do Sardoal e construída uma nova Igreja Matriz, no local onde hoje se encontra.
- Falando de outras religiões que não a Cristã, direi que é muito provável que o Sardoal tenha tido uma sinagoga, uma vez que existem referências históricas indiscutíveis sobre a existência de uma importante Judiaria no Sardoal na Idade Média. Sobre a sua localização exacta só posso tecer algumas conjecturas, uma vez que dela não existem, hoje, quaisquer vestígios. Inclino-me para que se situasse no espaço que se situa entre a Ribeira, a Rua do Paço e o próprio Paço, onde se localiza a casa conhecida por Casa do Dr. Ribeiro, que foi construída em 1905 pelo Sr. Francisco Augusto Simões, significado da sigla FAS, várias vezes inscrita no imóvel e em espaços adjacentes. Esta suposição fundamenta-se nalgumas notícias que encontrei na Imprensa Regional do princípio do século, dando conta da demolição de diversas pequenas casas naquela zona para ser construída a casa do Sr. Francisco Augusto Simões e da revolta popular que aquela demolição causou. Olhando a estrutura urbana do Sardoal medieval, não consigo vislumbrar outro espaço para a Judiaria, que tinha, sempre, associada uma sinagoga e pelo menos um rabi.
Quando acompanho grupos de turistas em visitas guiadas à Vila do Sardoal, e faço-o com frequência, uma das questões que mais vezes me é colocada assenta no número de igrejas e capelas que existem na Vila. Se repararem, para além da Igreja Matriz, da Igreja da Misericórdia, da Igreja do Convento de Santa Maria da Caridade, existem na Vila as Capelas de S. Sebastião, Espírito Santo, Nossa Senhora do Carmo, Santa Catarina, Sant’Ana e do Senhor dos Remédios, para além de algumas capelas particulares na vila e seus arrabaldes, existindo vestígios ou apenas memórias de outras três capelas na periferia da Vila: a Capela de S. Francisco, a Capela de Santa Maria Madalena e a Capela de S. Domingos. Há ainda as ruínas de uma outra, um pouco mais afastada, entre S. Simão e as Sentieiras, ainda no concelho de Sardoal, a Capela de S. Miguel de Alferrarede. O topónimo Alferrarede pode causar alguma perplexidade, para quem não saiba que a aldeia de S. Simão até meados do século XVIII e durante vários séculos era a aldeia de Alferrarede, topónimo de origem árabe que indicia a existência e exploração de minérios ferrosos. Sem qualquer dúvida, era esta a designação que tinha em 1532, como consta na Carta de Demarcação do Termo da Vila de Sardoal, dada em Lisboa, por D. João III, em 10 de Agosto daquele ano, como também já constava, no Contamento (Censo) de 1527, em que aparece a vintena de Alferrarede, referenciada com 65 moradores. Muito curiosa é, também, a referência que é feita ao Sardoal, neste Censo Geral do Reino de 1527, o primeiro que foi realizado: “O Sardoal que é deste condado de Abrantes, tem 500 vizinhos e 4 no limite, sendo destes 3 cavaleiros, 21 escudeiros, 135 viúvas, sendo o mais povo. Que houve do Sardoal de termo 800 vizinhos e dizem que dos do Sardoal quebraram 200 na peste, de maneira que o Sardoal e seu termo fica agora de 600 vizinhos…”.
Mas falava eu, e depois perdi-me em algumas deambulações de outra natureza, da estranheza que causa a muitos visitantes, a existência de tão grande número de Igrejas e Capelas. É verdade que alguma integravam solares da fidalguia sardoalense, talvez mais por ostentação da sua riqueza do que por questões de fé. É o caso da Capela de Nossa Senhora do Carmo, da Casa Grande da família Moura e Mendonça, de Santa Catarina, da família Serrão da Mota, e da Capela de Sant’Ana, provavelmente ligada à Casa dos Viscondes do Sardoal. Mas mesmo assim o número de locais de culto existentes na Vila do Sardoal não deixa de ser impressionante, se o compararmos com outras localidades com a mesma antiguidade e dimensão geográfica.
É verdade que nos tempos actuais a verdadeira fé, o verdadeiro encontro do homem com Deus, é feito a sós. É um diálogo solitário e não um exibicionismo público de virtudes cristãs apregoadas para fora e esquecidas para dentro. Para falar com Deus, para cumprir as suas leis, não são necessárias excursões a Fátima, nem bênçãos papais, nem igrejas, nem mesquitas. A verdadeira Fé é, sim, o oposto da manipulação de massas e de sentimentos. No entanto, não é menos verdade que noutros contextos sociais e históricos, especialmente enquanto durou a influência da Santa Inquisição, que de Santa só teria o nome, introduzida em Portugal em 1531, no mesmo ano em que D. João III elevou o lugar do Sardoal à categoria de Vila, era preciso manifestar publicamente, com muita regularidade, a Fé e as piedosas intenções, jurar cumprir as regras dos Evangelhos e, mesmo com hipocrisia, integrar o rebanho dos fiéis.
Repare-se que nesses tempos a Paróquia do Sardoal chegou a ter ao seu serviço cerca de dez sacerdotes. Curioso é, também, o facto de a actual Rua Mestre do Sardoal, que antes se chamou Rua Avelar Machado, ter sido antes, durante muitos anos, chamada a Rua dos Clérigos. Ou a existência dos Livros das Pessoas de Confissão e de Comunhão, onde era feita a desobriga pascal, que ainda hoje se guardam nos arquivos paroquiais e municipais do Sardoal. Ou as côngruas e o pé-de-altar, praticamente uma forma de imposto ou tributo. E se nos lembrarmos da definição de «Imposto» que o Professor Teixeira Ribeiro dava nas suas aulas de Finanças Públicas, na Universidade de Coimbra, definindo «Imposto» como uma prestação coactiva e unilateral, fixada por lei, cujo destino é garantir as despesas públicas, perceberemos que as côngruas ou pés-de-altar se enquadrariam apenas na vertente coactiva e unilateral, mas esses são terrenos que não devo desbravar nesta circunstância…
Repare-se, igualmente, na estreita ligação que existe entre muitas festividades religiosas e os ciclos naturais que se podem sintetizar em quatro grandes períodos do ano solar e que correspondem, no essencial, às quatro grandes estações: na Primavera, com o crescimento dos dias e o gradual aumento da temperatura, tudo desponta e floresce; no Verão, o sol aquece mais e amadurecem os frutos e as espigas; no Outono, com a chegada das chuvas e das ventanias, as árvores despem-se de folhas; no Inverno, os dias são mais pequenos, o sol esconde-se, o frio aumenta e a natureza quase adormece.
Com base nestas quatro fases, a nossa civilização fixou outros tantos conjuntos de festividades, que ainda hoje se mantêm.
O primeiro é o ciclo do Carnaval e da Quaresma, que termina na Páscoa, no limiar da Primavera. É um tempo de passagem, marcado pela inversão de valores durante os «dias gordos» e depois por quarenta dias de abstinência que preparam a Páscoa.
O segundo é o ciclo de Maio, mês das flores. É o mês de maior fulgor da Natureza, em que se realizam diversas festividades a ela associadas, com destaque para a Quinta-Feira da Ascensão, o Dia da Espiga.
Segue-se, em Junho, o ciclo dos Santos Populares, herança de antigos ritos purificadores e de culto ao fogo, próprios do tempo de Verão.
Por fim, no fim do Outono e princípio do Inverno, desenvolve-se o ciclo dos Mortos que integra, entre outras manifestações, o Dia de Finados.
A Páscoa cristã, como já acontecia com a Páscoa judaica é, sem qualquer dúvida, a festa mais importante do calendário litúrgico, cuja data determina a de todas as outras festas móveis. Para o cristianismo, mais importante do que o nascimento de Cristo, celebrado pelo Natal, é a sua ressurreição, a vitória da Vida sobre a Morte e a Salvação da Humanidade.
A data para a celebração da Páscoa cristã, depois de um período inicial de alguma confusão, foi fixada definitivamente pelo primeiro Concílio de Niceia, que se realizou entre 20 de Maio e 25 de Julho do ano de 325, no século IV. Estabeleceu-se então, e ainda hoje se cumpre, que a Páscoa é no Domingo que se segue à primeira lua cheia depois do equinócio da Primavera. Significa isto que a Páscoa pode calhar entre 22 de Março e 25 de Abril.
Já no Neolítico, há uns 10 000 anos, o Homem com a sedentarização da sua forma de vida, começou a estabelecer uma relação mais estreita com a Natureza e em especial com a terra e com o que ela produzia, surgindo, então, a associação da terra à mulher. É então em torno de novas imagens, sempre femininas, que se desenvolvem formas de culto, sacralizando o dom da fertilidade e o milagre da reprodução da vida, que se opera no ventre da mulher e no ventre da terra.
Na Antiguidade, acentuaram-se, especialmente entre os Gregos e os Romanos, um conjunto de manifestações com carácter religioso e festivo que celebravam a fertilidade da terra e os ciclos da Natureza. É nessa visão greco-romana, aproveitada pela tradição judaico-cristã, que radicam quase todas as formas de culto à Natureza e as principais festas do nosso calendário religioso e profano actual.
Note-se, também, que as festas religiosas mais importantes eram acontecimentos regionais de vulto e uma das raras ocasiões de encontro de gentes do seu território de influência, que ali acorriam para se mostrar e reavivar ou renovar conhecimentos, saber notícias de fora, entabular relações e negócios, estreitando os laços que faziam a sua unidade, e também para luzir e se divertir, na variedade dos seus fatos, numa exibição que era ainda apenas o fluir do seu sentido natural na sua pura espontânea razão de ser.
As romarias são fundamentalmente celebrações religiosas em honra de qualquer santo ou invocação divina, patronos de uma localidade ou de um santuário, compreendendo missa de festa com sermão e prática e, a maioria das vezes, procissão, que tem lugar no seu dia e nesse santuário, duplicadas de uma festa profana característica, em que coexistem elementos de todas as espécies, religiosos e profanos, cristãos e mágicos, cerimoniais e festivos, num caleidoscópio variado e complexo.
A festa faz parte integrante da vida dos homens. Por isso, as pessoas sentem necessidade da festa e a ela dedicam muito das suas energias: reúnem-se, programam, servem gratuitamente para que a alegria se manifeste, a partilha fortaleça os laços de amizade e o convívio dê novo alento à caminhada.
Neste meu livro pretendi estabelecer um roteiro, tão exaustivo, quanto os meus conhecimentos e as próprias fontes de consulta permitiram e, ao mesmo tempo, fundamentar algumas origens, quer em termos religiosos, quer em termos históricos.
A História da Igreja em Portugal está em grande parte por fazer e muitas das suas fontes documentais encontram-se dispersa, sendo, por isso, de difícil consulta. Para além dos trabalhos de Fortunato de Almeida, do Padre Miguel de Oliveira e de Monsenhor Moreira das Neves, não existem muitas obras organizadas e sistematizadas. Está agora em lançamento, pelo Círculo de Leitores, uma História da Igreja em Portugal que ainda não conheço, mas que me dizem ser uma obra de grande qualidade intelectual e que pode ajudar a fazer luz sobre muitos aspectos ainda obscuros e pouco divulgados.
Não se surpreendam, especialmente quem conhece melhor os rituais da liturgia católica actual, se alguns dos ritos que descrevo, vos possam parecer diferentes dos que agora se praticam. Tal circunstância resulta de muitos dos documentos que consultei para fazer este trabalho serem anteriores ao Concílio Vaticano II que decorreu entre 11 de Outubro de 1962 e 8 de Dezembro de 1965, que foi o segundo mais longo da História da Igreja, a seguir ao Concílio de Trento que decorreu entre 13 de Dezembro de 1545 e 4 de Dezembro de 1563, talvez por isso os mais marcantes dos 21 Concílios Ecuménicos que já se realizaram.
Para além dos aspectos teológicos e pastorais, o Concílio Vaticano II trouxe profundas alterações ao ritual das celebrações religiosas, especialmente ao da Missa. Como eu, muitos de vós ainda se recordam de a Missa ser celebrada em Latim, com os sacerdotes de costas para os fiéis. Como se recordarão que as mulheres não podiam entrar nas igrejas sem que a cabeça fosse tapada com um véu. Imaginem o escândalo que seria nesse tempo se uma mulher jovem entrasse numa igreja com uma mini-saia dos tempos modernos, ou com um generoso decote da moda actual. Se tal acontecesse no tempo do Cónego Silva Martins, do Padre Eduardo Dias Afonso, estes da Paróquia de Sardoal, ou do Padre Francisco Pires, da Paróquia de Santa Clara de Alcaravela, seria apontada como mulher de mau porte, violadora dos usos e costumes e da moral cristã, seria expulsa ou impedida de entrar no templo, ou mesmo quase excomungada!
Feita esta explicação breve e porque sinto nas vossas expressões a tradução da famosa locução latina com que Cícero, no Senado Romano interpelou Catilina, famoso pelos seus longos e enfadonhos discursos e com uma oratória despida de qualquer conteúdo: Quosque tandem, Catilina, abutere patientia nostra? Porque abusas da nossa paciência, Catilina? E porque não quero abusar da vossa paciência para me ouvirem, pouco mais me alongarei.
Se Deus me der vida e saúde, espero poder continuar a dar o meu modesto contributo para o conhecimento e divulgação da História do Concelho de Sardoal. Tenho dois trabalhos prontos para publicação. Um com o título «Gastronomia, Tradições e outras memórias do concelho de Sardoal», um percurso pelas tradições gastronómicas do nosso concelho e alguns apontamentos curiosos sobre alguns aspectos da vida social e política do Sardoal, de um período agitado, como foram os dez últimos anos da Monarquia. Um outro sobre o Mestre do Sardoal, muito falado, mas provavelmente pouco conhecido, que deverá ser lançado durante as Festas do Concelho que vão decorrer de 20 a 24 de Setembro. Escrevi ainda no ano passado, quando a freguesia de Valhascos perfez 50 anos, alguns apontamentos que contêm os elementos que conheço da sua história e que não chegou a ser publicado. Uma monografia sobre a Igreja Matriz da Paróquia de S. Tiago e S. Mateus de Sardoal, uma resenha biográfica sobre as figuras da História de Portugal que mais directamente estiveram relacionadas com o Sardoal e uma outra resenha biográfica sobre os sacerdotes naturais do nosso concelho que mais marcaram a vida religiosa e política da nossa terra, para além de outros trabalhos de menor dimensão sobre pessoas e acontecimentos relacionados com o Sardoal, em relação aos quais vou descobrindo novos elementos documentais.
Termino, agradecendo o convite que me fizeram e a atenção com que me escutaram, colocando-me à vossa disposição para responder a algumas questões que me queiram colocar.
Muito obrigado!
Sardoal, 29 de Junho de 2000