Inventário da azulejaria sardoalense

João Miguel dos Santos Simões (1907-1972) foi um historiador de arte, especialista na área do azulejo. Como parte da Brigada de Estudos de Azulejaria da Fundação Calouste Gulbenkian, trabalhou num Inventário da Azulejaria portuguesa, onde a azulejaria sardoalense também foi sumariamente incluída.

A ficha da Igreja Matriz de S. Tiago e S. Mateus está datada de 1957, que pode ser por isso o ano de todos os textos e fotografias que são de seguida apresentados, com a devida vénia ao fundo da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian.

Inventário da Azulejaria 

Igreja Matriz de S. Tiago e S. Mateus

Na Capela Mor, as paredes laterais incluindo o interior do arco triunfal estão cobertas de azulejos, numa altura de 15 para o lambril e 24 dos painéis historiados.
Na parte inferior, lambril, entre as portas laterais, 2 painéis com ermitões e peregrinos de S. Tiago, figuração contida por cercadura. Acima os grandes painéis historiados, sendo o do lado do ev. da aparição de N.ª S.ª do Pilar a S. Tiago e o da ep. S. Tiago a cavalo combatendo os mouros. É notável o desenho e a cor, de belo azul, assim como o emolduramento.
Os vãos das janelas laterais são também formados de azulejo azul, com figuras femininas com cestos de frutas. Sob as janelas, painéis historiados de cenas pastoris. Na parte inferior do painel do lado da ep. lê-se a data 1703 esgrafitada no azulejo. No livro das Visitações da Igreja (que se guarda na sacristia), vejo, a fls. 163, que em 1702 andavam grandes obras na capela mor a ponto de não se dizer ali missa. Eram as obras do retábulo e dos azulejos, instalados simultaneamente e por essa ocasião.
Uma das portas está espelhada no lado fronteiro em azulejo, cercadura esponjada manganês, centro verde sujo.
Os painéis da capela mor são, no entanto, notabilíssimos e não consigo enquadrá-los nos tipos historiados dessa data. Em certos aspectos (tratamento das mãos e doçura das expressões) cheguei a pensar que se tratasse de trabalho dos O. Bernardes, mas há notáveis diferenças com os azulejos que foram de Frielas e que são o termo de comparação para trabalhos tão atrasados. Também encontrei semelhanças com as cercaduras da capela lateral do Convento do Espinheiro (Évora). Por outro lado, a cercadura de folhagem muito recortada e torcida, que se vê no arco, trazem-me à memória ornatos semelhantes que acompanham os trabalhos de Baco, na igreja de S. Tiago, de Évora e na antiga Misericórdia de Portalegre.
É este cronograma que perturba o raciocínio, porquanto é difícil ajustá-la a tipo de azulejo onde foi esculpida. Digo difícil, mas não impossível. De facto, a decoração azulejar dos vãos das janelas poder-se-iam atribuir à mão de Gabriel del Barco o que está certo com a data. No entanto os painéis sob estas janelas parecem ser mais avançados de alguns anos – 1710? – com a sua barra de folhagens e centros de cartelas. As paredes laterais, incluindo o envolvimento das janelas e das portas são, por sua vez, de azulejos de outra mão o até agora conhecido pintos das capela mores franciscanas de Ponta Delgada e do Faial – de estilo inconfundível e que não está muito longe do PMP.

Matriz: Aparição de Nossa Senhora do Pilar a São Tiago
Matriz: São Tiago a cavalo combatendo os mouros

Igreja de Santa Maria da Caridade

Na igreja propriamente dita há um pequeno revestimento de azulejo, do lado do evangelho, junto ao altar colateral. Reveste um dos três lindos retábulos. Este, datado de 1670 é notabilíssimo, com suas 4 pinturas em cobre na parte inferior e mais 3 na parte superior.
O azulejo é de pintura azul, com 10 de alto, de anjinhos e emolduramento concheado, enquadrando um nicho, provavelmente de um antigo comungatório.
À entrada da igreja, sob a galilé, está à direita a capela do Senhor dos Passos com silhar azulejado, recortado, azul, em painéis com passos da Paixão e anjinhos portadores de instrumentos de martírio.

Capela de N.ª S.ª dos Remédios

Junto à igreja de Sta Maria, na parte exterior, está a pequena capela que é forrada interiormente de um silhar recortado de azulejo azul do meado do séc. XVIII, mais vulgar. Figuração de passos da Vida de Cristo.

Igreja da Misericórdia

 Na igreja há a distinguir o revestimento do corpo em alto silhar de vasos e anjinhos, certamente dos meados do séc. XVIII e, na capela mor, revestimento parietal historiado, a azul e roxo (muito interessante e que se me afigura bastante recente, talvez de 1770). É notável o grande painel representando o lava pés. Também de notar uma porta fingida fazendo espelho à da sacristia (conviria ver o arquivo da Misericórdia a ver se se encontrava a data destes azulejos, pois são de um tipo que não sei classificar com absoluta segurança).

Misericórdia: Lava-Pés

Outras referências

O historiador de arte José Meco, em “O Pintor de Azulejos Manuel dos Santos – Definição e análise da Obra”, 1980, atribui a Manuel Santos a autoria dos azulejos da Matriz, e aponta esse trabalho como sendo o seu primeiro conhecido, em colaboração com o pintor Gabriel del Barco, por seu turno uma das últimas obras deste mestre. Nesse livro, na entrada dedicada à Igreja Paroquial de Santiago e São Mateus do Sardoal, consta o seguinte:


É a vários títulos notável esta igreja, de estrutura gótica mendicante de três naves, para além dos magníficos painéis primitivos do chamado Mestre do Sardoal que tanto a celebrizam. A capela-mor, nomeadamente, encerra um conjunto barroco de talha dourada excepcional (lamentando-se que esteja bastante danificada) e um revestimento de azulejaria que não tem merecido a atenção equivalente à sua importância.
Estes azulejos foram várias vezes atribuídos por Santos Simões ao misterioso Mestre Desconhecido do começo do século XVIII. Uma dessas referências (Santos Simões, Carreaux céramiques hollandais au Portugal et en Espagne, p. 96) ajuda a compreender a posição de Simões:

“Embora na maioria das grandes composições conhecidas, de 1700 a 1715, sejam identificáveis os autores, algumas há ainda de que não se conhece a paternidade, apesar da qualidade artística ser reconhecida como de primeira categoria. Este é o caso, por exemplo, dos belos painéis que guarnecem as paredes da capela-mor da Igreja Paroquial do Sardoal, próximo de Abrantes, cujo desenho de uma perfeição extrema não pode ser atribuído a qualquer dos artistas que conhecemos (Nota de Santos Simões: Encontra-se a data de 1703 gravada num azulejo do envasamento do lado da Epístola. Ignoro a que se refere este cronograma porque não tenho dúvidas de que o azulejo no qual se inscreve é mais recente. A azulejaria da capela-mor da Igreja do Sardoal, compreendodo os dois grandes painéis, não parece poder ser anterior a 1715). Não se trata de modo nenhum de azulejos fabricados na Holanda, manifestam pelo contrário todas as características e técnicas dos produtos lisboetas: dimensões (142 mm), pasta amarelada, esmalte espesso, superfície empenada, etc.“

Embora a autenticidade da data de 1703 possa ser posta em causa, não deverá contudo afastar-se demasiado da época em que foram pintados estes painéis, indubitavelmente por Manuel dos Santos (como Robert Smith provara), e que apresentam alguma incipiência técnica em relação aos painéis já consumados de 1706, em Estremoz.
Um facto passou despercebido a Santos Simões: a participação neste conjunto do pintor Gabriel del Barco, falecido na primeira década do século XVIII, não depois de 1708, como Simões supunha (Santos Simões, entrada «Barco, Gabriel del», in Dicionário da Pintura Portuguesa, III vol. Do Dicionário da Pintura Universal, Estúdios Cor, Lisboa), mas certamente antes de 1707 (José Meco, «O Pintor de Azulejos Gabriel del Barco (conclusão)», in História e Sociedade, n.º 7, 1980). Deve-se a Barco o forro da parede do arco triunfal com um pequeno padrão envolvido por uma barra de caracóis densos, com carrancas coroadas e grotescas nos ângulos da base, iguais às que utilizou em 1699-1700 na Igreja de Santiago de Évora (as carrancas encontram-se na frente do coro), ou a envolver uma albarrada igualmente de Barco, pertencente ao Museu do Azulejo.
As paredes laterais da capela-mor estão integralmente revestidas de composições historiadas dispostas em dois andares, as inferiores menores e entre portas, as superiores mais dilatadas. Ao fundo da capela-mor encontra-se uma janela em cada parede (a da esquerda transformada em altar), sobre pequenos painéis. Inconfundivelmente de Barco são os revestimentos da parte interna das janelas (figuras de convite com cestos floridos à cabeça, nos lados, grinaldas floridas pendentes de argolas na parte superior) e as cercaduras dos painéis sob as janelas (José Meco, «O Pintor de Azulejos Gabriel del Barco»). De Manuel dos Santos são as partes figuradas destes dois painéis menores (reconhecem-se neles paisagens muito características, embora estejam em grande parte entaipados por volumosas consolas), a decoração envolvente das janelas e da parte posterior do arco triunfal, para além dos painéis principais: os inferiores com catorze azulejos na altura, apresentam paisagens e figuras de peregrinos na distância; nos superiores, com vinte e quatro azulejos na altura, vêem-se Santiago a Combater os Mouros e a Aparição da Virgem a Santiago.

Igreja Paroquial. Azulejos da capela-mor

Estes painéis são reveladores do estilo de Manuel dos Santos: definição plástica e anatómica cuidada das figuras, representação excelente do espaço com utilização correcta da perspectiva e da inserção e agrupamento das personagens, a sugestão da distância através de paisagens dilatadas e do esfumado.
Correctas e muito expressivas as figuras nas suas dimensões avantajadas, é perceptível nelas que Manuel dos Santos se sentia mais à vontade, nesta fase pouco adiantada da carreira, nos pequenos apontamentos muito desenhados do que na utilização da pincelada larga e densa, definidora de valores volumétricos. Miniaturista nos contornos finos e expressivos ou nos pequenos apontamentos sensíveis, têm grande delicadeza a representação das árvores, as indefinições dos fundos longínquos, as figuras perdendo-se na distância.
Anormais pelo seu barroquismo são, no período, as largas barras envolventes, que só em obras posteriores de Santos como nos painéis do Convento de Sant’Ana de Lisboa voltaram a atingir a mesma pujança, iludindo talvez Santos Simões que pensou não serem estas composições anteriores a 1715. As dos painéis inferiores, com três azulejos de largura e recortadas internamente (facto quase inédito no começo do século) apresentam dos lados atlantes coroados de louros, assentes em flores e enrolamentos de folhagem (que suportam igualmente), densos e retorcidos, formando uma massa plástica já independente dos ornatos de tectos que tanto marcaram a produção da geração anterior. É nestes envolvimentos que o contorno se apresenta ainda muito grosso e pouco maleável, sem a elasticidade espantosa que teve em obras futuras, embora na sua extroversão espacial preparem os elementos que envolvem a parte inferior de alguns retratos régios, na portaria de São Vicente de Fora.
A cercadura dos painéis superiores, com quatro azulejos de largura, é bastante mais rica e exuberante pela introdução de variadas figurações e a caracterização dinâmica dos elementos. A barra inferior é especialmente cuidada e inventiva: centrada por uma vieira e uma máscara ladeadas por duas excelentes figuras híbridas e ligadas por grinaldas de frutos a duas outras figuras mitológicas de velhos sentados sobre volutas de folhagem, excepcionais pelo tratamento anatómico e grande qualidade plástica, reutilizados de maneira simplificada em figurações envolventes de painéis profanos. Os velhos aparecem em algumas das fontes barrocas que Manuel dos Santos usou com frequência em conjuntos sacros, como na Capela do Arcebispo de Estremoz. A barra superior, com uma cartela central desadornada ladeada por meninos, grinaldas, volutas e figuras híbridas, é menos fantástica mas igualmente espectacular. As laterais apresentam mísulas, semelhantes às que Barco usou nas janelas, com grinalda de frutos pendentes. Sobre estas, pares de anjos abraçados a uma máscara coberta por uma concha estão encimados por cariátides de perfil, que suportam elementos arquitectónicos. Tanto as cariátides como os atlantes dos painéis inferiores sugerem a influência de figuras que Barco utilizou com a mesma função nos painéis que pintou em 1697 para o Palácio dos Condes da Ponte, em Lisboa. São ainda de salientar, pela sua beleza, os dois pares de figuras femininas, sentadas teatralmente em volutas de folhagem bastante barrocas, sobre as janelas da capela-mor. De extraordinário virtuosismo na composição e no barroquismo exuberante, alguns dos ornatos destas cercaduras foram utilizados de maneira mais livre e espacial nos painéis do Convento de Sant’Ana de Lisboa.

Igreja Paroquial. Painel da Aparição da Virgem a Santiago, na capela-mor

Deixamos também aqui dois outros textos com referências aos azulejos da Igreja Matriz do Sardoal:

Os azulejos formam, juntamente com a talha de madeira, a contribuição mais original da arte portuguesa para o barroco e o rococó. Foram usados com tal profusão que nenhum país do mundo os ostenta em tanta quantidade, em igrejas, capelas, mosteiros, palácios e casas de habitação, em jardins, tanques e fontes. A sua resistência invulgar permite conhecê-los tais como foram postos, se o homem, por negligência ou vandalismo, não causar a sua destruição.
Nos fins do século XVII, com as exigências da decoração dos muitos edifícios que então se construíram, o azulejo toma um desenvolvimento espantoso. O tipo policromo tradicional é substituído, por influência da porcelana chinesa, pelos tipos de ornatos de cor azul de cobalto, sobre fundo branco. Aos livros ilustrados, às estampas e às gravuras avulsas vão os desenhadores buscar elementos que substituem as ornamentações inspiradas pelas tapeçarias orientais (paramentos de tapetes) e arabescos do Renascimento. Os azulejos holandeses, com painéis figurados de variadíssimas cenas (reflexo da pintura mural e da tapeçaria barroca), serviram de modelos para uma fabricação que vai atingir números inconcebíveis nos três grandes centros de Lisboa, Porto e Coimbra.
Os painéis figurados, de cabeceiras lisas ou recortadas, eram destinados a locais determinados das igrejas e palácios, por medida, por assim dizer. Mas ao lado destes há uma produção em série, mais modesta, de azulejos «ornamentais» que permitem grande número de combinações. Deles há dois tipos principais: os de figura avulsa (cada azulejo contém um motivo independente: flores, aves ou outros animais, figuras humanas, barcos, máscaras, etc.) e o dos pequenos painéis com vasos floridos, enquadrados por figuras de sereias, de anjinhos, de golfinhos, ou volutas, usados para formar silhares limitados por cercaduras ou barras de folhas contorcidas.
Também se fabricavam pequenos painéis com crucifixos marcando passos de via-sacra e registos, assinalando devoções populares a vários santos (Santo António, S. Marçal, etc.).
A azulejaria portuguesa do século XVIII foi dividida em quatro períodos  pelo Eng.º Santos Simões. O primeiro período (1700-1725), designado também por ciclo artesanal, é a época dos mestres. É a época áurea, correspondente ao trabalho de Oliveira Bernardes e seus discípulos ou colaboradores: a emulação suscitada pela concorrência holandesa despertara uma grande preocupação de qualidade artística ( Capela de Santo António de Lagos, Nossa Senhora do Terço, em Barcelos, Capela-mor da Matriz do Sardoal, etc.). (…)

J. A. Ferreira de Almeida, O barroco e o rococó em Portugal e no Brasil.
História da Arte, Edições Alfa – 8º Volume

Os começos do século XVIII representam para o azulejo português a emergência das grandes personalidades criadoras, centradas em Lisboa, cidade com uma certa tradição e cultura de pintura. De certo modo, a individualização é também o reconhecimento da importância e da erudição que o azulejo foi entretanto assumindo.
O nome que emerge desde logo é o de Gabriel del Barco, nascido em Siguenza em 1649 e provavelmente falecido em Lisboa cerca de 1703. Terá chegado a Portugal em 1669 e aqui encetou a sua aprendizagem artística com o pintor Marcos da Cruz ( ? -1683), artista que exerceu alguma influência sobre os pintores que depois se dedicaram ao azulejo. Félix da Costa, contemporâneo de Marcos da Cruz, não tinha grande opinião sobre o pintor, criticando-lhe a falta de talento, o pouco rigor do desenho, o colorido e o sistema compositivo, achando banal a sua obra. De qualquer modo, Gabriel del Barco inicia assim a sua aprendizagem e os primeiros trabalhos conhecidos são constituídos por pinturas ornamentais realizadas para a Igreja de S. Luís dos Franceses (1681) e, na mesma cidade, para a desaparecida Igreja da Divina Providência; são-lhe também atribuídas as pinturas dos tectos da capela da Quinta da Conceição em Barcarena (c.1691) e o da sacristia do Convento das Flamengas, com as suas volutas de folhagens sobre fundo branco.
A partir de 1683 Gabriel del Barco é já membro da Irmandade de S. Lucas, instituição reservada a pintores a óleo. Datará de 1690 a passagem de del Barco à pintura de azulejo (trabalhando no bairro das Olarias, a Santa Catarina), já dentro da nova estética do «azul e branco», em grandes painéis, com frisos de potes ou albarradas, motivos cujo sentido decorativo de certo modo transita da pintura de tectos. Nesse sentido tem sido atribuído a Gabriel del Barco o programa azulejar da Igreja de Santa Maria de Óbidos, da Flamenga (1690) em Vialonga. Une estas obras, que também podem ser atribuídas a um mestre desconhecido, uma certa inépcia no desenho, nomeadamente no anatómico, e na construção da perspectiva.
Numa primeira fase da sua vasta obra Gabriel del Barco é autor de alguns azulejos na Igreja de Carcavelos (dois pendentes da cúpula coloridos, seis pequenos painéis nas paredes, a «azul e branco». De 1691 data uma série de painéis na capela da Quinta da Conceição em Barcarena; mas a grande obra deste período é o programa monumental da Igreja de S. Vítor em Braga, uma das obras maiores da azulejaria portuguesa. Trata-se de uma reconstrução de finais do século XVII, do tempo de D. Luís de Sousa, e dedicada a um santo local cuja vida e obra, escrita por D. Rodrigo da Cunha, constituiu fonte primordial da narrativa visual. Um total de mais de onze azulejos compõem os painéis separados por cercaduras de folhagens com dois azulejos de largura; nos painéis representa-se uma série de santos (doze no total); na zona da capela-mor os enormes painéis contam a vida do padroeiro.
Ainda nos anos 90 Gabriel del Barco produz azulejos para o palácio de Domingos Dantas da Cunha (Lisboa) e para a capela-mor da Igreja do Salvador do Mundo em Castelo de Vide. Em 1696 é autor dos azulejos de S. Bartolomeu da Charneca; seguem-se obras para a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres em Beja (1698).
Em 1699 Gabriel del Barco assina os azulejos da Igreja de S. Tiago em Évora (assinatura do lado do Evangelho) onde se revelam algumas das insuficiências do autor na correcção do desenho anatómico. Um ano depois deparamo-nos com outra das suas grandes criações, o revestimento azulejar da Igreja dos Cónegos de S. João Evangelista, os Loios de Arraiolos. Na parede do fundo os azulejos reproduzem colunas salomónicas; na nave é enorme a riqueza iconográfica, com cenas de género e imagens de santos. A separação dos quadros faz-se através de vegetação enrolada. Na zona mais alta dos alçados representam-se janelas policromas em trompe-l’oeil.
A obra derradeira deste azulejador parece ser o revestimento da capela-mór da matriz do Sardoal. Mas para além destas obras datadas há toda uma longa série de obras de data incerta ou simplesmente atribuídas a Gabriel del Barco (Meco, 1985, p.67).
António Pereira e Manuel dos Santos são outros dois azulejadores activos nos começos do século XVIII. O primeiro tem uma biografia pouco conhecida. Os seus primeiros trabalhos assinados localizam-se no Brasil, na Capela Dourada no Recife e no Solar Saldanha, em Salvador; em Portugal assinou um painel na capela-mor da Misericórdia da Vidigueira. A partir destas obras outras lhe são atribuídas (Igreja do Loreto em Lisboa, Igreja do Espírito Santo no Montijo, etc.). O conjunto sa sua obra revela um crescente distanciamento face aos modelos holandeses e uma gradual aproximação aos esquemas de Gabriel del Barco.
Manuel dos Santos insere-se igualmente neste ciclo, destacando-se da sua obra um conjunto de intervenções no Oratório do Arcebispo (silhares históricos datados de 1706, Congregados de Estremoz), na escadaria do Palácio Azevedo Coutinho em Lisboa (silhar decorativo, 1709) e, finalmente, os grandes painéis da igreja da Misericórdia em Olivença. Discípulo provável de Gabriel del Barco, terminou em 1703 o revestimento da capela-mor da Matriz do Sardoal iniciado pelo seu mestre. A sua obra mais importante localiza-se na portaria de S. Vicente de Fora, obra datável de cerca de 1710.
Mas Gabriel del Barco foi seguramente o nome mais significativo desta primeira fase. Da obra deste azulejador fica uma consistente renovação da azulejaria portuguesa, agora de forma definitiva: opção pelo «azul e branco», teatralidade e cenografia, trompe-l’oeil, aproximação do azulejo do grande espectáculo da pintura a óleo e crescente sugestão tridimensional de alguns motivos figurativos.

José Fernandes Pereira, O barroco do século XVIII
in História da Arte Portuguesa, Direcção de Paulo Pereira
Círculo de Leitores – 1995