Francisco Augusto Simões

Francisco Augusto Simões foi um importante negociante e proprietário que teve um papel relevante no Sardoal na primeira década do século XX.

Fotografia de Francisco Augusto Simões (cedida por Joana Serrão)

Nasceu em Lisboa, na freguesia de São Paulo, a 20 de Fevereiro de 1856, filho de António Esteves Simões e de Ana Maria de Oliveira Simões.

Casou no Sardoal, em 20 de Abril de 1882, com Maria da Luz Romão, que faleceu em 9 de Março de 1905. Teve um segundo casamento com Maria do Carmo Figueiredo Simões, natural de Viseu. Não teve filhos em nenhum dos casamentos.

Faleceu a 13 de Fevereiro de 1922, em Lisboa, na Rua de Arroios, n.º 174.

Através das notícias da imprensa regional da época, nomeadamente do “Echo do Tejo” e do “Jornal de Abrantes”, é possível ter uma ideia um pouco mais apurada do seu envolvimento e dinamismo na sociedade sardoalense da época.

Fundou a Sociedade Fraternidade Sardoalense em 1902, de que foi presidente, depois de em 1901 não ter chegado aos órgãos dirigentes da Sociedade Philarmónica Sardoalense por falta de acordo de alguns dos músicos. A Sociedade Fraternidade Sardoalense apresentou-se pela primeira vez, com uniforme à maruja, na Procissão dos Passos, em Março de 1902. Era também designada “Música Velha” e teve o seu ensaio na casa do próprio, na Rua do Paço (essa casa veio depois a ser do Dr. Ribeiro).

Há notícias da compra do terreno dessa casa em Junho de 1901, com intenções de incluir sala de ensaios e teatro. As demolições necessárias foram alvo de reparos públicas, como por exemplo no “Echo do Tejo” de 1 de Junho de 1902, onde um crítico sob o pseudónimo Thomé aventa que “‘o Simões há tempos fez uma demolição de alguns prédios, de modo que hoje há pobres que querem uma casa para habitarem e não a têm.”

A casa que construiu na Rua do Paço, onde constam as suas iniciais e o ano de 1905 (fotografia Google Maps)

Havia um clima de alguma hostilidade entre os apoiantes do Partido Progressista e do Partido Regenerador, que pode explicar essas correspondências mais acesas na imprensa e até a existência das duas bandas (a outra era a Sociedade Filarmónica Sardoalense e o presidente era Abílio da Fonseca Mattos Silva). Francisco Augusto Simões estava ligado ao partido progressista, tendo-se envolvido pelo menos nas eleições locais de 1904.

Teve uma empresa de viação, “A Sardoalense”, que vendeu em Março de 1905 a Máximo Serras, do Sardoal, incluindo os carros e o gado.

Foi irmão da Misericórdia.

Nota: Agradecemos a Joana Serrão a cedência da fotografia e de alguns elementos biográficos para a elaboração deste texto.

Selecção de notícias da época:

ECHO DO TEJO

2 de Junho de 1901
Na terça-feira, o nosso amigo Francisco Augusto Simões convidou alguns cavalheiros para irem ao seu chalet “Sete Estrellas”, descarregando-se na ocasião algumas metralhadoras.

ECHO DO TEJO

9 de Junho de 1901
O nosso amigo Francisco Augusto Simões, que actualmente aqui reside, acaba de comprar mais uma porção de terreno para maior aformoseamento do seu grande palácio em construção. Este nosso amigo que tanto tem beneficiado o Sardoal com algumas obras de valor e dignas de admiração de quantos o têm visitado, é digno de todo o elogio, pelo muito que tem feito em prol do Sardoal. Sentimos bastante que com a coragem do nosso amigo Simões, não haja no Sardoal meia dúzia de cavalheiros, porque com certeza, dia-a-dia, veríamos a nossa querida terra progredir! Segundo informação que colhemos o palácio que este nosso amigo anda construindo vai ser uma maravilha pois que ele não se poupa a trabalhos nem despesas. Bem haja quem tanto tem ajudado os pobres dando-lhes trabalho! Que veja coroados de bom êxito os seus trabalhos é o que lhe desejamos.
Consta que vai ser nomeada uma nova comissão para a direcção da Sociedade

Philarmónica desta Vila e que tomam parte os seguintes cavalheiros:
-Francisco Augusto Simões – Presidente
-Luís Conceição – Vice-Presidente
-Artur dos Santos – Tesoureiro
-Manuel Lopes – Secretário

O nosso amigo Simões vai brevemente construir uma casa por sua conta para ensaios da música e para teatro. A todos os Sardoalenses felicitamos pela iniciativa do nosso amigo porque é uma das coisas que Sardoal mais necessita.

JORNAL DE ABRANTES

3 de Novembro de 1901
Declaração
A nova direcção eleita pelos sócios da Sociedade Filarmónica Sardoalense em assembleia geral no dia 24 de Outubro findo vem agradecer a todos os seus amigos tal fineza e pede desculpa não aceitar tal cargo visto não poder chegar a acordo com parte dos músicos em reunião para que hoje foram convocados.

Pela Direcção
Francisco Augusto Simões

ECHO DO TEJO

15 de Dezembro de 1901
Diz-se que a Música não acabará se o Sr. Simões a proteger. Oxalá assim suceda. Vai brevemente aparecer esta Philarmónica nesta Vila.
É divertir rapazes, tristezas não pagam dívidas.

JORNAL DE ABRANTES

9 de Março de 1902
Sardoal – Procissão dos Passos
No próximo dia 14 do corrente deve realizar-se nesta vila a procissão do Senhor dos Passos, que será feita com toda a pompa. São oradores ao Pretório, o reverendo Prior d’Alcaravela (em J. Abrantes informa 2-2-1902. Era padre em Alcaravela, reverendo Francisco Alves Ferreira, e também encarregado da Caixa-Postal. Ao encontro, o reverendo cura desta freguesia, e ao calvário o reverendo pároco do Tramagal.
Abrilhantará este acto solene a Filarmónica Fraternidade Sardoalense, que pela primeira vez se apresenta com o seu grande uniforme à maruja, devido à boa e enérgica iniciativa do Presidente Sr. Francisco Augusto Simões e demais membros da comissão, Srs. Manuel Lopes João dos Santos e Luiz da Silva Conceição. Se o tempo permitir deve ser grande a concorrência.
Com a pompa e cerimonial de mais anos, terão lugar as festividades da Semana Santa e Domingo de Páscoa, tomando parte em todos a mesma Filarmónica.

JORNAL DE ABRANTES

Sardoal,11 de Maio de 1902
Realiza-se nesta vila nos dias 15 a 20 do corrente, o grande bodo geral acompanhado da festa do Divino Espírito Santo levado a efeito, por uma comissão, que à última hora tomou conta desta festividade e boa vontade pelo progresso deste concelho se não tem poupado a esforços, a fim de proporcionar a todos nós, uma festa de tanta simpatia, parecendo impossível que três ou quatro homens em tão pouco tempo tenham desafrontado tal empresa.
Segundo o programa, vão ser vistosas e lindamente embandeiradas todas as ruas desta vila, brilhantismo que na maioria se deve ao incansável trabalhador e nosso amigo Francisco Augusto Simões, que está sendo a admiração do povo deste concelho, pela sua dedicação e energia, nunca se poupando a coadjuvar os que trabalham, e já pelos melhoramentos que tem feito nesta vila.
No dia 15 serão inspeccionadas a apresentadas ao povo 3 formosos bois, percorrendo as ruas da vila.
No dia 16, de madrugada se procederá à matança dos ditos bois, e em seguida à divisão das rações, havendo nesta ocasião um beberete a todos os convivas.
Em seguida um lindo grupo de raparigas vestidas a capricho e acompanhadas dos festeiros, procederá à condução de pão das rações para o local da distribuição e onde o reverendíssimo padre desta vila deitará a benção sobre o pão, carne e vinho, das rações, que começarão a ser distribuídas, por todos os mordomos que se dignaram a contribuir para esta festa.
No dia 17, finda a distribuição, haverá grande arraial, e à noite vistosa iluminação abrilhantando toda esta festa a Filarmónica da Vila, Sociedade Fraternidade, com o seu vasto repertório.
No dia 18, o grupo de vistosas raparigas procederá à condução do pão das diversas capelas da vila para a igreja do Espírito Santo, para ser distribuído no dia seguinte ao povo, realizando-se a procissão da imagem do Espírito Santo, da sua capela para a Igreja Matriz, arraial, outras distracções, iluminação e fogo.
No dia 19, de manhã o bodo geral aos pobres, festa da Igreja do Espírito Santo, regresso deste em procissão, iluminação e fogo.
No dia 19, de manhã o bodo geral dos pobres, festa da Igreja do Espírito Santo, regresso deste em procissão à sua capela, de tarde arraial, bailes e mais divertimentos, havendo à noite, também iluminação e terminando as festas, com um lindo e variado fogo de artifício.

ECHO DO TEJO

1 de Junho de 1902
SARDOAL – AO CORRESPONDENTE DE “O DIA”
São 10 da manhã. Temos na nossa mão a presença de “O DIA” de 14 do corrente que obsequiosamente nos foi fornecido por um amigo, no qual vem inserida uma correspondência desta Vila, que se refere a umas modestas correspondências daqui, que temos enviado ao ‘ECHO DO TEJO’, apreciando de modo pouco lisonjeiro.
Muito longe estávamos nós de pensar que as nossas correspondências escritas simplesmente no intuito de dar notícias do que se passa na terra podiam desagradar a quem quer que fosse e serem dignas da censura do correspondente de ‘O DIA’.
Enganámo-nos. Mas que culpa temos nós que haja no mundo invejosos?… Não o prolóquio que é infinito o mundo da… seja inveja?
No Sardoal também os há. E foi isso que levou o tal senhor correspondente, por si ou levado por outrem a embirrar com as correspondências do ECHO, por nelas se fazer justiça ao nosso amigo F.A. Simões, residente nesta Vila, dizendo-se que ele tem prestado à Vila bastantes melhoramentos e que é digno das simpatias dos povos do Concelho etc… Diz o articulista ‘que não conhece o Sr. Simões. Talvez tenha razão, pois provavelmente traz os pés na terra e a cabeça na lua e por isso não pode prestar atenção a tudo que os restantes homens conhecem e sabem, porque vêem.
‘Cônscios do que escrevemos, vamos verberar legitimamente que são desconhecidos os melhoramentos por este Sr. Simões prestados ao Sardoal.”
Cônscios do que escrevemos; já o mel anda por bocas por onde nunca devia ter entrado.
São desconhecidos os melhoramentos, etc. Bateu certo…
Há certos homens para quem não existe a diferença entre o dia risonho de Primavera ou um triste dia de Inverno. O seu espírito não se extasia as maravilhas da natureza na bela das estações, por não saber reflectir ou não apreciar uma terra civilizada com as suas fontes, seus jardins, suas ruas alinhadas, seus prédios de cores esbranquiçadas onde se revela a mão de artistas, do que uma aldeia sertaneja onde medram os sargaços e as casas se cobrem de colmo.
Contudo haja pão. Tudo o mais para ele está bem.
Tirada a prova, o resto está bem, não há dúvida.
‘O Simões há tempos fez uma demolição de alguns prédios, de modo que hoje há pobres que querem uma casa para habitarem e não a têm.’
Aqui há uma intenção malévola. Mas o articulista terá de ferrar os dentes na calúnia. O Sr. Simões se demoliu os prédios, eram seus. Comprou-os com o seu dinheiro, pagou-os pelo triplo ou o quádruplo, talvez, do que eles valiam, beneficiou os antigos possuidores dos mesmos prédios.
Honra lhe seja feita, porque assim é um benemérito que emprega o seu dinheiro embelezando a Vila e dá que fazer aos operários.
Não temos procuração do Sr. Simões, nem pretendemos lisonjeá-lo. O que escrevemos é, simplesmente, por respeitar a justiça, se bem que a correspondência a que nos referimos é daquelas que não ofendem ninguém.
Passamos à segunda parte, que diz respeito à Música:
Tem o Sardoal uma Música e uma Filarmónica, diz o correspondente: ’A Música é dirigida pelo Sr. Simões; a Filarmónica é dirigida por alguns rapazes nossos patrícios.’.
Sabeis leitores que filarmónica quer dizer harmonia?’
Não sabíamos, não senhor, nem ficamos sabendo, nem podemos saber como é que a palavra filarmónica se compõe de duas palavras e língua diversa que lhe deu tal significação.
Aqui há ignorância…
Mas ainda que a palavra tivesse tal significado era-lhe mal aplicado no caso presente. A filarmónica ou por outra, a nova música, filha da harmonia? Ela que se formou pela desarmonia!!…
Para o que havia de dar ao diabo do correspondente de ‘O DIA’…
Aqui andou iludido ao certo, mas não leve a mal. Todos os homens se iludem.
Agora fique sabendo que o Thomé não é pirrónico: o que escreve é o que sabe ser o sentir da parte sã das cabeças pensantes do Sardoal. (…)
Sardoal, 28 de Maio de 1902
THOMÉ

JORNAL DE ABRANTES

27 de Julho de 1902
Agradecimento
Abílio Oliveira Carvalho, António Oliveira Carvalho, suas irmãs, Antónia do Carmo e Maria da Conceição, profundamente reconhecidos, agradecem a todas as pessoas que se dignaram acompanhar à sua última morada sua extremosíssima mãe, Ana de Jesus. Igualmente mostram reconhecidos a todos que se interessaram pelas suas melhoras durante a sua dolorosa enfermidade e que lhes endereçaram as condolências. Não podem deixar de fazer especial menção do distintíssimo médico, Victor Ayres Sequeira Mora, pelo zelo e dedicação com que tratou a doente, empregando todos os seus vastos recursos científicos para debelar a terrível doença. Ao Exm.º Sr. Francisco Augusto Simões, igualmente testemunham os seus agradecimentos, pelas deferências que lhes dispensou, acompanhando o enterro com a banda da distinta Sociedade Fraternidade Sardoalense, de que Sua Exª é mui digno director.
Finalmente não desejam também olvidar o nome do Exm.º Sr. Francisco Afonso Bernardes pelos relevantes serviços que lhes prestou, encarregando-se da direcção do funeral.
A todos repetem os seus agradecimentos pedindo desculpa de qualquer falta absolutamente involuntária

JORNAL DE ABRANTES

17 de Agosto de 1902
Sardoal-Abrantes
A direcção da Sociedade Fraternidade Sardoalense, e os seus sócios executantes da mesma sociedade, agradecem altamente reconhecidos aos seus colegas do Grémio Instrução Musical, as inequívocas provas de sincera estima que lhes tem dispensado, e muito principalmente pela gentileza da visita com que os honraram no dia 3 do corrente.
Acções destas, deixam no coração de todos inolvidáveis recordações de efectuosa amizade e leal camaradagem.
Ao Exm.º Sr. Miguel Serrão Burguete, desta vila, cavalheiro venerando e um extremo obsequiador, agradecem a forma cativante e bizarra como cedeu a sua agradável e pitoresca Quinta das Gaias a fim que ali se reunissem as duas sociedades em alegre convívio e fraternal colectividade.
A todas as pessoas que espontaneamente auxiliaram e concorreram para o luzimento da festa tão íntima e tão sincera, testemunham a sua gratidão.
À redacção deste jornal, cumpre-nos o dever de agradecer tudo quanto o seu numero de 10 do corrente se dignou publicar em prol nosso, e desta terra, cujas referencias, exprimem com entusiasmo, a forma precisa da ideia que não nos abandona.
Pela direcção, e pelos sócios da Sociedade Fraternidade Sardoalense
Sardoal, 12 de Agosto de 1902
O Presidente
Francisco Augusto Simões

Esclarecendo
Com esclarecimento à notícia publicada no nosso número de domingo, com respeito ao jantar oferecido à banda do Grémio na quinta do Sr. Miguel Serrão, pede-nos o nosso amigo Sr. Simões para esclarecermos que o aludido jantar não foi oferecido por ele, mas sim também por todos os sócios da Filarmónica da Fraternidade.
A Cezar…

ECHO DO TEJO

17 de Agosto de 1902
SARDOAL – Correspondência
Foi ontem, nesta Vila, dia de festa. No dia 27 de Julho a nossa popular filarmónica Sociedade Fraternidade Sardoalense, dirigida pelo Sr. F.A. Simões, foi generosamente a Abrantes, tocar na kermesse que nesta Vila se realizou em benefício do Grémio Instrução Musical.
À entrada de Abrantes, a nossa filarmónica que estreava um elegante fardamento oferecido pelo Sr. Simões, era esperada pela direcção do Grémio de Abrantes e foi cavalheirescamente recebida pela filarmónica dessa Vila e muito elogiada por todos, tocando as duas filarmónicas alternadamente.
O Grémio Instrução Musical com a sua direcção à frente, movido de nobres sentimentos que a todos animam, querendo dar um público testemunho do apreço em que tinha a nossa filarmónica, veio ontem ao Sardoal cumprimentar esta e pagar a visita que lhe tinha sido feita na ocasião da festa.
Ao entrar nesta Vila, foram aí, amavelmente, recebidos, como é próprio de pessoas de bem para com os seus hóspedes. Depois seguiram para a Quinta das Gaias, onde houve um lauto jantar a que assistiram as duas filarmónicas e respectivas direcções, sempre muito animadas em presença de muito povo de muitas aldeias que ali se juntaram. Depois do jantar tocaram as duas filarmónicas, alternadamente, as bem escolhidas peças do seu reportório, havendo um arraial, muito animado. Foi um dia alegre para todos, como ainda não houve aqui.
O nosso amigo ilustre Sr. F.A. Simões, é que foi a alma de todo este entusiasmo.
A nossa filarmónica Sociedade Fraternidade Sardoalense, à cuja frente está, para animar, já muito tem prosperado como auxílio que S. Exª lhe tem dispensado apesar das invejas das abelhas zangãos. O Sr. Simões a nada se poupa para fazer dela uma filarmónica digna da confiança que de toda a parte lhe dispensam. São os povos deste Concelho, mais ainda das freguesias mais distantes. Bem haja, ele!
A outra música (a da garrilha) também foi tocar para a Taberna Seca, o que foi muito notado. Disseram que foi para afastar a concorrência da Quinta das Gaias.
Quando lá passámos estavam a tocar e pouco mais do que pardais a ouvir.
Sardoal: 04-08-1902
THOMÉ

JORNAL DE ABRANTES

De 10 de Agosto de 1902
Abrantes – Sardoal
Conforme noticiámos realizou-se em domingo passado a visita de agradecimentos da direcção e banda do grémio Instrução Musical da vila de (Abrantes) aos seus colegas e camaradas da Fraternidade Sardoalense. Dissemos então e repetimos mais uma vez, que estas visitas tão louváveis, simpáticas, muito contribuem para estreitar relações, sobre tudo entre dois povos que, hoje como sempre se irmanam e se auxiliam.
A Filarmónica do Grémio acompanhada da sua digna direcção partiu de Abrantes em direcção ao Sardoal, pelas duas horas da tarde, chegando ali às três.
Eram aguardados á entrada da vila por toda a direcção da Fraternidade Sardoalense e centenas de pessoas.
Imediatamente se organizou um cortejo que seguiu até à residência do Sr. Administrador do Concelho, velho amigo Batista Saldanha, onde a direcção, apresentou cumprimentos, sendo amavelmente recebidos por aquele ilustre magistrado.
Seguiram depois até à sede da Associação, do que o incansável protector Francisco Augusto Simões, um dos poucos que no Sardoal, promove por meios ao seu alcance, o engrandecimento da terra.
Durante o trajecto queimaram-se imensos foguetes, e chegando à sede da Associação ali se achava a excelente Filarmónica Sardoalense, trocando com a nossa os devidos cumprimentos, em seguida o nosso amigo Patronilho, em nome dos sócios executantes do Grémio, apresentou os seus agradecimentos pela deferência havida com eles por ocasião da quermesse.
Respondendo o Sr. Simões que a sua Filarmónica cumprira meramente um dever de boa camaradagem, e que então em qualquer outra ocasião estava ao serviço de todas as causas abrantinas justa e benemerente, folgando em ter ensejo em afirmar que não faz uma afirmação gratuita mas sincera.
Depois de um mimoso copo de água oferecido pela direcção dos representantes do Grémio, de novo se formou um cortejo, então com muito maior número de pessoas até à magnifica Quinta do nosso velho e respeitável amigo Senhor Miguel Serrão, onde, grupos de belas moças, espalhavam flores sobre os nossos Filarmónicos, e sobre a direcção do Grémio, ouvindo-se frenéticas vivas a Abrantes e Sardoal, aos protestos sinceros das duas povoações, etc… etc…
A nossa Filarmónica, fez então ouvir a Guerra de África, primorosamente executada, e que lhe valeu prolongada ovação.
Podemos calcular que se encontravam ali duas mil pessoas, de todas as condições sociais.
Pouco depois serviu-se um opíparo jantar, de 70 talheres ao ar livre, oferecido pelo benemérito Sr. F. Augusto Simões.
Os brindes sucediam-se com entusiasmo, um delírio!…
Apareceu por esta ocasião o Sr. Miguel Serrão, sendo recebido com brilhante demonstração de júbilo.
Findo o jantar, as duas Filarmónicas tocaram alternadamente num largo, na mesma quinta, até às 9 horas, vendo-se muitos bailes reinando sempre muita ordem e grande contentamento.
O Sr. Miguel Serrão convidou então as direcções e vários cavalheiros das suas relações a servirem-se de um delicado copo de água, erguendo recíprocos brindes na extraordinária alegria.
Às 10 horas as duas Filarmónicas reunidas, executando o hino real e centenas de pessoas seguiram para o Sardoal, trocando-se as despedidas.
O povo Sardoalense, teve todas as atenções possíveis para os nossos patrícios o que agradecemos, em nome desta terra (Abrantes), onde infelizmente abundam críticos, e onde predomina o egoísmo, precisamente o contrário que vemos no Sardoal, e mesmo na maioria das freguesias rurais. O nosso grémio, não pode, como muito desejava cumprimentar outras entidades do Sardoal o que aliás não envolve qualquer desconsideração, atendendo ao pouco tempo de que se dispunha e principalmente ao fim especial da sua visita.
É a informação, que temos e que reputamos verdadeira.

ECHO DO TEJO

24 de Agosto de 1902
Acabam de nos afirmar que esta Vila vai em breve ser dotada de um teatro, que será feito a expensas do Sr. F.A. Simões. Oxalá que semelhante boato se confirme e que aquele benemérito não desista de tão louvável propósito. THOMÉ

JORNAL DE ABRANTES

6 de Setembro de 1903
Sardoal
Pendência de Honra
Meu Amigo Manuel de Oliveira Neto
Digno Redactor Do Jornal de Abrantes

Permita-me que, pela primeira vez, venha rogar-te a fineza de dignares a conceder-me a publicação de umas linhas no teu jornal de Abrantes, necessárias agora com a aclaração a uma carta publicada no teu jornal do dia 30 de Agosto último e também no n.º 134 do Echo do Tejo, assinada pelo Exmº Sr. Francisco Augusto Simões.
Agradeço-te com apreço a solicitada fineza e consideração me assino teu amigo At.º e Obgº.
Sardoal, 2 de Setembro de 1903

a) José D. P. Serrão
Por declaração do Sr. Francisco Augusto Simões, e que estão expressas na carta a que me refiro, sei que Sua Ex. me procuraria em minha casa às 12 horas do dia 11 de Agosto último, mas é certo que só me encontrou acidentalmente no edifício dos paços do município às duas horas da tarde, e foi então que me comunicou a razão porque me procurava.
Ouvindo-a, ponderei-lhe que não podia atendê-lo em tal assunto, porque, à uma hora da tarde daquele dia, havendo decorrido 48 horas precisas, após a entrevista que o Sr. Dr. Eusébio Tamagnini Barbosa e eu tivemos em casa do Exmº Sr. Dr. Victor Mora com este Sr. à uma hora da tarde do dia 9 de Agosto, sem que fossemos procurados por V.Ex.ª para se entenderem connosco acerca do assunto que determinara aquela entrevista, havíamos declinado, como nos cumpria, o mandato que nos fora conferido pelo Sr. Júlio Bivar Xavier Salgado, e que desta resolução déramos conhecimento ao mesmo senhor, à uma hora da tarde.
Perguntou-me ainda o Exm.º Sr. Francisco Augusto Simões, se havia estabelecido prazo para se reunirem e conferenciarem os comissionados do Exm.º Sr. Júlio B. X. Salgado e as pessoas que o Exm.º Sr. Dr. Mora nos prometera mandar, ao que respondi que, precisamente pelos factos tal prazo não haver sido determinado, nos competia acatar e respeitar o de uso e costume em casos desta ordem.
Assim terminou o motivo especial da nossa entrevista, seguindo-lhe, porém, considerações de carácter particular, que o Exm.º Sr. Francisco A. Simões e eu trocámos. Estas, pela sua natureza, não são nem podem ser assunto de referências noutro campo, como também entendo que conhecida a minha intervenção, me não assiste o direito de apreciar e comentar o que as ocorrências anormais que originam resoluções anormais também. Refiro-me a razões que determinam a Pendência de Honra.
Como os poderes do mandato especial, de que estava incumbido, para mim cessaram com a desistência do Exm.º Sr. Dr. Eusébio T. Barbosa e eu fizemos desistência que julgue ser devida e honrosa.
Julgue as considerações que deixo escritas, quem tiver competência e autoridade para o fazer com mais acerto.
Por mim, não voltarei mais a ocupar-me do assunto.
a) José Alexandre David Pinto Serrão

JORNAL DE ABRANTES

20 de Setembro de 1903
Sardoal-Pendência de Honra
Sr. Redactor
Heis-me de novo a importunar V.Ex.ª, pedindo-lhe a fineza da publicação do seguinte:
No vosso “Jornal de Abrantes” de 6 do corrente mês vejo uma carta do Exm.º Sr. José Alexandre David Pinto Serrão, que pela delicadeza com que este cavalheiro sempre trata de todos os assuntos, eu não deveria responder, dando por terminado o assunto, como Sua Ex.ª o faz. Como a verdade é simplesmente sem má intenção o que a minha carta de 30 de Agosto findo escrevi, reitero todo o seu conteúdo, sem confusão e emprego a retórica, predicados que não possuo. Na parte que diz respeito o ter procurado sua Ex.ª, ás 12 horas da manhã não pode haver contestação, sendo de facto que decorreu algum tempo em o encontrar não podendo precisar a hora por não conferenciar o relógio, o que teria feito, se tinha declinado o seu mandato.
Se Sua Ex.ª, quer interpretar como conversa particular o resto do que se passou, pode-o fazer, porque da mesma forma interpretarei o resto da vossa contestação.
Quanto a parte que me diz respeito na carta do Exm.º Sr. Dr. Eusébio Tamagnini Barbosa publicou no mesmo dia 6 do corrente no vosso jornal, cumpre-me só dizer a este cavalheiro, que é de facto não ter competência para apreciar prazo em ponto de honra desta natureza, pois que a minha vida de artista nunca me deixou tempo para tais elucidações, só apenas e a muito custo me deixou na folga do trabalho, tempo para apreciar os raros talentos e merecimento com sua Ex.ª.
A minha redondamente falsa declaração como diz Sua Ex.ª, é na verdade sem dotes literários, sem hipocrisia, sem maquiavelismo, é, repito, a expressão clara de quem diz a verdade sem intenção de ofender, sem preâmbulos, nem dotes universitários.
Termino finalmente, e publicamente a sua Ex.ª. que se entretanto chamado á teia da discussão quem lhe igual em talento, porque só de viva voz lhe responderei, quando pessoalmente me queira procurar.
Pela publicação destas linhas Sr. Redactor, muito grato lhe fica quem é com todo o respeito, e consideração.
Sardoal, 12-9-1903
De V.
Francisco Augusto Simões

JORNAL DE ABRANTES

13 de Novembro de 1904
A Eleição no Sardoal
Não foi só em Abrantes que a eleição tomou um caracter pessoal, tornando-se uma luta violenta entre os contentores.
Em Sardoal aconteceu outro tanto. Aqui, porém, sem programa prévio, sem promessas de escola secundária, de luz eléctrica, de reformas de calçada, que bem precisas seriam, e até sem reforma do talho que, afinal, está a pedir asseio, etc.
Portanto as baterias assentaram contra este cavalheiro.
Isto, de dizer que venceram os progressistas, é história. Eles sabem lá o que sejam pirolistas ou regeneradores. O que querem é pagar menos; isto a maioria, a minoria o que pretende é ver-se livre do grupo Salgado, conjugados e aproveitadinhos estes desejos, não foi difícil a vitória, conquanto exigisse muita propaganda.
Vamos, portanto, contar o que se passou.
O digno Juiz da comarca nomeou em substituição do presidente da assembleia que foi eleito, e que se escusou o Sr. Saldanha, nomeação que não agradou aos progressistas, berrada, o caso levado ao conhecimento do governo e do governador civil, e daí o aparecimento do padre Mora, como delegado especial para presidir à assembleia.
Às 8 e meia de domingo passado, notava-se já um movimento desusado de galopins dos dois grupos. Uns que vinham, outros que iam, um perfeito giro de alcatruzes na nora eleitoral. Pouco depois, aí vemos a seguir, sorrateiro, rua acima, o vice-presidente, sorteado da assembleia, progressista de gema, fanático por José Luciano, até à medula do osso. Referimos ao Sr. Francisco da Silva, um excelente cavalheiro e nosso amigo.
Uma vez na igreja, e logo que as 9 badaladas, repercutem pelos vales, hei-lo que toma a presidência, achando-se já presente a autoridade administrativa, propõe escrutinados, secretários e suplentes e começou assim os trabalhos. Eis se não quando chega o Sr. Saldanha, nomeado em substituição do Sr. Miguel Serrão, e tenta presidir à assembleia, apresentando o competente ofício de nomeação. A autoridade não lhe reconhece legitimidade, Saldanha insiste em ocupar a presidência e quer expulsar o vice-presidente.
Zaragata, alteração, uma vozearia dos demónios no templo de Deus.
Vai então, surge o padre Dr. Mora, delegado especial do governo. Justifica-se a sua qualidade, afasta os polemistas, toma o seu lugar e assume a presidência. Oh, céus, que trovoada! A polícia prepara-se e a força militar, posta de prevenção, dispõe-se à primeira voz. Não foi necessária. A tempestade desencadeara um copo de água , Saldanha entrega-lhe a papelada, em seguida o Dr. Mora convida Silva  a tomar a presidência, o que se cumpre.
Constitui-se depois regularmente e legalmente a mesa com o Sr. Padre Silva Martins, Padre Alves Ferreira, Francisco Simões, Virgílio, Serafim Freitas e Blandino.
Prosseguem os trabalhos serenamente, de vez em quando lá vem um protesto, a seguir um contra protesto, lá fazem entrar Salgado na ordem, e ainda um cabo de polícia que se recusava a fazer serviço.
Às 3 e meia contavam-se as listas, que, pelo adiantado da hora, ficam guardados e selados com sentinela à vista.
Na segunda-feira continuam os trabalhos, que ainda não acabam nesse dia, concluído afinal na terça-feira com uma maioria de 159 votos em favor dos oposicionistas. Safa! Que íamos vendo jeitos de não acabar o escrutínio. À noite, houve música, foguetes, vivório, vinho, demónio!
Saudou-se o partido progressista, deram-se vivas ao José Luciano, que quase ninguém conhece, e poucos sabem que existe, e foi uma vez o partido regenerador, no dizer das pessoas ilustres…
Esperem agora pelo baque, que há-de ser de arromba.
Rira bien qui rira le dernier
10-11-1904

ECHO DO TEJO

12 de Março de 1905
Faleceu na sexta-feira última, no Sardoal a esposa do Sr. Francisco Augusto Simões. O seu funeral foi muito concorrido, incorporando-se nele a filarmónica “Sociedade Fraternidade Sardoalense”, da qual o Sr. Simões tem sido um desvalado protector.
O caixão do corpo da falecida, foi conduzido na carreta funerária do Sr. André Ribas da vila de Abrantes.
Ao nosso amigo Sr. Simões apresentamos as nossas condolências.
WW

JORNAL DE ABRANTES

26 de Março de 1905
“A Sardoalense”
Empresa de Viação
Máximo Serras, do Sardoal havendo adquirido os carros de viação e transporte e o gado, que pertenciam ao Sr. Francisco Augusto Simões, oferece aos seus estimáveis fregueses e público os serviços da empresa, por preços convidativos, aos comboios correios da estação de Alferrarede e vice-versa.
Há carreira.
Alugam-se carros especiais.

JORNAL DE ABRANTES

26 de Março de 1905
Anúncio
Declaração
Declaro para todos os efeitos que cedi ao Sr. Máximo Maria Serras, desta vila o material e solípedes, da minha empresa de viação nesta vila, cujo contrato de cedência, foi feito pelo notário desta vila no dia 16 do corrente.
Sardoal, 23 de Março de 1905
Francisco Augusto Simões

JORNAL DE ABRANTES

15 de Novembro de 1905
Agradecimento
Francisco Augusto Simões, vem por este meio agradecer aos seus amigos e mais pessoas que se dignaram assistir à missa e trasladação da sua finada esposa, no cemitério desta vila, no dia 15 do corrente mês.
A todos agradece sinceramente reconhecido, não olvidando já mais esta prova de verdadeira estima, e pede desculpa de o não fazer pessoalmente, porque o seu estado de consternação no acto, não lhe permitiu relacionar as suas moradas.
Sardoal – Eleição da Misericórdia
No dia 10 do passado mês, eliminaram-se perante os restantes membros da mesa da misericórdia, desta vila, três membros, a fim de não serem reeleitos.
Não havia motivo para tal escusa se explicasse, embora aquelas apresentadas pelos demissionários, fossem atendidas.
Os restantes membros, vendo a atitude tomada pelos seus três colegas retraíram-se em instarem com eles para continuarem pois que, um alegava ter afazeres e já por ali estar há 3 anos, e assim queria descansar e outra qualquer ocasião mais tarde que se oferecesse entraria novamente. Outro, por ter emprego público e não ter vida para isso, e outro porque no p. p. ano foi eleito sem que com ele tivesse falas por parte da mesa, mas sim o foi por votação de irmãos, e, vendo isso também se despedia.
O Sr. Provedor pondera ainda aos necessários demissionários algumas razões no sentido de os demover da sua atitude, ao que retorquiram com o que haviam dito, e lembrando ao mesmo tempo alguns irmãos para a sua substituição, tais como: Abílio Fonseca, João de Matos, Francisco Simões, António Ferreira, António Marçal, etc. à vista disto, deliberou-se de comum acordo uma reunião no dia 15, sexta-feira, à noite, e em casa do Sr. Provedor, a fim de se assentar na lista definitiva a formar. No dito dia e à hora precisa, só apareceu um dos mesários em vista do que nada se pode resolver.
No domingo seguinte, realizava-se a eleição, e até ali nunca houve nada digno de nota e por onde se concluísse que eles, mesários demissionários se não interessavam pelo bom andamento das causas desse estabelecimento de caridade.
Continuarei…
Imparcial

JORNAL DE ABRANTES

8 de Março de 1908
Ditos e Boatos
Dizem-nos ter estado concorridíssimos os animados bailes realizados nas noites de domingo, segunda e terça-feira de entrudo, no vasto salão do teatro que o nosso amigo Francisco Augusto Simões ali mandou construir.
O aspecto de 2ª feira tanto no interior como no exterior, será de um efeito deslumbrante. Em qualquer das noites dançou-se animadamente até depois das 3 horas da madrugada.
Na terça-feira, conta-nos ter o nosso amigo Simões preparado uma bonita mas que a chuva não deixou que fosse apreciada. Não é possível descrever a alegria e satisfação, que nos disseram ter reinado numa festa em que todos deixou gratas recordações e onde dançaram animadamente sempre cerca de 40 a 50 pares.
Dizem-nos esperar-se pela nomeação do Sr. Dr. Victor Mora para administrador do concelho. Não felicitamos os sardoalenses por isso…

JORNAL DE ABRANTES

3 de Agosto de 1919
Declaração
Eu abaixo assinado Francisco Augusto Simões, casado, proprietário, morador em Sardoal, venho declarar, para todos os efeitos legais o seguinte:
1.º Que é redondamente falso que eu tenha qualquer filho natural.
2.º Que nunca tive na vila de Sardoal quaisquer amantes a quem mantivesse ou sustentasse, e se alguns devaneios tive na minha mocidade foram eles com mulheres da vida e costumes fáceis, pelas relações carnais que mantinham ao mesmo tempo com outros homens, jamais poderão saber qual o verdadeiro pai dos seus filhos.
3.º Que nunca tratei ou reputei qualquer pessoa por ou como meu filho, por o não ser.
Finalmente faço esta declaração para que ninguém depois da minha morte, e com mira apenas dos meus bens, se julgue com direito a habilitar-se como seu herdeiro.
Sardoal, 30 de Julho de 1919
Francisco Augusto Simões

O médico Francisco Xavier de Almeida Pimenta

Foi médico na Vila do Sardoal, na primeira metade do século XIX.

Era natural da Sertã, onde nasceu a 8 de Dezembro de 1775. Faleceu na vila de Sardoal a 21 de Abril de 1839. Era filho do doutor Luís Nunes Pimenta da Silva (natural da vila de Sardoal) e de sua mulher Faustina Inês Rita de Almeida (natural da vila da Sertã). Terminou o curso de medicina em Coimbra em 1799 (com 24 anos). Foi sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa.

A sua correspondência sobre as crianças expostas e órfãs, denota uma grande consciência social.

O contributo na vacinação

Foi um zeloso pioneiro e propagandista da vacina da varíola, também designada de bexigas. Há alusão ao seu contributo na campanha de vacinação na “História e Memórias da Academia R. Das Ciências de Lisboa”, Tomo IV, Parte I, Lisboa, de 1815.

Na enumeração dos principais correspondentes da instituição vacínica, consta o seguinte sobre o médico do Sardoal:

Seria notado de omisso, se, além destes, não nomeasse o Sr. Francisco Xavier d’Almeida Pimenta, Médico do Sardoal, tanto zeloso pelo bem público, como inteligente na sua Profissão; o qual em uma Carta que escreve no 1.º de Outubro de 1813, diz assim: “No Sardoal não aparecem Bexigas naturais há treze anos, à excepção dos indivíduos que com elas têm vindo contagiados de fora da Vila”. Este grande serviço é unicamente devido ao seu zelo em propagar a Vacina, quando ela era ainda pouco conhecida no nosso País.

Progressos da Vacinação no Terceiro Ano – Estremadura

Na Conta dos Trabalhos Vacínicos, consta um resumo da campanha de vacinação cujo objectivo era “libertar a Humanidade de um mal, que tem causado a destruição de milhares de indivíduos da nossa espécie, arrancando a vida a muitos, que deveriam ser algum dia membros do grande corpo social. Desde que pela primeira vez apareceu à face do Globo o terrível flagelo das Bexigas, e que de dia em dia os seus estragos eram marcados com a deformidade e morte de muitas pessoas, que sofriam o seu contágio; (…) Foi então que depois de inúteis fadigas, conhecendo-se a impossibilidade de extirpar pela raiz semelhante mal, o julgaram como congénito à nossa espécie, e, contentes por tanto com o fazerem só mais benigno, inventaram a Inoculação das Bexigas.”

Não se pense, contudo, que a campanha de vacinação não teve obstáculos, como se lê a seguir:
“Vacinadores particulares e Sociedades inteiras procuravam com o maior esmero fazer chegar ao conhecimento de todo o Povo civilizado tão preciosa descoberta. O partido da Inoculação, o qual, apesar da valentia dos seus abonadores, começava já a vacilar; por quanto apareciam factos, que eles de balde procuravam esconder, e que longe de demonstrar a utilidade de uma tal prática, só eram capaz de desacreditá-la. Por isso as primeiras vacinações feitas em Portugal sofreram grandes obstáculos, a ponto de se perder quase toda a esperança de propagar-se tão saudável benefício; até que, pelo andar dos tempos, por esforços repetidos, e persuasões continuadas de muitos Médicos sensatos, e mais que tudo pela perda de indivíduos que, a todo o momento, eram sacrificados à morte, olhou-se com atenção para o que até ali se tinha rejeitado com tanto aferro.”

Deputado às Cortes

Nas eleições que se realizaram em dezembro de 1820, para a formação das Cortes Constituintes de 1821, foi candidato a deputado pela província da Estremadura. Nessa eleição teve o menor número de votos e por isso ficou como substituto (cfr. Lista dos 24 deputados em Cortes e dos 8 substitutos, Lisboa, Typographia Rollandiana, 1821).

As águas termais

Participou na primeira análise científica das águas das termas de Cabeço de Vide (1820). No ano anterior, os moradores requereram ao Ministério do Reino que se mandasse fazer reparos na fonte de água mineral, de que muitos doentes haviam recebido benefício. O Ministério instruiu a Academia Real das Ciências de Lisboa para analisar a água, o que ocorreu em abril de 1820 por Francisco Xavier de Almeida Pimenta. O professor de química Tomé Rodrigues Sobral também deveria ter colaborado nesse projecto, mas a Revolução de 1820 afastou-o deste trabalho.

Dicionário Bibliográfico

É-lhe dedicada uma entrada no “Diccionario Bibliographico Portuguez”, de Innocencio Francisco da Silva, Tomo Terceiro, de 1858.

Bacharel formado em Medicina pela Universidade de Coimbra, e que exerceu a sua profissão durante muitos anos na villa do Sardoal. Foi Deputado ás Côrtes constituintes em 1821, e correspondente da Academia Real das Sciencias de Lisboa. – Nasceu na villa da Certã, comarca de Castello-branco, a 2 de Dezembro de 1775, e morreu a 21 de Abril de 1839 – V. as Memorias Biographicas do sr. Rodrigues de Gusmão a pag. 57, ou na Gazeta Medica de Lisboa, tomo VI, n.º 129.

Escreveu:
1923) Observações de uma prenhez, terminada pela putrefação do feto. – Sahiu no Jornal de Coimbra, vo. IV, pag. 213.
1924) Observações sobre o uso do fructo do castanheiro da India. (Aesculus Hypo-Castanum, Linn.) – No dito jornal, vol. dito, pag. 214.
1925) Descripção de uma febre, que grassou em Villa-velha, comarca de Castello-branco, no verão de 1811. – No mesmo jornal, vol. VI, pag. 297.
1926) Observações sobre calculos biliares. – No dito jornal, vol. VIII, part 1.ª pag. 142.
1927) Caso de morte, em consequencia de uma pequena ferida na barba. – No dito jornal, e no mesmo vol., pag. 148.
1928) Carta sobre o effeito dos banhos da fonte da Fedegoda de Beler na elephantiase. – No mesmo jornal, e vol.
1929) Carta sobre o uso das agua sulphureas nas molestias de pelle. – No mesmo jornal, e vol.
1930) Casos praticos sobre creação de meninos, com leite que não seja de mulher. – Dito jornal, e vol.
1931) Carta aos redactores do Jornal de Coimbra sobre o óleo de mandubi. (Arachis Hypogea, Linn.) – Dito jornal, vol. XV, pag. 192.
1932) Investigações sobre a natureza e antiguidade das aguaes mineraes de Cabeço de Vide. – Nas Mem. da Acad. R. das Sciencias de Lisboa, tomo VIII, parte 2.ª, de pag. 135 a 149.

Roda dos Enjeitados na Vila do Sardoal

Chamava-se exposta, ou enjeitada, à criança que era abandonada normalmente na roda.

Em Portugal, a assistência aos expostos foi realizada pelos concelhos (para os quais era considerada obrigatória) e também pelas Misericórdias. Os Alvarás régios de 22 de Agosto de 1654 e de 22 de Dezembro de 1656 confirmaram a obrigatoriedade de exercerem a Câmaras essas funções.

Por todo o país havia “ermitões” e “ermitoas” que se dedicavam a recolher “meninos perdidos”. Para que se cuidasse da protecção às crianças concorreu, decerto, o facto de nascerem bastantes filhos de amores ilícitos de senhoras fidalgas e de freiras. O abandono das crianças fazia-se nos adros das igrejas e nas portarias dos conventos. Havia aí as célebres “rodas”, que eram cilindros giratórios de eixo vertical, abertos em parte, de alto a baixo, onde se punham os objectos destinados a passarem para o interior do edifício. A pessoa encarregada de depor a criança abandonada colocava esta na parte aberta da roda e tocava uma campainha, o que chamava a atenção da irmã rodeira. Esta acudia, fazia girar a roda e recebia a criança, sem que visse quem estava do lado de fora. Pina Manique, o Intendente Geral de Polícia no tempo de D. Maria I, reconheceu oficialmente a prática do sistema de “rodas”, na circular de 24 de Maio de 1783. A favor da instituição alegava o crescente número de infanticídios que se verificavam a cada ano. No tempo de Pombal providenciou-se acerca do destino dos expostos quando atingiam a idade de tomar ofício. Eram enviados para oficinas de diversos misteres a fim de aprenderem uma profissão. Pina Manique deu prosseguimento a essa prática. Ao fundar a Casa Pia pensou em dar educação não só aos expostos, mas aos órfãos, igualmente.

Pelo seu interesse, cita-se o artigo “Crianças e jovens em risco nos séculos XVIII e XIX. O caso português no contexto europeu”, de Maria Antónia Lopes, publicado em 2002 na Revista de História da Sociedade e da Cultura:

Uma mulher permaneceria continuamente na casa da roda a fim de receber as crianças e cuidar delas imediatamente. Depois de baptizados, os expostos eram entregues a amas que, a troco de um salário, os criavam em suas casas até à idade de sete anos. As instituições responsáveis pelos enjeitados (câmaras municipais e misericórdias) eram obrigadas a remeter para Lisboa listas anuais das entradas e óbitos. Atingidos os 7 anos, as crianças ficavam sob a alçada dos juízes dos órfãos. Começavam então a trabalhar a troco de alimentos, vestuário e alojamento, passando a receber salário aos 12 anos. Não se apresentando ninguém interessado em contratar os expostos, o juiz procedia a um leilão, entregando a criança a quem oferecesse maior salário, o que praticava com expostos e com órfãos filhos de gente trabalhadora.

O mesmo artigo refere depois um médico do Sardoal, Francisco Xavier de Almeida Pimenta que, em 1815, no Jornal de Coimbra, escreve: “é costume introduzido em muitos Juízos de Órfãos arrematar estes miseráveis como quem vende uma besta em praça pública”. A carta completa, publicada no Jornal de Coimbra, número 41 (1815), páginas 245-246, é publicada de seguida:

Jornal de Coimbra, número 41 (1815), página 245
Jornal de Coimbra, número 41 (1815), página 246

No arquivo da Câmara Municipal existe uma circular do Governo Civil de Santarém que faz a distribuição das rodas no distrito, cabendo uma ao Sardoal. Esta circular é dos primeiros anos do século XIX. Da época posterior existem diversos registos da actividade da Rodeira com autos de recolha de crianças na Roda. As crianças eram recolhidas no interior do edifício pela rodeira, que lhes prestava os primeiros cuidados de alimentação e higiene. A última rodeira no Sardoal chamava-se Maria Joaquina.

Os bebés eram normalmente deixados num cestinho e faziam-se acompanhar do respetivo enxoval. De acordo com o respectivo registo de baptismo, a última criança que terá sido exposta na Roda do Sardoal, em 1860, a que deram o nome de Aurélia, tinha “os seguintes signaes: huma touca preta, e outra branca; duas camisas, huma de paninho, e outra de fio d’algodáo, hum apertador de pelucia, hum vestido tãobem de pelucia, hum coeiro de lanzinha preta, e huma fralda branca, tudo isto já uzado;

Essas crianças eram normalmente entregues a famílias da Vila que delas tomavam conta, recebendo para isso um subsídio da Câmara Municipal.

No Sardoal, a Casa da Roda esteve em funcionamento até 1860. A abolição da roda de admissão anónima foi fixada por Decreto de 21 de novembro de 1867, assim como a sua substituição gradual por hospícios com admissão controlada, destinados a crianças indigentes, expostas e abandonadas.

Para lá de 1860 há ainda no Sardoal registos de crianças expostas, encontradas à porta de algumas pessoas ou abandonadas na rua. Já no século XX, em 7 de Fevereiro de 1924, encontra-se registada numa acta uma curiosa deliberação sobre uma criança exposta, cujo teor é o seguinte:

IRENE CELESTE – Tendo o cidadão Amílcar Lopes de Andrade requisitado a menor Irene Celeste, exposta, a cargo de Mariana de Jesus, dos Andreus e subsidiada desta Câmara, com a importância mensal de quinze escudos, para sua casa, a título de criada e companheira de sua filha, foi a dita Mariana intimada a apresentar nesta Câmara a criança Irene. Em vista do pedido da referida Mariana para a criança continuar em seu poder e dos rogos aflitivos da pequena que não queria separar-se da sua mãe adoptiva e porque esta se comprometeu sem subsídio algum a promover a educação e sustentação da menor, esta Comissão resolveu deferir-lhe o seu pedido comprometendo-se esta a cuidar da menor como até aqui e ficando a Câmara de intervir em caso de necessidade.

Segundo a tradição oral, a Casa da Roda no Sardoal situava-se nas imediações da Capela de Sant’Ana. Por sua vez, o Dr. Manuel José de Oliveira Baptista (Boletim Informativo da Misericórdia de Sardoal, n.º 7 e 8, Fev./Mar. 1984) refere que a Casa da Roda funcionava na Misericórdia, primeiro quando as suas instalações eram, ainda, nos anexos da Igreja do mesmo nome e depois, a partir de 1834 com a extinção das Ordens Religiosas, no Convento Franciscano para onde foram o Hospital e as restantes dependências da Santa Casa.

Apontamentos para a história do movimento associativo no concelho de Sardoal

A congregação de diversas pessoas em torno de objectivos sociais comuns tem uma longa história no concelho de Sardoal, nomeadamente em aspectos religiosos e na assistência aos mais desprotegidos. Sabe-se que em 1450 já existia uma Confraria que dava apoio aos peregrinos e necessitados, a qual, em 1509, veio a transformar-se na Santa Casa da Misericórdia de Sardoal, que perdurou até aos nossos dias, mantendo e alargando importantes funções na área da solidariedade social.

No campo religioso não conseguimos datar com rigor a origem das Irmandades e Confrarias como, por exemplo, a Irmandade do Santíssimo Sacramento, normalmente comum a todas as paróquias, e a Irmandade da Vera Cruz ou dos Santos Passos ou a Confraria de Nossa Senhora da Saúde e de S. Guilherme, em Andreus, cujas funções, na actualidade, se resumem à participação em alguns actos de culto mais importantes.

Estas Irmandades ou Confrarias reflectem, hoje, quer a recessão demográfica, quer o envelhecimento da população, evidenciadas na acentuada diminuição do número dos seus membros e na idade avançada da maioria deles que resulta, também, de uma mudança de atitude da sociedade perante a prática religiosa.

Na área da Cultura, a Filarmónica União Sardoalense destaca-se como decana das colectividades que nesta área têm desenvolvido a sua actividade no nosso concelho, cuja existência atravessa dois séculos. Fundada em 1911, com esta designação, em resultado da fusão das duas filarmónicas que então existiam na Vila de Sardoal, a Sociedade Filarmónica Sardoalense (fundada em 1862) e a Sociedade Fraternidade Sardoalense (fundada em 1901), a F.U.S. é a legítima herdeira das suas tradições culturais, pelo que se deve considerar a sua fundação reportada a 3 de Agosto de 1862.

Nos últimos anos da Monarquia e nos primeiros anos da I República foram desenvolvidas algumas tímidas tentativas para criar outras colectividades na área cultural e recreativa, que na generalidade tiveram pouca duração e cuja actividade não se encontra suficientemente documentada por forma a permitir uma análise correcta da importância local que possam, eventualmente, ter tido.

Até por volta de 1930 as actividades culturais e de solidariedade social que aparecem referidas na Imprensa Regional, ou decorrem a acção da Santa Casa da Misericórdia de Sardoal e da Filarmónica União Sardoalense, ou resultam de actos isolados voluntariosos de agentes culturais individuais que por razões diversas passaram pelo Sardoal e foram capazes de dinamizar algumas acções, nomeadamente na área do Teatro e da Música. Essas sempre foram as áreas culturais que, de forma afectiva, mais mobilizaram os Sardoalenses e que podem ter sido o fundamento da construção, no final dos anos 20, do Cine-Teatro  Gil Vicente, propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Sardoal e entretanto demolido para dar lugar ao Lar/Centro de Dia da mesma Instituição.

A sedimentação ideológica da política do Estado Novo leva que a partir de 1934 seja desenvolvida uma acção concertada para a criação e estruturação de um movimento associativo profundamente enraízado e identificado com a política do Estado Corporativo e com uma acção balizada pelos princípios políticos da Constituição de 1933.

Foi neste período que foram criadas as Casas do Povo, sendo a primeira em termos concelhios e nacionais, a Casa do Povo de Alcaravela, criada em 1934, que mais do que uma função cultural e social, pretendia assumir-se como órgão político do Corporativismo e que, por isso, viveu alguns momentos conturbados e de grande agitação popular que motivou uma forte intervenção repressiva, cuja história se encontra por fazer.

É também nesta época que começam a ser criadas em Portugal organizações como a Mocidade Portuguesa e a Legião Portuguesa, cujo objectivo era a divulgação e a afirmação da ideologia política do Estado Novo e a consagração dos valores nacionalistas, num período que coincidiu com a Guerra Civil de Espanha e depois, até 1945, com a II Guerra Mundial.

No Sardoal estas organizações nunca conseguiram grande implantação, apesar de terem disposto de sedes próprias e do apoio financeiro. Em finais dos anos 60, passados que foram os primeiros anos da Guerra Colonial, deixaram de ter actividade visível, extinguindo-se, naturalmente, com a Revolução de 25 de Abril de 1974.

Algumas organizações ligadas à Igreja Católica, de natureza caritativa e quase esmolar e cuja actividade principal era o apoio aos pobres do concelho de Sardoal, como as Conferências de S. Vicente de Paula ou a Cáritas, mantiveram, até aos finais dos anos 60, uma actividade mais ou menos regular, dirigidas por pessoas muito ligadas ao regime do Estado Novo e à Igreja, como o Dr. José Ferreira A. Manso e o Sr. Ramiro dos Santos, entre outros.

Com a criação da F.N.A.T. (Fundação Nacional Para a Alegria no Trabalho) e dos C.RP.s (Centros de Recreio Popular), as actividades associativas para a área desportiva tiveram algum incremento, especialmente em Sardoal e Valhascos, onde foram construídos, ainda que de forma improvisada, campos de futebol que permitiram a prática regular desta modalidade desportiva, com a participação em campeonatos regionais.

Na Vila de Sardoal a “Sede” do Centro de Recreio Popular constituiu-se como um importante local de convívio de muitos Sardoalenses que ali se deslocavam para  ouvir Rádio e ver Televisão, no tempo em que esta ainda era uma grande novidade e para ler jornais, jogar cartas, dominó, damas, etc.

Com a criação da Casa do Povo de Sardoal, no final dos anos 60, as funções desportivas do C.R.P. passaram a pertencer a esta Instituição, ainda que a sua função principal se relacionasse com a integração, ainda que tímida, dos trabalhadores rurais na Segurança Social.

Ainda nos anos 60 e nos primeiros anos da década de 70, a J.O.C. (Juventude Operária Católica) teve um papel importante na dinamização de actividades destinadas aos jovens, especialmente em Alcaravela, Cabeça das Mós e Valhascos, registando, igualmente, um movimento juvenil que ocorreu na Vila de Sardoal, no princípio da década de 70, com actividades de formação e ocupação de tempos livres, que chegou a congregar algumas dezenas de jovens e que pelo seu carácter inovador foi sujeito a alguma vigilância política pelas autoridades da altura.

É depois da Revolução do 25 de Abril de 1974 que se dá a grande “explosão” do Movimento Associativo no Concelho de Sardoal, à semelhança, aliás, do que aconteceu um pouco por todo o País, particularmente a partir das chamadas Organizações Populares de Base, como as Associações e Comissões de Moradores e de Melhoramentos, formadas para tentar encontrar soluções para os múltiplos problemas que afectavam as populações, ao nível das infra-estruturas básicas, como, por exemplo, as acessibilidades, o abastecimento de água e a electrificação rural, sendo também neste período (final dos anos 70 e princípio dos anos 80) que se verificou a criação do Rancho Folclórico “OS RESINEIROS”, de Alcaravela, do Rancho Folclórico “OS CAMPONESES”, de Valhascos, do Grupo Desportivo de Alcaravela, do Grupo Desportivo e Recreativo de Sardoal “OS LAGARTOS” e do GETAS-Centro Cultural de Sardoal, entre outros.

Foi também nesta altura que as Juntas de Freguesia deixaram de ter funções meramente administrativas, que se limitavam, quase, à passagem de atestados e à gestão dos cemitérios (Alcaravela e Santiago de Montalegre), passando a ter um papel mais interventivo com a realização de algumas obras em colaboração com as Comissões e Associações de Moradores e Melhoramentos, nomeadamente a abertura, alargamento e beneficiação de arruamentos e caminhos rurais, com destaque, nesta área, para os trabalhos que então foram realizados, nomeadamente em Andreus e Entrevinhas.

Esta intervenção, necessariamente modesta e muito sintética por falta de elementos históricos disponíveis, nas Jornadas de Reflexão sobre o Movimento Associativo do Concelho de Sardoal, tem um objectivo que reputo de muito importante e que assenta num desafio para todas as Entidades participantes, que é o seguinte: registem a sua história, mantendo-a actualizada tanto quanto possível. A experiência que tenho nesta área ensinou-me que muitos factos que hoje nos parecem banais e/ou irrelevantes, poderão ser muito importantes no futuro, especialmente quando alguns dos nossos vindouros quiserem fazer a história desta época.

Sardoal, 16 de Março de 2000

Alguns apontamentos sobre a Quinta do Pouchão e sobre a Ilustre Família Brandão e Cordes

CARTA DO JUIZ ORDINÁRIO DO JULGADO DA VILA DO SARDOAL, DIRIGIDA A SUA MAJESTADE A RAINHA DONA MARIA II

Senhora

António Metello de Villa Lobos, Juiz Ordinário do Julgado da Vila do Sardoal, Comarca de Abrantes, no Distrito de Santarém, em justa defesa dos direitos da sua jurisdição, postos em dúvida e conflito pelo Doutor Juiz de Direito da mesma Comarca, vem mui respeitosamente representar a Vossa Magestade o seguinte:

  • Situada a Quinta do Pouxão na distância de apenas um quarto de légua da mencionada Vila do Sardoal, em todo o tempo os Moradores da dita Quinta têm sido considerados como Paroquianos da Freguesia da mesma Vila, exercendo ali para com eles constante, pacífica e livremente o Pároco respectivo actos de jurisdição concernentes ao seu Ministério, como se mostra pelo documento nº 1.
  • Por Decreto de 6 de Novembro de 1836, arredondados os dois concelhos de Abrantes e Sardoal, foram em execução do mesmo Decreto, desmembradas do primeiro daqueles dois concelhos e anexadas ao segundo, as duas freguesias de S. Sebastião das Mouriscas e de S. Silvestre do Souto, entrando também na mesma anexação como concelho a Quinta do Pouxão e os dois Povos de Casais de Rovelhos (denominação própria que significa um Povo só e não muitos casais) e Sentieiras, cujas três últimas entidades tendo pertencido sempre como Freguesia à Vila do Sardoal, era uma irregularidade e confusão estarem pertencendo como concelho a outro Julgado, a que se atendeu e providenciou com o citado Decreto, ficando, por isso, em tal ocasião, composto o Concelho de Sardoal das quatro Freguesias completas de S. Tiago e S. Mateus do Sardoal, de Santa Clara de Alcaravela, de S. Sebastião das Mouriscas e de S. Silvestre do Souto.
  • Pela Lei de 12 de Junho de 1838, em virtude de reclamações dos Moradores das duas Freguesias de S. Sebastião das Mouriscas e de S. Silvestre do Souto, desmembradas do Concelho de Abrantes, ou por força de outros motivos foram as duas mencionadas freguesias mandadas reverter ao seu Concelho primitivo, o que assim se praticou, ficando por este modo reduzido o Concelho de Sardoal, às duas freguesias completas de Santa Clara de Alcaravela e de S. Tiago e S. Mateus do Sardoal, conservando-se, por isso, na última, a Quinta do Pouxão e os dois Povos de Rovelhos e Sentieiras, que sempre fizeram parte da mencionada Freguesia, respeitando-se, deste modo a doutrina consignada no Decreto da Reforma Judicial de 29 de Novembro de 1836, enquanto no Artigo 6º – Parágrafo 2º do Título I, determina que :«a Freguesia toda pertencerá ao Julgado em que estiver situada a Igreja Paroquial.»
  • Desejos permanentes e diligências ulteriores das Autoridades Civis de Abrantes vieram produzir nova desmembração do Concelho de Sardoal em relação aos dois Povos de Rovelhos e Sentieiras, mas desta vez para se salvar o já citado preceito do Decreto de 29 de Novembro de 1836 de dever pertencer a Freguesia toda ao Julgado em que estiver situada a Igreja Paroquial, fossem desmembrados como Freguesia da Freguesia de S. Tiago e S. Mateus da Vila do Sardoal e anexadas como tais à Freguesia de S. Vicente Mártir da Vila de Abrantes, o que assim foi determinado na Carta de Lei de 17 de Abril de 1838, no seu artigo 1º – parágrafo 17, como se mostra no documento nº 2.
  • Desde então, quiseram as Autoridades Civis de Abrantes ter pretensões de jurisdição sobre a Quinta do Pouxão e isto pelo único fundamento de a julgarem como pertencendo aos dois Povos desmembrados, quando em vista da situação topográfica da Quinta é tão claro como a luz do meio dia que, ou ela se deve considerar como não pertencendo a Povoação alguma, no sentido rigoroso da palavra, por se achar a mesma Quinta no meio de um campo sem ligações imediatas de vizinhança, ou então, a fazer parte de alguma Povoação, outra não pode nem deve ser senão a Aldeia dos Valhascos da mencionada Freguesia do Sardoal, a que a mesma Quinta fica fronteira e próxima. Mas tendo a Quinta em questão pertencido sempre como Freguesia à Vila do Sardoal e nunca dela fora desmembrada, nem se poderá dizer que o seja pela predita Lei de 17 de Abril de 1838, pois ela, como ali é expresso, só manda desanexar da Freguesia do Sardoal os dois Povos dos Rovelhos e Sentieiras, confirmando isto mesmo o Prelado Diocesano, quando em execução da citada Lei, transmite ao Pároco de S.Vicente de Abrantes a jurisdição do Pároco Paroquial dos dois mencionados Povos que estavam debaixo da jurisdição do Pároco do Sardoal, como se vê na Pastoral do mesmo Prelado (documento nº 3) dirigida para esse efeito aos dois ditos Párocos. E tanto isto é assim, que a Quinta do Pouxão ou os seus Moradores, não cessaram de estar e ainda hoje estão debaixo da jurisdição do Pároco da Vila do Sardoal, circunstância esta que, por si só, era bastante para dever por termo a todas as dúvidas e controvérsias a semelhante respeito suscitadas. Por isso, por falta de outras razões, se as houvesse, subsiste a clara e terminante doutrina do já duas vezes citado Decreto da Reforma Judicial, de 29 de Novembro de 1836.
  • Porém, não acontece assim. Falecido em 19 de Outubro último o Dono da mencionada Quinta do Pouxão, António Carlos de Cordes Brandão Macedo e Ataíde, tendo ele sido encomendado pelo seu legítimo Pároco, o Vigário da Vila do Sardoal, sepultando-se o seu corpo dentro dos limites da mesma Freguesia. Sendo requerido posteriormente ao Suplicante, na qualidade de Juiz Ordinário que é do Julgado da Vila do Sardoal, actos de posse dos bens do Casal por parte de um dos herdeiros do finado, a que o Suplicante dúvida alguma teve em anuir, indo ali, para esse efeito, exercer sua jurisdição, como mais vezes exercera e seus predecessores, em virtude das Disposições do Decreto de 6 de Novembro de 1836, nesta parte subsistentes, quando por haver uma filha menor do falecido António Carlos, o Suplicante, em virtude das suas obrigações orfanológicas se dispunha a dar princípio ao Inventário do Casal e mais actos de seus deveres e jurisdição, foi então que o Doutor Juiz de Direito da Comarca se antecipou, indo ali e dando começo àquele acto, que só devera pertencer ao Suplicante, por todas as razões e motivos que deixa produzidos.
  • É nesta conjuntura, Senhora, que atendendo o Suplicante aos males que podem nascer de um precedente como o que acaba de expor a Vossa Magestade, vem submisso, aos pés do Trono, suplicar que dignando-se Vossa Magestade mandar proceder às averiguações necessárias em relação a este grave conflito, seja Vossa Magestade servida em sua alta Sabedoria e Justiça indefectível, resolver a semelhante respeito o que estiver em harmonia com as Leis e com os Direitos de Jurisdição, que o Suplicante na força dos fundamentos em que se firma, não pode deixar de considerar ofendidos pelo Doutor Juiz de Direito da Comarca de Abrantes, enquanto se meteu a exercer actos de Autoridade que pertenciam só ao Suplicante, como Juiz Ordinário que é do Julgado da Vila do Sardoal.

Pede a Vossa Magestade Fidelíssima
Assim o haja por bem.
Sardoal, 13 de Novembro de 1847

REGISTO DO TRASLADO DO TESTAMENTO COM QUE FALECEU O EXCELENTÍSSIMO ANTÓNIO CARLOS DE CORDES BRANDÃO MACEDO E ATHAÍDE, DO POUXÃO

Saibam quantos este Instrumento de Público Testamento virem, que no ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo e mil oitocentos e quarenta e quatro, nesta Rua Direita do Bom Sucesso, número sete, freguesia do Bairro de Belém, um dos desta Cidade de Lisboa, aí na casa nobre da residência do Ilustríssimo e Excelentíssimo António Carlos de Cordes Brandão Macedo e Athaíde, doente de cama, que dou fé ser o próprio e estar em seu perfeito juízo, o que igualmente reconheceram as testemunhas ao diante nomeadas e assinadas e para este acto mandadas chamar e rogar, por ele, Testador.

O qual logo perante as mesmas testemunhas disse que não podendo escrever de seu punho as disposições da sua última vontade, nem mesmo poder fazer o seu nome, porque o ataque de gota lhe sobreveio lhe tem tolhido as mãos e neste estado pretendia fazer, como faz, o seu Testamento nesta minha nota pelo modo que o tinha ordenado em uma minuta que me apresentava e previamente li e por a achar conforme com a vontade do Testador, aqui a lancei e é do teor seguinte: Disse primeiramente que invocava o auxílio celeste para o perigoso trânsito desta vida como fatal momento em que mais dele precisa. Declarou, ele Testador, ser natural da Vila do Sardoal, Bispado de Castelo Branco aonde tem residido na sua Quinta do Pouxão e actualmente neste seu Palácio da Rua Direita do Bom Sucesso, freguesia de Santa Maria de Belém, filho legítimo do Excelentíssimo Carlos Cordes Brandão Almeida e Athaíde e da Excelentíssima Dona Joaquina Maria Xavier de Macedo e Brito, ambos já falecidos. Declarou que foi casado à face da Igreja com a Excelentíssima Dona Maria Joana da Costa Athaíde Teive, também falecida e que se conserva no estado de viúvo, tendo-lhe ficado de seu consórcio duas únicas filhas, a primogénita a Excelentíssima Maria José de Cordes Brandão e Athaíde, actualmente casada com o Excelentíssimo Manuel Luiz de Sousa; imediata a Excelentíssima Dona Maria das Dores de Cordes Brandão e Costa, que se conserva em sua companhia, no estado de solteira. Declarou que como tais as instituia por suas universais e únicas herdeiras nas duas partes dos seus bens livres que de Direito lhes devem pertencer e porque só em respeito à sua terça e prazos em vida, de livre nomeação, o mesmo direito lhes permite dispor e sobre esta e estes que vai fazer a sua disposição que não obstante a disposição que há feito da sua terça em favor da dita filha segundo génita, esta já se acha onerada com uma doação que fizera em favor de João de Saldanha da Fonseca e Serra, da Vila da Sobreira Formosa, por Escritura lavrada nas notas do Tabelião que então era na Vila do Sardoal, José dos Santos e Silva, dos bens situados no Concelho de Abrantes, denominados: A propriedade das Arribas e outras na Freguesia de Alvega, a qual foi competentemente confirmada e se preciso for a que de novo ratifica e confirma por ser feita muito de sua livre e espontânea vontade, como legado deduzido da sua terça e isto em atenção aos muitos e bons serviços que ele Donatário tem prestado à sua Casa e à amizade cordial que tem sempre mostrado à sua pessoa concorrendo para o aumento da sua casa e decoro da mesma e de sua Família. Disse mais que além disso onera mais a sua terça com a quantia de quinhentos mil réis em dinheiro para que a sua legatária faça repartir cem mil réis em dinheiro pelos pobres mais necessitados da Freguesia em que ele Testador falecer, e os quatrocentos mil réis os distribuirá pela Família e Domésticos que o têm servido e acompanham, ficando a seu arbítrio a distribuição segundo o mérito que em cada um tenha divisado e reconhecido mais, esperando da sua capacidade e discernimento que distinguirá e contemplará com vantagem a quaisquer que como bons e caridosos Enfermeiros tenham sofrido mais incómodo e exercido mais caridade com ele Testador em suas doenças, especialmente nesta em que actualmente se acha suportando quase entrevado. Declarou, finalmente, que tendo casado por Escritura de Arras com a dita sua falecida Esposa e não por carta de metade, não houve comunicação de bens e porque por seu falecimento caducou qualquer responsabilidade da sua Casa por virtude daquela Escritura, não tendo ela trazido para o Casal alguns bens nem tendo no tempo do seu falecimento outros alguns bens, além de suas jóias de bastante valor, estas se acham em mão e poder da dita sua Filha primogénita e sendo as que constam de uma relação que tem em seu poder e hão-de ser objecto da partilha materna entre as duas Irmãs, suas Filhas, em parte iguais, por ter a dita sua Mulher falecido sem testamento e suas filhas, suas legítimas herdeiras, assim como dos adquiridos na sua constância de matrimónio, se a tanto houver direito reservado na dita Escritura ante – nupcial de que ele Testador não tem lembrança, nem presente a dita Escritura, o que melhor há-de constar dela. E nesta forma houve por feito o seu público Testamento, o qual tornando depois de escrito a lê-lo o Excelentíssimo Testador perante as testemunhas, o achou como o tinha ordenado e por isso o aprovava, em que ficava por bom e por valioso e queria se cumprisse como nele se contém, por ser assim a sua última vontade. E foram testemunhas presentes a todo o acto, o Reverendo Padre Agostinho de Santa Rita, Capelão das Religiosas do Bom Sucesso, morador no pátio do Convento das mesmas Religiosas, Joaquim Pedro de Faria, moço dos arreios da Real Casa e seu filho Joaquim Maria de Faria, morador na Rua do Bom Sucesso, número quarenta e três e quarenta e quatro, António José Gomes, Reposteiro da Câmara de Sua Magestade, morador, também, na Rua do Bom Sucesso, número dezassete e Paulo Alves Ramos, criado grave, do Excelentíssimo Testador (a quem também conhecem), não poder escrever, assinou de seu mandado a primeira testemunha acima nomeada. E de tudo dou fé. E eu, António Simão de Noronha, Tabelião, o escrevi. Deste com caminho por ser feito de noite, oito mil réis. Padre Agostinho de Santa Rita – Joaquim Pedro de Faria – Joaquim Maria de Faria – António José Gomes – Paulo Alves Ramos. E eu, António Simão de Noronha, Tabelião Público de Notas, nesta Cidade de Lisboa e seu termo, por Sua Magestade Fidelíssima que Deus guarde, este instrumento fiz trasladar de minha nota a que me reporto e subscrevi, numerei, rubriquei e assinei em público. Em testemunho da verdade: António Simão de Noronha.

Diz Dona Maria das Dores de Brandão e Costa, desta Vila do Sardoal, que para apresentar aonde lhe convier, precisa que o Tabelião Pinto lhe passe de suas Notas em modo que faça fé a pública forma do Testamento com que faleceu seu Pai, o Ilustríssimo Senhor António Carlos de Cordes Brandão Macedo e Athaíde, e porque se deva passar em virtude do despacho de Vossa Senhoria, motivo porque pede a Vossa Senhoria Senhor Juiz Ordinário seja servido deferir-lhe por ser de Justiça. Espera receber mercê. Como requer – Sardoal, três de Abril de mil oitocentos e cinquenta. . De Vasconcelos.

PÚBLICA FORMA – António Joaquim Afonso Pereira Pinta, Escrivão e Tabelião, diante o Juiz Ordinário desta Vila do Sardoal, por Sua Magestade a Rainha Fidelíssima, etc. Por virtude da petição supra e em observância e cumprimento do Despacho nela lançado, revi o meu Livro de Notas número vinte e um e a folhas catorze se acha o Testamento a que a dita petição se refere e é do teor seguinte:

Saibam quantos este Instrumento de reforma e aclaração virem que no Ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e quarenta e sete anos, aos dezassete dias do mês de Outubro, nesta Quinta do Pouxão, Freguesia de São Tiago e São Mateus do Julgado de Sardoal e casa onde reside o Excelentíssimo António Carlos de Cordes Brandão Macedo e Athaíde, Fidalgo da Casa Real e Senhor de Alcaide, a cuja casa eu, Tabelião, vim chamado e aí se achava presente o mencionado Excelentíssimo António Carlos Brandão Macedo e Athaíde, doente de cama, mas em seu perfeito juízo, como fiz reconhecido e também ser o próprio, por mim e pelas testemunhas ao diante assinadas, de que dou fé. Logo perante as mesmas testemunhas foi por ele dito que havendo feito seu testamento aberto em dezoito de Abril de mil oitocentos e quarenta e quatro, na Cidade de Lisboa, nas Notas do Tabelião António Simão de Noronha, por ocorrências que depois dele tiveram lugar e para evitar dúvidas que poderia haver sobre algumas das suas disposições, tinha determinado reformá-lo e revogar todas aquelas que este possam contrariar, dispondo definitivamente, pela forma seguinte:

Em primeiro lugar disse que era Cristão Católico Apostólico Romano e como tal sempre tinha vivido e queria morrer e para o momento fatal do trânsito desta vida, invocava o Celestial auxílio para que fosse em amparo de sua alma. Disse mais que desejando conformar os actos de seu funeral com a humildade cristã que professa era sua vontade que seu enterro e honras fúnebres se fizessem sem pompa alguma. Quer, porém, que no dia do seu falecimento podendo ser, ou no imediato desimpedido se lhe faça um ofício solene e se digam missas por todos os Clérigos da sua respectiva Freguesia e que todos os mais actos pertencentes ao seu enterro e bem da alma, serão praticados com a mesma simplicidade e segundo for determinado por seus testamenteiros que abaixo vão nomeados. Disse, igualmente, que designa a quantia de quinhentos mil réis em dinheiro para serem repartidos pela forma seguinte: cem mil réis pelos pobres mais necessitados desta Freguesia e os quatrocentos mil réis restantes serão distribuídos pela família e domésticos que o têm servido e acompanhado, ficando no arbítrio de sua filha a Excelentíssima Dona Maria das Dores de Cordes Brandão e Costa, essa distribuição segundo o mérito que em cada um tenha divisado, contemplando com especialidade aqueles que como bons e carinhosos enfermeiros têm sofrido mais incómodos e tratado com mais desvelo, a ele Testador, em suas doenças e com especialidade na que actualmente está padecendo. Declarou mais, ele Testador, que é natural da Vila do Sardoal, Bispado de Castelo Branco e assistente nesta dita Quinta do Pouxão, que é filho legítimo do Excelentíssimo Carlos de Cordes Brandão Almeida e Athaíde e da Excelentíssima Dona Joaquina Maria Xavier de Macedo e Brito, ambos já falecidos. Disse mais que foi casado à face da Igreja com a Excelentíssima Dona Maria Joana da Costa Athaíde e Teive, também já falecida e hoje se conserva no estado de viúvo, havendo-lhe ficado daquele consórcio duas únicas filhas: a Excelentíssima Dona Maria José de Cordes Brandão Macedo e Athaíde, primogénita e actualmente casada com o Excelentíssimo Manuel Luís de Sousa e a Excelentíssima Dona Maria das Dores de Cordes Brandão e Costa, que se conserva na companhia dele, Testador, no estado de solteira, sendo por isso estas suas herdeiras necessárias, as institui como tais, nas duas terças partes dos bens livres e partíveis que conforme de Direito lhes deve deixar. Quando, porém, à sua terça e bens de prazo que pode livremente dispor ou nomear sua especialidade, disse que tendo em consideração o ser Administrador de importantes bens de vínculo que por sua morte passam à sua filha primogénita com exclusão da segunda, querendo de alguma forma compensar esta desigualdade e providenciar algumas ocorrências que poderão ter lugar, é sua vontade deixar à dita sua filha segunda, Dona Maria das Dores de Cordes Brandão e Costa, a terça parte de todos os seus bens livres, direito e acções, depois de satisfeitos aqueles legados especiais que conferem o direito se devem satisfazer por conta da mesma terça da mesma terça e desta sorte institui legatária da dita terça ratificando assim a Escritura que se lavrou nas Notas do Tabelião António Simão de Noronha, em dezoito de Abril de mil oitocentos e quarenta e quatro, na Cidade de Lisboa, porque a sua vontade é a de que a sua terça fique pertencendo à dita sua filha, por qualquer modo que possível seja, não só em atenção aos motivos já indicados., mas também por contemplação ao muito amor, respeito e carinho que ela sempre lhe tem sabido conservar. Igualmente declarou que nomeia na dita sua filha Dona Maria das Dores de Cordes Brandão e Costa, o seu prazo denominado o Casal de Nossa Senhora da Graça, nos subúrbios da Aldeia dos Valhascos, em cuja situação está incluída a Capela de Nossa Senhora da Graça, que foreiro hoje à Fazenda Nacional em mil trezentos e trinta e cinco réis. E declarou o Excelentíssimo Testador que o preço da compra do dito Casal foi partido por estimação no inventário por falecimento do seu Excelentíssimo Pai, comprador do mesmo Prazo e esta nomeação a faz à dita sua filha na vida que lhe compete com o direito à sua renovação. Quando, porém, por qualquer motivo que seja venha a julgar-se que aquele prazo fique alodial e livre e fazendo parte do monte partível de seu Casal, no momento da morte dele, Testador, nesse caso quer que a terça parte do seu valor fique pertencendo à dita sua Filha Dona Maria das Dores de Cordes Brandão e Costa, da mesma forma que já dispôs da terça dos seus bens. Disse mais que nomeia na dita sua filha Dona Maria das Dores de Cordes Brandão e Costa todos os mais bens de prazo de nomeação que tem ou possa vir a ter, de que lhe seja permitido fazer nomeação com declaração, porém, que se em algum tempo a sua filha primogénita Dona Maria José de Cordes Brandão, por algum acidente ou embaraço de sua casa, chegar a estado de precisão em que lhe faltem absolutamente os meios para seus alimentos, neste caso único, recomenda à dita sua filha Dona Maria das Dores de Cordes Brandão e Costa, que reparta com a dita sua irmã os rendimentos dos outros bens de prazo, excluídos os do prazo denominado de Nossa Senhora da Graça, dando-lhe metade dos ditos rendimentos, em mesadas, que somente podem ser entregues à dita sua irmã, para o fim de se alimentar, sem que possam ser penhorados, adjudicados ou aplicados para algum outro fim, pois no caso de se fazer neles penhora ou serem consignados para pagamentos de algumas dívidas da dita sua irmã ou de qualquer pessoa por conta dela, declara este Testador por desobrigada Dona Maria das Dores de os entregar ficando-lhe livre dispor deles como próprios seus. E estas mesadas pelo modo e termo declarados durarão somente enquanto viver a dita sua filha Dona Maria José de Cordes Brandão. Declarou mais, ele Testador, que por escritura lavrada nas Notas de José dos Santos e Silva que serviu de Tabelião na Vila do Sardoal, doar em favor de João de Saldanha da Fonseca e Serra, que é natural da Sobreira Formosa, a propriedade denominada das Arribas, sita no Concelho de Abrantes e outras na Freguesia de Alvega, do mesmo Concelho, a qual escritura se é preciso aqui de novo se ratifica, para valer a doação nela contida como legado deduzido da sua terça, e se alguma dúvida ocorrer sobre a sua aplicação por causa de as propriedades serem foreiras, ou qualquer outra, será preenchida essa doação, dando-lhe o donatário em dinheiro o valor equivalente às propriedades dadas. Declarou, outrossim, que tendo ele Testador casado com a Excelentíssima Dona Maria Joana da Costa Athaíde e Teive, por escritura de vinte e nove de Novembro de mil oitocentos e dezasseis, com a cláusula de que havendo filhos se entenderia haver comunicação de bens entre os cônjuges, efectivamente se verificou essa comunicação e, por isso, devendo fazer-se a partilha do Casal, conforme os bens livres e partíveis que existiam ao tempo do falecimento da dita sua mulher e com exclusão dos posteriormente adquiridos, devia ficar em advertência (se a partilha não estivesse concluída ao tempo do falecimento dele, Testador) que ao Casal partível por falecimento de sua mulher pertenciam as jóias da mesma, de considerável valor, as quais se acham em poder de sua filha primogénita Dona Maria José de Cordes e constavam de uma relação que ele Testador tem em seu poder e são bem conhecidas de seus domésticos e familiares. Declarou também ele Testador que ao Casal partível era pertencente o valor da benfeitorias extraordinárias que se fizeram nos Vínculos da Casa w com especialidade nesta Quinta do Pouxão. Finalmente disse, ele Testador, que para o cumprimento das disposições que deixa ordenado na parte que por direito seja competente, nomeou para seus testamenteiros, o seu Primo, o Excelentíssimo Cónego Francisco Manuel de Moura Mendonça e em segundo lugar o Reverendo Padre José Maria de Sena dos Santos, ambos da Vila do Sardoal e a um e a outro rogava a graça de lhe aceitar esta nomeação a que confia da amizade e dedicação que sempre lhes conheceu e em remuneração aquele que fizer cumprir o Testamento se dará a quantia de cem mil réis, por uma só vez. E desta forma disse ele, Testador, que havia por feito e concluído este seu público Testamento e por ele revogava o que havia feito nas Notas do Tabelião António Simão de Noronha retro referido, em tudo quanto a este for contrário. E eu, Tabelião, depois de escrito este Testamento o tornei a ler a ele, Excelentíssimo Testador, perante as testemunhas e o achou como tinha ordenado e por isso o aprovava e ratificava por bom, firme e valioso e queria se cumprisse como nele se contém, por ser assim a sua última vontade. E foram testemunhas presentes de todo o acto, Francisco Ferreira de Figueiredo, Emídio António Mora, ambos da Vila do Sardoal, Luís Pires Coelho e João Lopes Simples, da aldeia dos Valhascos, julgado do Sardoal e o Reverendo Padre António dos Santos, assistente em Entrevinhas, do mesmo julgado e este assina a rogo do Excelentíssimo Testador, por seu pedido, em consequência da notória incapacidade em que se acha de poder assinar procedida da sua constante moléstia de gota e de cuja impossibilidade eu, Tabelião, dou fé, bem como das testemunhas serem as próprias, de mim bem conhecidas, as quais aqui também assinam. António Joaquim Afonso Pereira Pinto, Tabelião, que o escrevi e assinei em público. Em testemunho da verdade. Lugar do sinal público. O Tabelião António Joaquim Afonso Pereira Pinto, Francisco Ferreira de Figueiredo, Emídio António Mora. A rogo do Excelentíssimo Testador por não poder escrever e me rogar para este fim e como testemunha, o Padre António dos Santos, Luís Pires Coelho, João Lopes Simples. E nada mais continha o dito testamento com que faleceu o Excelentíssimo António Carlos de Cordes Macedo e Athaíde, do que aqui fica copiado e fiz extrair do meu Livro de Notas, aos cinco dias do mês de Abril do Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e cinquenta anos e vai por mim conferido e consertado e com outro Tabelião, achando-se que a folhas três,, regra dezoito, onde se lê na dita se deve ler na mesma e que a folhas quatro, regra treze, onde se lê, se acham, se deve ler, se achavam e no mais vai conforme salvo algum digo que se fez para maior clareza da verdade. E de tudo dou fé e ao próprio livro me reporto e esta numerei e rubriquei. António Joaquim Afonso Pereira Pinto, Tabelião, que o subscrevi e assinei em público. Em testemunho da verdade. O Tabelião: António Joaquim Afonso Pereira Pinto. Rubriquei. O Tabelião: João Ribeiro.

E não continha mais o dito traslado do testamento com o qual conferi este registo. Administração do Concelho , 18 de Setembro de 1850. E eu, Miguel Serrão Burguete, Escrivão da Administração que o escrevi e assinei. Miguel Serrão Burguete.

REGISTO DO TESTAMENTO COM QUE FALECEU DONA MARIA JOSÉ DE CORDES BRANDÃO, DO POUXÃO:

Em nome de Deus, Amén. Saibam quantos este Instrumento de Testamento de Mão comum aberto na Nota e disposição de últimas vontades virem, que no Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e cinquenta e seis, aos trinta dias do mês de Setembro, nesta Cidade de Lisboa, Largo da Anunciada, número duzentos e quatro, freguesia de São José, em que residem actualmente os Ilustríssimos e Excelentíssimos Dom Manuel Luís de Sousa e sua Consorte Dona Maria José Cordes Brandão, ali se achavam os mesmos presentes que dou minha fé serem os próprios, bem como de se acharem de saúde, em seu perfeito juízo e entendimento, segundo o meu parecer e das testemunhas no fim assinadas, em presença das quais por Sua Excelência me foi dito que temendo a morte e os incertos fins da vida, haviam determinado fazer seu Testamento de mão comum, aberto nesta minha Nota e me pediram lho lançasse para ter o seu devido efeito, na forma seguinte: Declararam ambos os Excelentíssimos Testadores serem Católicos Apostólicos Romanos, que crêem em tudo o que ensina a Santa Madre Igreja, em cuja Fé Têm vivido e esperam morrer e salvar-se como fiéis Cristãos. Declararam mais ser ele, Excelentíssimo Testador filho legítimo dos Excelentíssimos Marquês e Marquesa de Borba, ambos falecidos, baptizados nesta Cidade, na freguesia do Coração de Jesus e ser legitimamente casado na forma que manda a Santa Madre Igreja e Constituições do Patriarcado, com a Excelentíssima Dona Maria José de Cordes Brandão, filha legítima do Excelentíssimo António Carlos de Cordes Brandão e sua Esposa Dona Maria Joana da Costa, também já falecidos, baptizada na Ermida do seu Palácio do Pouxão, Concelho de Abrantes,distrito da Freguesia de São Tiago e São Mateus da Vila do Sardoal, de cujo matrimónio ao presente não têm filhos. Declararam mais que sendo o seu casamento por escritura pública feita na Nota do Tabelião que foi nesta Cidade, Fernando António Vermuelle, como tudo se entende por Carta de Metade segundo a Lei do Reino, no que diz respeito a bens livres, direitos e acções, porque os vinculados seguem a sucessão da sua instituição e por isso não tendo herdeiros necessários, descendentes ou ascendentes, que de Direito devam herdar seus bens, podem livremente deles dispor pela faculdade que a Lei lhes confere e fazem como se segue: Disseram que mutuamente se instituem, um ao outro por único e universal herdeiro de todos os seus bens livres, direitos e acções presentes e futuros que a cada um delles Excelentíssimos Testadores possa competir, sejam de que natureza forem e a que possam ter direito, isto em sinal de gratidão pela recíproca amizade conjugal que se consagram e em que sempre têm convivido desde a sua união e da mesma forma se nomeiam por Testamenteiros deixando à disposição do que sobreviver, o funeral e sufrágio da alma do que primeiro se finar. Disseram que desta forma têm concluído o seu Testamento de mão comum e disposição de última vontade, que hão por bom, firme e valioso e como tal o aprovam e querem se cumpra como nele se contém e por ele revogam e anulam qualquer outro que anteriormente hajam feito e só o presente terá toda a validade em juízo e fora dele, como seu firme e valioso testamento, cédula ou codecilho, o qual em Direito mais firme seja e rogam a todas as Justiças de Sua Magestade assim o façam cumprir e guardar e eu, Tabelião, aprovo e hei por aprovado, tanto quanto devo e posso e por Lei me é permitido, sendo a tudo testemunhas presente, chamadas e rogadas por parte dos Excelentíssimos Testadores, que igualmente os conhecem pelos próprios , etc.

REGISTO DO TESTAMENTO COM QUE FALECEU DONA JOANA RITA XAVIER DE BOURBON, SOLTEIRA, DESTA VILA DO SARDOAL:

Em nome da Santíssima Trindade: Padre, Filho e Espírito Santo, três pessoas distintas e um só Deus verdadeiro. Eu, D. Joana Rita Xavier de Bourbon, solteira, maior, de cinquenta anos, natural e moradora nesta Vila do Sardoal, Distrito Administrativo de Santarém e Bispado de Castelo Branco, andando adoentada, mas de pé e em meu perfeito juízo e entendimento natural que Deus Nosso Senhor foi servido dar-me, temendo a morte certa e hora incerta, sem constrangimento algum, antes sim de muito minha livre vontade faço este meu Testamento, pela maneira seguinte: Primeiramente encomendo a minha alma ao Eterno Pai e lhe suplico pelos merecimentos infinitos de seu Unigénito Filho Jesus Cristo, Nosso Senhor, que a faça herdeira da glória para que foi criada e a este fim imploro o eficaz Patrocínio da sempre Virgem Maria, Nossa Senhora e a intercessão dos Anjos, dos Santos e Santas da Corte dos Céus, especialmente os da minha particular devoção. Creio firmemente em tudo quanto crê e ensina a Santa Madre Igreja Católica Romana, e nesta fé tenho sempre vivido e protesto morrer. Deixo à disposição dos meus herdeiros o meu funeral, mas declaro ser minha vontade que o meu corpo seja sepultado no jazigo próprio da minha família, na Igreja do extinto Convento desta Vila, podendo ser; aliás, o será no Cemitério da Igreja Matriz desta minha Freguesia. Item quero que se cante um Ofício Solene de corpo presente, por minha alma, com a assistência de todos os Reverendos Eclesiásticos desta mesma freguesia e no caso de não poder ter lugar, se cantará no primeiro dia desimpedido. Item quero que no dia do meu falecimento e dois seguintes os Reverendos Sacerdotes desta mesma Freguesia celebrem Missas pela minha alma, de esmola de quatrocentos e oitenta réis e que o mesmo se pratique no dia trinta e primeiro aniversário, em cada um dos quais se cantará também um Ofício Solene, em todos os mencionados Ofícios se distribuirão pelos Reverendos Eclesiásticos velas de meio arrátel. Item quero que por minha alma e encargos se os tiver, se digam quinhentas Missas, pelas almas de meus pais, cem, pelas de meus Irmãos: Luís – Pedro – José – Silvério e Manuel, trinta por cada um; ao Santíssimo Sacramento, seis; a Nossa Senhora do Monte do Carmo, seis; ao Anjo da minha guarda, duas; a Santa Joana, duas; a Santa Rita, duas; ao Apóstolo S. Pedro – São Joaquim – Santa Ana – São João Baptista – São José – São Tiago Maior – São Mateus – São Bartolomeu – São Brás – São Francisco de Sales – São Bento – São Domingos – São Sebastião – São Francisco Xavier – São Roque – São Manuel – São Luiz Gonzaga – Santo António – Santo Emídio – Santo André Avelono – Santa Bárbara – e Santa Apolónia, a cada um, uma Missa; pelas almas do Purgatório, seis e por uma intenção particular, três. E todas as referidas Missas serão da esmola do costume neste Bispado e celebradas por Sacerdotes deste Bispado e preferidos os desta Freguesia. Item deixo à Fábrica da Igreja desta minha Freguesia cem mil réis. Item deixo para se repartir em esmolas aos pobres desta mesma Freguesia seiscentos mil réis, sendo metade desta quantia para assistir viúvas e órfãos reconhecidamente necessitados e a outra metade para esmolas em dinheiro, sendo contempladas com preferência pessoas recolhidas de justificada pobreza. Item deixo em legado por uma só vez a minhas Irmãs D. Ana, D. Joaquina, D. Maria e D. Rita, Religiosas no Real Mosteiro do Lorvão duzentos e quarenta mil réis, para serem repartidos por todas quatro e sendo falecida alguma delas, o serão pelas que existirem. Item deixo a minha Prima D. Joana Rita da Silva Fonseca, por uma só vez, cem mil réis e um colar e pente de pedras. Item deixo a minha Prima D. Luísa Henriqueta de Oliveira Almeida Coelho, o meu relógio de ouro, o que tiver maior peso e duzentos mil réis, por uma só vez. Item deixo à Exmª D. Maria Joana de Saldanha Oliveira Daun, da cidade de Lisboa, os meus brincos de brilhantes. Item deixo à Exmª D. Maria Lúcia Paes de Mendonça, residente na cidade de Portalegre os meus óculos de ouro e um alfinete de brilhantes e a sua filha a Exmª D. Brites Constança de Almeida e Castro, umas pulseiras que têm fechos com brilhantes. Item deixo à Exmª Maria José Caldeira de Mendanha, de Alvega, um fio de pérolas e uma anel que tem quatro brilhantes. Item deixo a Maria Angélica, viúva de Valentim José dos Santos, desta Vila, uma salva pequena de prata e a sua filha Ana Angélica um cordão de ouro. Item deixo ao Reverendo Pedro Maria Pereira, residente em Abrantes, quarenta e oito mil réis e a sua mãe Maria do Amparo, um cordão de ouro e a sua irmã Jacinta Maria, uma escrivaninha de prata e à outra sua irmã Luísa Fortuna, uns castiçais de prata que têm a minha firma. Item deixo ao actual Capelão da Capela de Nossa Senhora do Carmo, o Reverendo José Maria de Sena Santos, quarenta e oito mil réis e se não existir ao tempo da meu falecimento, deixo metade do dito legado ao Reverendo Capelão que então for. Item deixo à minha criada que o for no tempo do meu falecimento, sessenta mil réis e recomendo ao herdeiro de meus bens móveis que a contemple com alguma roupa do meu uso. Item deixo a cada uma das criadas que estiverem nesta casa ao tempo do meu falecimento quatro mil e oitocentos réis. Item deixo a António Francisco Fontão, quinteiro da Quinta de Arcez e a José Cristóvão, quinteiro da Quinta das Sentieiras, sete mil e quinhentos réis, a cada um. Item deixo a António dos Santos Pequeno, a José Ferreira, a Manuel Marques e a Francisco Martins Carvalho, todos criados desta casa, a cada um quatro mil e oitocentos réis. Item deixo a cada um dos mais criados que servirem esta mesma casa ao tempo do meu falecimento, dois mil e quatrocentos réis e a mesma quantia de dois mil e quatrocentos réis, deixo a cada uma das criadas das minhas Irmãs, em Lorvão e dos criados que estiverem ao serviço dos meus Irmãos, em Lisboa, porém às cridas dos mesmos Ana Vitória e Maria Rita, deixo a cada uma quatro mil e oitocentos réis. Item deixo a José Alves dos Santos e à irmã Gertrudes Magra, quatro mil e oitocentos réis. Item deixo às minhas comadres Maria dos Prazeres, casada com Vitorino Rodrigues Pimenta e Joana da Conceição, casada com António dos Santos Pequeno, quatro mil e oitocentos réis a cada uma. Item deixo a Bernardino Mendes Castelo e a sua mulher Teodora Maria da Conceição, desta Vila, quarenta e oito mil réis. Item deixo a Francisco dos Reis da Cruz, da vila de Abrantes, vinte e quatro mil réis. Item deixo a Joaquim Procópio Canhão, da vila de Campo Maior, vinte e quatro mil réis. Item deixo a Maria de São José, residente no Convento da Graça, na vila de Abrantes, quatro mil e oitocentos réis. Item deixo a Clara Maria, casada com Manuel Marques, quatro mil e oitocentos réis. Item deixo a Alexandre José Brasil, viúvo, residente em Lisboa, quatro mil e oitocentos réis. Item deixo a cada um de meus afilhados de baptismo que existirem ao tempo do meu falecimento, quatro mil e oitocentos réis. Declaro que não tenho herdeiros necessários, ascendentes ou descendentes e por isso me é livre dispor de todos os meus bens e é minha vontade que de todos os de raiz sejam herdeiros usufrutuários os meus três Irmãos Bento de Moura, Joaquim Manuel e Francisco Manuel de Moura e Mendonça, com a obrigação de darem anualmente pelo rendimento deles quarenta mil réis de terça a cada uma de nossas Irmãs já atrás nomeadas e enquanto vivas forem, visto terem-lhes faltado do Mosteiro os recursos precisos para a sua sustentação e tendo em atenção as lamentáveis circunstâncias a que se acha reduzido o mesmo Mosteiro, deixo em legado, por uma só vez, duzentos e quarenta mil réis, para serem repartidos pelas mais religiosas dele. Item quero que os referidas quarenta mil réis que deixo anualmente a cada uma de minhas Irmãs, acresçam das que forem falecendo para as que sobreviverem, vindo a última delas a receber toda a importância das quatro terças. Item quero que por morte do último dos ditos meus três Irmãos a quem instituo e deixo herdeiros usufrutuários de todos os meus bens de rais, o Reverendo Gregório Pereira Tavares, actual Vigário desta freguesia e na sua falta os seus herdeiros com a obrigação de dar a José Alves dos Santos um prédio rústico no valor de duzentos e quarenta mil réis que lhe deixo em legado e bem assim de entregar à Mesa da Santa Casa da Misericórdia desta Vila dentro de um ano, depois que estiver de posse dos meus bens de raiz, a quantia de dois contos de réis em dinheiro de metal que deixo em legado à mesma Santa Casa para serem dados a juro (tendo preferência o dito Reverendo Padre Gregório Pereira Tavares e seus herdeiros, se isto lhes convier) e o seu produto será aplicado a benefício dos pobres. Acontecendo, porém, que ao tempo do falecimento do último dos sobreditos meus irmãos, vivam ainda todas ou algumas de minhas Irmãs, fica igualmente obrigado o dito Reverendo Gregório Pereira Tavares e seus herdeiros a satisfazer-lhes anualmente as mencionadas terças na importância de cento e sessenta mil réis e só por morte da última se parará esta obrigação e terá lugar a outra de entregar à Corporação da Santa Casa da Misericórdia, no prazo de um ano os dois contos de réis acima mencionados. Item instituo, nomeio e deixo herdeiros de todos os meus bens móveis e semoventes, direitos e acções ao mesmo Reverendo Gregório Pereira Tavares e na sua falta a seus herdeiros com a obrigação de entregar ao meu testamenteiro, cuja nomeação reservo para último lugar, todos os legados que deixo determinados e o dinheiro preciso para o inteiro cumprimento deste Testamento dentro de um ano. Nomeio, deixo e peço a meu Irmão Francisco Manuel de Moura e Mendonça queira ser meu testamenteiro e na sua falta o sobredito Reverendo Gregório Pereira Tavares, confiando de um e de outro o pontual cumprimento desta minha última vontade. E Por este modo dou por findo este meu testamento, escrito e assinado por mim e se não valer como tal quero que valha como cédula, codecilho ou como em direito melhor possa valer. E rogo às Justiças de Sua Magestade Fidelíssima o façam cumprir na forma que nele vai declarada a minha última vontade. Sardoal, vinte de Março de mil oitocentos e quarenta e três. Dona Joana Rita Xavier de Bourbon.

AUTO DE APROVAÇÃO: Saibam quantos este instrumento virem que sendo no ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e quarenta e três, aos vinte de Março do dito ano, nesta Vila do Sardoal e casas de morada da Excelentíssima Dona Joana Rita Xavier de Bourbon, solteira, aonde eu Tabelião vim chamado por parte da mesma Excelentíssima Senhora, sendo aí presente a mesma Excelentíssima Senhora, adoentada mas de pé e em seu perfeito juízo, do que dou minha fé, bem como de ser a dita Excelentíssima Dona Joana Rita Xavier de Bourbon, a própria, por ser de mim, Tabelião, bem conhecida, e sendo também presentes as testemunhas no fim assinadas, perante elas a Excelentíssima Dona Joana Rita Xavier de Bourbon, me entregou este papel, que consta de duas folhas cosidas uma à outra e que contém três páginas e meia escritas do próprio punho da mesma Excelentíssima Dona Joana Rita Xavier de Bourbon, que disse ser seu testamento escrito e assinado pelo seu próprio punho, o qual eu, Tabelião, tomei da sua mão, vi e não li e achei não ter borrão, rasura, entre linha ou coisa que dúvida faça e a ela Excelentíssima Testadora lhe perguntei se este é o seu Testamento e se o há por firme, valioso e bom, ao que respondeu, que sem dúvida é este o seu testamento, que há por bom, firme e valioso e como tal quer que valha, ou como cédula ou codecilho, ou como em direito melhor lugar tiver e por isso pede às Justiças de Sua Magestade Fidelíssima lho façam cumprir tão inteiro e fielmente como nele se contém e a mi, Tabelião, este Instrumento de aprovação para validade, o qual eu comecei na quarta página destas duas folhas, imediatamente depois da assinatura da Excelentíssima Testadora. Foram a tudo testemunhas presentes o Reverendo Padre João António Farinha, Francisco Pereira de Matos, Pedro António Mendes, todos desta Vila, que assinaram depois de lido. António Joaquim Afonso Pereira Pinto, Tabelião, o escrevi em público. Lugar do Sinal Público. Em testemunho da verdade. O Tabelião: António Joaquim Afonso Pereira Pinto – D. Joana Rita Xavier de Bourbon – O Padre João António Farinha – Francisco Pereira de Matos – Pedro António Mendes – António Dias Henriques – José Brás da Silva.

ABERTURA: Aos vinte e cinco dias do mês de Setembro do presente ano, por José Alves dos Santos me foi apresentado o Testamento supra da Excelentíssima Dona Joana Rita Xavier de Bourbon, o qual abri e li e não achei borrão, entrelinha ou coisa que dúvida faça, cuja abertura fiz pelas nove horas do dia, pouco mais ou menos, e recomendo ao apresentante do dito testamento o faça registar no prazo da Lei. Sardoal, vinte e cinco de Setembro de mil oitocentos e quarenta e seis. O Regedor da Paróquia de São Tiago e São Mateus: José Brás da Silva – José Alves dos Santos. Recebi do selo deste testamento a quantia de mil e duzentos réis. Recebedoria do Sardoal, vinte e oito de Setembro de mil oitocentos e quarenta e seis. O Recebedor do Concelho – Pina.

E não continha mais o referido Testamento do que o fielmente copiado e ao próprio me reporto, com o qual conferi este Registo. Administração do Concelho do Sardoal, 7 de Outubro de 1846. Francisco Xavier de Almeida Pimenta, Escrivão da Administração do Concelho, o escrevi e assinei.

Inventário da azulejaria sardoalense

João Miguel dos Santos Simões (1907-1972) foi um historiador de arte, especialista na área do azulejo. Como parte da Brigada de Estudos de Azulejaria da Fundação Calouste Gulbenkian, trabalhou num Inventário da Azulejaria portuguesa, onde a azulejaria sardoalense também foi sumariamente incluída.

A ficha da Igreja Matriz de S. Tiago e S. Mateus está datada de 1957, que pode ser por isso o ano de todos os textos e fotografias que são de seguida apresentados, com a devida vénia ao fundo da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian.

Inventário da Azulejaria 

Igreja Matriz de S. Tiago e S. Mateus

Na Capela Mor, as paredes laterais incluindo o interior do arco triunfal estão cobertas de azulejos, numa altura de 15 para o lambril e 24 dos painéis historiados.
Na parte inferior, lambril, entre as portas laterais, 2 painéis com ermitões e peregrinos de S. Tiago, figuração contida por cercadura. Acima os grandes painéis historiados, sendo o do lado do ev. da aparição de N.ª S.ª do Pilar a S. Tiago e o da ep. S. Tiago a cavalo combatendo os mouros. É notável o desenho e a cor, de belo azul, assim como o emolduramento.
Os vãos das janelas laterais são também formados de azulejo azul, com figuras femininas com cestos de frutas. Sob as janelas, painéis historiados de cenas pastoris. Na parte inferior do painel do lado da ep. lê-se a data 1703 esgrafitada no azulejo. No livro das Visitações da Igreja (que se guarda na sacristia), vejo, a fls. 163, que em 1702 andavam grandes obras na capela mor a ponto de não se dizer ali missa. Eram as obras do retábulo e dos azulejos, instalados simultaneamente e por essa ocasião.
Uma das portas está espelhada no lado fronteiro em azulejo, cercadura esponjada manganês, centro verde sujo.
Os painéis da capela mor são, no entanto, notabilíssimos e não consigo enquadrá-los nos tipos historiados dessa data. Em certos aspectos (tratamento das mãos e doçura das expressões) cheguei a pensar que se tratasse de trabalho dos O. Bernardes, mas há notáveis diferenças com os azulejos que foram de Frielas e que são o termo de comparação para trabalhos tão atrasados. Também encontrei semelhanças com as cercaduras da capela lateral do Convento do Espinheiro (Évora). Por outro lado, a cercadura de folhagem muito recortada e torcida, que se vê no arco, trazem-me à memória ornatos semelhantes que acompanham os trabalhos de Baco, na igreja de S. Tiago, de Évora e na antiga Misericórdia de Portalegre.
É este cronograma que perturba o raciocínio, porquanto é difícil ajustá-la a tipo de azulejo onde foi esculpida. Digo difícil, mas não impossível. De facto, a decoração azulejar dos vãos das janelas poder-se-iam atribuir à mão de Gabriel del Barco o que está certo com a data. No entanto os painéis sob estas janelas parecem ser mais avançados de alguns anos – 1710? – com a sua barra de folhagens e centros de cartelas. As paredes laterais, incluindo o envolvimento das janelas e das portas são, por sua vez, de azulejos de outra mão o até agora conhecido pintos das capela mores franciscanas de Ponta Delgada e do Faial – de estilo inconfundível e que não está muito longe do PMP.

Matriz: Aparição de Nossa Senhora do Pilar a São Tiago
Matriz: São Tiago a cavalo combatendo os mouros

Igreja de Santa Maria da Caridade

Na igreja propriamente dita há um pequeno revestimento de azulejo, do lado do evangelho, junto ao altar colateral. Reveste um dos três lindos retábulos. Este, datado de 1670 é notabilíssimo, com suas 4 pinturas em cobre na parte inferior e mais 3 na parte superior.
O azulejo é de pintura azul, com 10 de alto, de anjinhos e emolduramento concheado, enquadrando um nicho, provavelmente de um antigo comungatório.
À entrada da igreja, sob a galilé, está à direita a capela do Senhor dos Passos com silhar azulejado, recortado, azul, em painéis com passos da Paixão e anjinhos portadores de instrumentos de martírio.

Capela de N.ª S.ª dos Remédios

Junto à igreja de Sta Maria, na parte exterior, está a pequena capela que é forrada interiormente de um silhar recortado de azulejo azul do meado do séc. XVIII, mais vulgar. Figuração de passos da Vida de Cristo.

Igreja da Misericórdia

 Na igreja há a distinguir o revestimento do corpo em alto silhar de vasos e anjinhos, certamente dos meados do séc. XVIII e, na capela mor, revestimento parietal historiado, a azul e roxo (muito interessante e que se me afigura bastante recente, talvez de 1770). É notável o grande painel representando o lava pés. Também de notar uma porta fingida fazendo espelho à da sacristia (conviria ver o arquivo da Misericórdia a ver se se encontrava a data destes azulejos, pois são de um tipo que não sei classificar com absoluta segurança).

Misericórdia: Lava-Pés

Outras referências

O historiador de arte José Meco, em “O Pintor de Azulejos Manuel dos Santos – Definição e análise da Obra”, 1980, atribui a Manuel Santos a autoria dos azulejos da Matriz, e aponta esse trabalho como sendo o seu primeiro conhecido, em colaboração com o pintor Gabriel del Barco, por seu turno uma das últimas obras deste mestre. Nesse livro, na entrada dedicada à Igreja Paroquial de Santiago e São Mateus do Sardoal, consta o seguinte:


É a vários títulos notável esta igreja, de estrutura gótica mendicante de três naves, para além dos magníficos painéis primitivos do chamado Mestre do Sardoal que tanto a celebrizam. A capela-mor, nomeadamente, encerra um conjunto barroco de talha dourada excepcional (lamentando-se que esteja bastante danificada) e um revestimento de azulejaria que não tem merecido a atenção equivalente à sua importância.
Estes azulejos foram várias vezes atribuídos por Santos Simões ao misterioso Mestre Desconhecido do começo do século XVIII. Uma dessas referências (Santos Simões, Carreaux céramiques hollandais au Portugal et en Espagne, p. 96) ajuda a compreender a posição de Simões:

“Embora na maioria das grandes composições conhecidas, de 1700 a 1715, sejam identificáveis os autores, algumas há ainda de que não se conhece a paternidade, apesar da qualidade artística ser reconhecida como de primeira categoria. Este é o caso, por exemplo, dos belos painéis que guarnecem as paredes da capela-mor da Igreja Paroquial do Sardoal, próximo de Abrantes, cujo desenho de uma perfeição extrema não pode ser atribuído a qualquer dos artistas que conhecemos (Nota de Santos Simões: Encontra-se a data de 1703 gravada num azulejo do envasamento do lado da Epístola. Ignoro a que se refere este cronograma porque não tenho dúvidas de que o azulejo no qual se inscreve é mais recente. A azulejaria da capela-mor da Igreja do Sardoal, compreendodo os dois grandes painéis, não parece poder ser anterior a 1715). Não se trata de modo nenhum de azulejos fabricados na Holanda, manifestam pelo contrário todas as características e técnicas dos produtos lisboetas: dimensões (142 mm), pasta amarelada, esmalte espesso, superfície empenada, etc.“

Embora a autenticidade da data de 1703 possa ser posta em causa, não deverá contudo afastar-se demasiado da época em que foram pintados estes painéis, indubitavelmente por Manuel dos Santos (como Robert Smith provara), e que apresentam alguma incipiência técnica em relação aos painéis já consumados de 1706, em Estremoz.
Um facto passou despercebido a Santos Simões: a participação neste conjunto do pintor Gabriel del Barco, falecido na primeira década do século XVIII, não depois de 1708, como Simões supunha (Santos Simões, entrada «Barco, Gabriel del», in Dicionário da Pintura Portuguesa, III vol. Do Dicionário da Pintura Universal, Estúdios Cor, Lisboa), mas certamente antes de 1707 (José Meco, «O Pintor de Azulejos Gabriel del Barco (conclusão)», in História e Sociedade, n.º 7, 1980). Deve-se a Barco o forro da parede do arco triunfal com um pequeno padrão envolvido por uma barra de caracóis densos, com carrancas coroadas e grotescas nos ângulos da base, iguais às que utilizou em 1699-1700 na Igreja de Santiago de Évora (as carrancas encontram-se na frente do coro), ou a envolver uma albarrada igualmente de Barco, pertencente ao Museu do Azulejo.
As paredes laterais da capela-mor estão integralmente revestidas de composições historiadas dispostas em dois andares, as inferiores menores e entre portas, as superiores mais dilatadas. Ao fundo da capela-mor encontra-se uma janela em cada parede (a da esquerda transformada em altar), sobre pequenos painéis. Inconfundivelmente de Barco são os revestimentos da parte interna das janelas (figuras de convite com cestos floridos à cabeça, nos lados, grinaldas floridas pendentes de argolas na parte superior) e as cercaduras dos painéis sob as janelas (José Meco, «O Pintor de Azulejos Gabriel del Barco»). De Manuel dos Santos são as partes figuradas destes dois painéis menores (reconhecem-se neles paisagens muito características, embora estejam em grande parte entaipados por volumosas consolas), a decoração envolvente das janelas e da parte posterior do arco triunfal, para além dos painéis principais: os inferiores com catorze azulejos na altura, apresentam paisagens e figuras de peregrinos na distância; nos superiores, com vinte e quatro azulejos na altura, vêem-se Santiago a Combater os Mouros e a Aparição da Virgem a Santiago.

Igreja Paroquial. Azulejos da capela-mor

Estes painéis são reveladores do estilo de Manuel dos Santos: definição plástica e anatómica cuidada das figuras, representação excelente do espaço com utilização correcta da perspectiva e da inserção e agrupamento das personagens, a sugestão da distância através de paisagens dilatadas e do esfumado.
Correctas e muito expressivas as figuras nas suas dimensões avantajadas, é perceptível nelas que Manuel dos Santos se sentia mais à vontade, nesta fase pouco adiantada da carreira, nos pequenos apontamentos muito desenhados do que na utilização da pincelada larga e densa, definidora de valores volumétricos. Miniaturista nos contornos finos e expressivos ou nos pequenos apontamentos sensíveis, têm grande delicadeza a representação das árvores, as indefinições dos fundos longínquos, as figuras perdendo-se na distância.
Anormais pelo seu barroquismo são, no período, as largas barras envolventes, que só em obras posteriores de Santos como nos painéis do Convento de Sant’Ana de Lisboa voltaram a atingir a mesma pujança, iludindo talvez Santos Simões que pensou não serem estas composições anteriores a 1715. As dos painéis inferiores, com três azulejos de largura e recortadas internamente (facto quase inédito no começo do século) apresentam dos lados atlantes coroados de louros, assentes em flores e enrolamentos de folhagem (que suportam igualmente), densos e retorcidos, formando uma massa plástica já independente dos ornatos de tectos que tanto marcaram a produção da geração anterior. É nestes envolvimentos que o contorno se apresenta ainda muito grosso e pouco maleável, sem a elasticidade espantosa que teve em obras futuras, embora na sua extroversão espacial preparem os elementos que envolvem a parte inferior de alguns retratos régios, na portaria de São Vicente de Fora.
A cercadura dos painéis superiores, com quatro azulejos de largura, é bastante mais rica e exuberante pela introdução de variadas figurações e a caracterização dinâmica dos elementos. A barra inferior é especialmente cuidada e inventiva: centrada por uma vieira e uma máscara ladeadas por duas excelentes figuras híbridas e ligadas por grinaldas de frutos a duas outras figuras mitológicas de velhos sentados sobre volutas de folhagem, excepcionais pelo tratamento anatómico e grande qualidade plástica, reutilizados de maneira simplificada em figurações envolventes de painéis profanos. Os velhos aparecem em algumas das fontes barrocas que Manuel dos Santos usou com frequência em conjuntos sacros, como na Capela do Arcebispo de Estremoz. A barra superior, com uma cartela central desadornada ladeada por meninos, grinaldas, volutas e figuras híbridas, é menos fantástica mas igualmente espectacular. As laterais apresentam mísulas, semelhantes às que Barco usou nas janelas, com grinalda de frutos pendentes. Sobre estas, pares de anjos abraçados a uma máscara coberta por uma concha estão encimados por cariátides de perfil, que suportam elementos arquitectónicos. Tanto as cariátides como os atlantes dos painéis inferiores sugerem a influência de figuras que Barco utilizou com a mesma função nos painéis que pintou em 1697 para o Palácio dos Condes da Ponte, em Lisboa. São ainda de salientar, pela sua beleza, os dois pares de figuras femininas, sentadas teatralmente em volutas de folhagem bastante barrocas, sobre as janelas da capela-mor. De extraordinário virtuosismo na composição e no barroquismo exuberante, alguns dos ornatos destas cercaduras foram utilizados de maneira mais livre e espacial nos painéis do Convento de Sant’Ana de Lisboa.

Igreja Paroquial. Painel da Aparição da Virgem a Santiago, na capela-mor

Deixamos também aqui dois outros textos com referências aos azulejos da Igreja Matriz do Sardoal:

Os azulejos formam, juntamente com a talha de madeira, a contribuição mais original da arte portuguesa para o barroco e o rococó. Foram usados com tal profusão que nenhum país do mundo os ostenta em tanta quantidade, em igrejas, capelas, mosteiros, palácios e casas de habitação, em jardins, tanques e fontes. A sua resistência invulgar permite conhecê-los tais como foram postos, se o homem, por negligência ou vandalismo, não causar a sua destruição.
Nos fins do século XVII, com as exigências da decoração dos muitos edifícios que então se construíram, o azulejo toma um desenvolvimento espantoso. O tipo policromo tradicional é substituído, por influência da porcelana chinesa, pelos tipos de ornatos de cor azul de cobalto, sobre fundo branco. Aos livros ilustrados, às estampas e às gravuras avulsas vão os desenhadores buscar elementos que substituem as ornamentações inspiradas pelas tapeçarias orientais (paramentos de tapetes) e arabescos do Renascimento. Os azulejos holandeses, com painéis figurados de variadíssimas cenas (reflexo da pintura mural e da tapeçaria barroca), serviram de modelos para uma fabricação que vai atingir números inconcebíveis nos três grandes centros de Lisboa, Porto e Coimbra.
Os painéis figurados, de cabeceiras lisas ou recortadas, eram destinados a locais determinados das igrejas e palácios, por medida, por assim dizer. Mas ao lado destes há uma produção em série, mais modesta, de azulejos «ornamentais» que permitem grande número de combinações. Deles há dois tipos principais: os de figura avulsa (cada azulejo contém um motivo independente: flores, aves ou outros animais, figuras humanas, barcos, máscaras, etc.) e o dos pequenos painéis com vasos floridos, enquadrados por figuras de sereias, de anjinhos, de golfinhos, ou volutas, usados para formar silhares limitados por cercaduras ou barras de folhas contorcidas.
Também se fabricavam pequenos painéis com crucifixos marcando passos de via-sacra e registos, assinalando devoções populares a vários santos (Santo António, S. Marçal, etc.).
A azulejaria portuguesa do século XVIII foi dividida em quatro períodos  pelo Eng.º Santos Simões. O primeiro período (1700-1725), designado também por ciclo artesanal, é a época dos mestres. É a época áurea, correspondente ao trabalho de Oliveira Bernardes e seus discípulos ou colaboradores: a emulação suscitada pela concorrência holandesa despertara uma grande preocupação de qualidade artística ( Capela de Santo António de Lagos, Nossa Senhora do Terço, em Barcelos, Capela-mor da Matriz do Sardoal, etc.). (…)

J. A. Ferreira de Almeida, O barroco e o rococó em Portugal e no Brasil.
História da Arte, Edições Alfa – 8º Volume

Os começos do século XVIII representam para o azulejo português a emergência das grandes personalidades criadoras, centradas em Lisboa, cidade com uma certa tradição e cultura de pintura. De certo modo, a individualização é também o reconhecimento da importância e da erudição que o azulejo foi entretanto assumindo.
O nome que emerge desde logo é o de Gabriel del Barco, nascido em Siguenza em 1649 e provavelmente falecido em Lisboa cerca de 1703. Terá chegado a Portugal em 1669 e aqui encetou a sua aprendizagem artística com o pintor Marcos da Cruz ( ? -1683), artista que exerceu alguma influência sobre os pintores que depois se dedicaram ao azulejo. Félix da Costa, contemporâneo de Marcos da Cruz, não tinha grande opinião sobre o pintor, criticando-lhe a falta de talento, o pouco rigor do desenho, o colorido e o sistema compositivo, achando banal a sua obra. De qualquer modo, Gabriel del Barco inicia assim a sua aprendizagem e os primeiros trabalhos conhecidos são constituídos por pinturas ornamentais realizadas para a Igreja de S. Luís dos Franceses (1681) e, na mesma cidade, para a desaparecida Igreja da Divina Providência; são-lhe também atribuídas as pinturas dos tectos da capela da Quinta da Conceição em Barcarena (c.1691) e o da sacristia do Convento das Flamengas, com as suas volutas de folhagens sobre fundo branco.
A partir de 1683 Gabriel del Barco é já membro da Irmandade de S. Lucas, instituição reservada a pintores a óleo. Datará de 1690 a passagem de del Barco à pintura de azulejo (trabalhando no bairro das Olarias, a Santa Catarina), já dentro da nova estética do «azul e branco», em grandes painéis, com frisos de potes ou albarradas, motivos cujo sentido decorativo de certo modo transita da pintura de tectos. Nesse sentido tem sido atribuído a Gabriel del Barco o programa azulejar da Igreja de Santa Maria de Óbidos, da Flamenga (1690) em Vialonga. Une estas obras, que também podem ser atribuídas a um mestre desconhecido, uma certa inépcia no desenho, nomeadamente no anatómico, e na construção da perspectiva.
Numa primeira fase da sua vasta obra Gabriel del Barco é autor de alguns azulejos na Igreja de Carcavelos (dois pendentes da cúpula coloridos, seis pequenos painéis nas paredes, a «azul e branco». De 1691 data uma série de painéis na capela da Quinta da Conceição em Barcarena; mas a grande obra deste período é o programa monumental da Igreja de S. Vítor em Braga, uma das obras maiores da azulejaria portuguesa. Trata-se de uma reconstrução de finais do século XVII, do tempo de D. Luís de Sousa, e dedicada a um santo local cuja vida e obra, escrita por D. Rodrigo da Cunha, constituiu fonte primordial da narrativa visual. Um total de mais de onze azulejos compõem os painéis separados por cercaduras de folhagens com dois azulejos de largura; nos painéis representa-se uma série de santos (doze no total); na zona da capela-mor os enormes painéis contam a vida do padroeiro.
Ainda nos anos 90 Gabriel del Barco produz azulejos para o palácio de Domingos Dantas da Cunha (Lisboa) e para a capela-mor da Igreja do Salvador do Mundo em Castelo de Vide. Em 1696 é autor dos azulejos de S. Bartolomeu da Charneca; seguem-se obras para a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres em Beja (1698).
Em 1699 Gabriel del Barco assina os azulejos da Igreja de S. Tiago em Évora (assinatura do lado do Evangelho) onde se revelam algumas das insuficiências do autor na correcção do desenho anatómico. Um ano depois deparamo-nos com outra das suas grandes criações, o revestimento azulejar da Igreja dos Cónegos de S. João Evangelista, os Loios de Arraiolos. Na parede do fundo os azulejos reproduzem colunas salomónicas; na nave é enorme a riqueza iconográfica, com cenas de género e imagens de santos. A separação dos quadros faz-se através de vegetação enrolada. Na zona mais alta dos alçados representam-se janelas policromas em trompe-l’oeil.
A obra derradeira deste azulejador parece ser o revestimento da capela-mór da matriz do Sardoal. Mas para além destas obras datadas há toda uma longa série de obras de data incerta ou simplesmente atribuídas a Gabriel del Barco (Meco, 1985, p.67).
António Pereira e Manuel dos Santos são outros dois azulejadores activos nos começos do século XVIII. O primeiro tem uma biografia pouco conhecida. Os seus primeiros trabalhos assinados localizam-se no Brasil, na Capela Dourada no Recife e no Solar Saldanha, em Salvador; em Portugal assinou um painel na capela-mor da Misericórdia da Vidigueira. A partir destas obras outras lhe são atribuídas (Igreja do Loreto em Lisboa, Igreja do Espírito Santo no Montijo, etc.). O conjunto sa sua obra revela um crescente distanciamento face aos modelos holandeses e uma gradual aproximação aos esquemas de Gabriel del Barco.
Manuel dos Santos insere-se igualmente neste ciclo, destacando-se da sua obra um conjunto de intervenções no Oratório do Arcebispo (silhares históricos datados de 1706, Congregados de Estremoz), na escadaria do Palácio Azevedo Coutinho em Lisboa (silhar decorativo, 1709) e, finalmente, os grandes painéis da igreja da Misericórdia em Olivença. Discípulo provável de Gabriel del Barco, terminou em 1703 o revestimento da capela-mor da Matriz do Sardoal iniciado pelo seu mestre. A sua obra mais importante localiza-se na portaria de S. Vicente de Fora, obra datável de cerca de 1710.
Mas Gabriel del Barco foi seguramente o nome mais significativo desta primeira fase. Da obra deste azulejador fica uma consistente renovação da azulejaria portuguesa, agora de forma definitiva: opção pelo «azul e branco», teatralidade e cenografia, trompe-l’oeil, aproximação do azulejo do grande espectáculo da pintura a óleo e crescente sugestão tridimensional de alguns motivos figurativos.

José Fernandes Pereira, O barroco do século XVIII
in História da Arte Portuguesa, Direcção de Paulo Pereira
Círculo de Leitores – 1995

Cadeia Velha – Do Passado para o Futuro

O texto que se segue foi extraído de uma pequena publicação da Câmara Municipal do Sardoal, datada de 10 de Junho de 1989, quando a Cadeia Velha foi transformada em espaço cultural.

Capa da brochura

Apresentação

A Cadeia Velha é, sem dúvida, um referencial afectivo de todos os Sardoalenses, tão afectivo que a própria palavra “cadeia” parece ter perdido o seu sentido repressivo. Adquiriu um significado diferente, que tem mais a ver com a identidade cultural, fundada num passado comum, de que se guardam sempre como nossos os momentos de grandeza, talvez porque a função principal nem fosse essa, guardando-se esta memória por ter sido a da última utilização que lhe foi dada.
Para falar da obra que agora se inaugura, preferimos a palavra “transformação” em alternativa à palavra “reconstrução”, já que, em rigor, reconstruir implicaria um processo de reposição do original, com recurso a técnicas e materiais iguais ou idênticos aos que primitivamente foram utilizados.
Por outro lado preferimos a expressão “transformação”, pelo que ela pode conter como elemento dinâmico num processo, em embrião, de salvaguarda da zona histórica da Vila de Sardoal, em particular, e de todo o património cultural concelhio, em geral.
Por isso, utilizado a enorme riqueza da língua portuguesa, se deseja que a velha cadeia-espaço punitivo, se transforme numa nova cadeira-elo-corrente-união, em que se empenhem todos aqueles que verdadeiramente aposta na cultura como elemento dinâmico do desenvolvimento sociocultural deste concelho, em que o aparecimento de um novo espaço cultural tem de ser encarado como motivo de festa e regozijo.
Este modesto trabalho não tem, nem pode ter, outro móbil que não seja o de contribuir com um pequeno elo para a nova cadeira de solidariedade cultural que se pode gerar a partir deste espaço, que deve ser o catalisador de uma reacção espontânea, cujos reagentes tenham uma forte componente humana e popular e cujos produtos de reacção sejam  o cimento para o desenvolvimento de uma identidade cultural própria, fundado num passado algumas vezes glorioso, cujas lições se devem projectar para o presente, na certeza de que este funciona como um efémero momento, fazendo a ponte entre o passado e o futuro.

O edifício em 1972 (Fotografia do Diário Popular)

Organização judicial

Pelos meados da primeira dinastia, já o Reino se encontrava regularmente dividido em municípios, razão por que a partir do reinado de D. Afonso IV a concessão de forais, até aí abundantes, começou a escassear.
Coincide este período com o incremento da intervenção dos municípios. Essa circunstância determinou modificações profundas na sua estrutura a nível da justiça e da administração, centrada especialmente nos reinados de D. Dinis e D. Afonso IV.
É do reinado de D. Dinis que parece datar o aparecimento dos juízes de fora, até então a aplicação da justiça fazia-se através dos juízes locais, alcaides juízes ou alvazis que o próprio município elegia, geralmente pelo espaço de um ano.
Admite-se que o aparecimento desses magistrados se deve à célebre “peste negra”, que vitimou grande parte da população do Reino. Claro está que, em resultado das numerosas mortes, terão surgido também inúmeras heranças. Em face de tentativas por parte do Clero de interferir na execução dos testamentos, o Monarca, pretendendo manter no foro civil tais questões, nomeou funcionários judiciais encarregados de os executarem. Esses funcionários eram os juízes de fora, assim designados por não serem originários dos locais para onde eram enviados.
Até 1338-1340, Reinado de D. Afonso IV, a administração municipal apoiava-se na assembleia (concelho), composta pelos vizinhos, e nos magistrados, eleitos localmente.
A partir de 1342 e na sequência da publicação da segunda versão do Regimento dos Corregedores, por volta de 1338, surgem pela primeira vez os vereadores, que conjuntamente com o magistrado ou magistrados municipais se reuniam em local próprio – a Câmara – despachando assuntos de expediente normal. Os vereadores inicialmente três, eram até 1391 eleitos pelos concelho, juntamente com os restantes magistrados, quando não era o caso de existir um juiz de fora. Competia-lhes fazer as vereações ou tomar decisões sobre a administração do Concelho, emitindo também decisões sobre a genéricas, aplicáveis ao Concelho, as chamadas “Posturas”.

Funções dos Vereadores dos Concelhos

“1) – Os vereadores hão-de ver e saber e requerer todos os bens do concelho, assim, propriedades e herdades, casas, foros, se não aproveitados como devem e os que acharem mal aproveitados fazê-los adubar e corrigir. (…)
5) – Saber se os nossos oficiais e alcaides e os outros que pelo foral ou costume ou outros direitos, os tiram como devem e se lhe fazem de novo o que não devem e não consentir, requerendo-os que o não façam e se o fizerem demandá-los.
6) – Saber como os caminhos, fontes e chafarizes, pontes e calçadas e muros e barreiras são reparados e os que cumprir de se fazer e adubar e corrigir, mandá-los fazer e reparar e abrir os caminhos e testadas em que tal guisa se possam bem servir por eles; porque nós tomamos os encargos das obras e barreiras. (…)
16) – Não consentirão a nenhuma pessoa por poderosa que seja, que contra as ordenações e postura faça nenhuma coisa e se o fizer logo requeiram aos juízes que tornem aí e se o não quiserem fazer ou não puderem, façam-no saber ao Corregedor ou a  nós para corrigirmos. (…)”

(Ordenações Afonsinas, Livro 1.º – Título XXVII)

E como estava estruturada a justiça municipal?

As alterações referidas não puseram em causa a existência de juízes locais, salvo quando tinha lugar a nomeação de um juiz de fora, que foi sempre a vilas de maior importância, ainda que a partir do reinado de D. Pedro I os corregedores passassem a intervir na escolha dos futuros magistrados, cercando assim a liberdade dos municípios neste campo.
A nível municipal, o aparecimento das vereações ao determinar que as decisões passassem a ser tomadas em Câmara, que era a reunião do magistrado com os vereadores, veio permitir que alguns crimes de pequena monta pudessem ali ser definitivamente decididos.
Nas terras senhoriais, como era o caso do Sardoal, a aplicação da justiça fazia-se com base em juízes eleitos ou nomeados pelos senhores, frequentemente designados ouvidores.
A característica que distinguia os senhorios era a imunidade, que fazia depender a autoridade interna somente do Senhor da Terra, com recurso para o Rei.
No século XVI a principal divisão do País, ao nível judicial, continuava a ser a Comarca, em número de seis, pertencendo o Sardoal à Comarca da Estremadura, encontrando-se à sua frente o Corregedor, que como representante do Poder Central, prestava juramento perante  Casa da Suplicação. Competia-lhe zelar pelo bom funcionamento das instituições a nível local e, para isso, em conjugação com os tabeliães, procuraria inteirar-se dos crimes, conhecendo todavia, apenas alguns em que os intervenientes fossem superiores ao vulgo, a saber: juízes, alcaides, tabeliães, fidalgos, abades, etc., inquiria dos bons costumes, do exercício lícito da medicina, etc.
As instâncias locais continuavam a ser os tribunais, dos municípios ou das cidades, onde os juízes de fora – nesta época em número superior em relação a períodos anteriores, se encontravam colocados; simultaneamente mantinham-se em funcionamento os juízes tradicionais e em certas aldeias mais pequenas os “juízes de vintena” de competência restrita a matéria civil.
Feita uma brevíssima síntese sobre a organização judicial até ao século XVII, importa também referir alguns dados sobre o significado de “cadeia” no contexto judicial.
A circunstância de nos antigos tempos se prenderem os criminosos com cadeias de ferro fez com que a palavra cadeia ficasse sinónimo de prisão. Cadeia designa, pois, o lugar onde os réus cumprem as penas ou onde os arguidos aguardam sob detenção o julgamento dos crimes que lhes atribuem. As penas do antigo direito penal eram, em regra, corporais – a morte, a mutilação, os açoites, a exposição à censura pública – e assim as cadeias destinavam-se a deter transitoriamente os criminosos e presumivelmente por poucos dias.
Qualquer lugar servia, logo que oferecesse condições de segurança. Quando, por influência das novas correntes doutrinais, sobretudo canónicas, as penas corporais foram caindo em desuso e a prisão passou a constituir a pena principal, houve necessidade de grandes edifícios destinados a cadeias, para o que se fizeram adaptações a muitos castelos, conventos e palácios que passaram a servir aquele fim. 
A duas condições se subordinou a sua escolha e subsequente adaptação: que fosse seguro o lugar e, ao mesmo tempo, infligidor de sofrimento – porque o sofrimento era essencial como elemento de expiação. Não estranha por isso que durante muito tempo a palavra cadeia fosse sinónimo de enxovia.

Cadeia Velha – Algumas hipóteses sobre a sua origem

Não conhecemos documentos escritos ou tradição que nos permitam fundamentar a fundação do edifício popularmente designado por Cadeia Velha, nem tão pouco se na sua origem foi construído para cadeia.
Para fundamentar algumas hipóteses importa referir alguns elementos sobre a ilustre família dos Almeidas, cujo brasão está colocado sobre a porta do primeiro andar.
Primeiro, notamos que Fernão Álvares de Almeida foi o primeiro deste apelido que teve rendas em Abrantes e seu termo, que lhes foram concedidas por D. João I, pelos bons serviços que lhe prestou nas guerras com Castela. Era filho de Pedro Fernandes de Almeida, que serviu D. Inês de Castro, por ordem de D Pedro I, e neto de Fernão Pires (Peres?) de Almeida, participante na Batalha do Saldo. Foi 3.º neto de Paio Guterres, chamado Almeidão, porque ganhou o Castelo de Almeida e 4.º neto de Paes Amado, chamado assim pelo muito que o fora do Conde D. Henrique.
Vejamos agora qual foi a descendência do sobredito Fernão Álvares de Almeida: foi seu filho Diogo Fernandes de Almeida, que foi Vedor da Fazenda dos Reis D. João I, D. Duarte e D. Afonso V, que também tinha rendas em Abrantes. Sucedeu-lhe D. Lopo de Almeida, que acompanhou a Imperatriz D. Leonor à Alemanha, de que era Alcaide-mor, a quem sucedeu seu filho D. António de Almeida, 2.º Conde de Abrantes e Vedor da Fazenda de D. Afonso V e de D. João II, que o encarregou de acompanhar seu filho D. Jorge. Sucedeu-lhe D. Lopo de Almeida, 3.º Conde de Abrantes, que foi Vedor da Fazenda de D. Manuel I.
Destes dois últimos Condes se sabe processarem os tabeliães do Sardoal em seu nome, antes de o Sardoal ser Vila.
Logo que o Rei D. João III fez Vila o lugar de Sardoal, no mesmo dia fez mercê da Vila a D. António de Almeida, 2.º filho do 3.º Conde de Abrantes, D. Lopo de Almeida.
A D. António de Almeida, 1.º Senhor do Sardoal, sucedeu seu filho, D. João de Almeida, que herdou a sua casa. Casou com a Senhora D. Leonor de Mendonça, filha de Simão Gonçalves da Câmara, 1.º Conde da Calheta, a quem sucedeu o seu filho D. António de Almeida, 2.º Senhor do Sardoal e que morreu sem filhos.
Sucedeu-lhe o seu irmão D. Miguel de Almeida, no Senhorio do Sardoal, por mercê de D. João IV, em alvará de 23 de Novembro de 1645, dando-lhe o Senhorio em administração, enquanto não terminasse a causa entre ele e o Marquês de Porto Seguro, D. Afonso de Lencastre, a quem D. Filipe III tinha feito 4.º Senhor do Sardoal.
D. Miguel de Almeida foi um dos 40 da Aclamação ao Rei D. João IV e por sua morte tomou posse do Senhoria desta Vila, por Carta da Coroa, o Corregedor de Tomar, Diogo Marchão Themudo, que veio a ter o Senhorio do Sardoal, menos de dois anos. Foi 5.º Senhor do Sardoal o já referido Marquês de Porto Seguro, com quem se inicia uma nova série de Senhores do Sardoal.

1.ª Hipótese – A Cadeia Velha terá sido construída como moradia dos condes de Abrantes, ou de algum familiar.
Não surpreende e está provado que quer os Condes de Abrantes, quer os seus familiares tiveram moradia própria na Vila de Sardoal.
Não subsistem igualmente dúvidas de que o crescimento da Vila se fez a partir do Paço e da Misericórdia, para cima, embora no princípio do século XVI a expansão da Vila já se situa na Zona do Espírito Santo, cuja Capela é muito antiga e ou existiu noutro local ou sofreu, naquele em que está, grandes obras em 1603, aquando o Rei D. Manual estanciou no Sardoal, já que foi sua moradia umas casas perto do Espírito Santo. Não será implausível que essas casas fossem dos Condes de Abrantes ou dos seus familiares, no local onde hoje está a Casa Grande ou dos Almeidas, não com a dimensão que hoje tem depois das obras realizadas no início do século XVIII.
Saliente-se que o 3.º Conde de Abrantes, D. Lopo de Almeida, foi Vedor da Fazenda de D. Manuel I, cargo que podemos comparar ao do actual Ministro das Finanças, e que tinha igualmente papel preponderante na Casa da Índia, a tal ponto que o 1.º Vice-Rei da Índia foi seu tio D. Francisco de Almeida e que era igualmente sobrinho do Bispo de Coimbra e Conde de Arganil, D. Jorge de Almeida, que chegou a ser votado em Conclave para Papa, pessoa de grande influência nas Cortes de D. João II e D. Manuel I.

2.ª Hipótese
(Nota do site: Infelizmente falta a página 9 na cópia da publicação que nos foi facultada, pelo que o início do fundamento da 2.ª hipótese está por ora incompleto.)

(…) ao edifício da Cadeia Velha (o Poço dos Açougues situava-se, ligeiramente ao lado da pia que está junto do Chafariz do Largo da Cadeia, onde se nota o aluimento das terras que o entulharam, como quem vai para a Rua Velha), a malha urbana envolvente, a toponímia e a própria disposição espacial das ruas que confluem na zona circundante da Cadeia, parecem indiciar a grande importância do edifício no Sardoal Medieval, não sendo difícil admitir que ali se deveria situar o primitivo Pelourinho. Confluem lá a Rua da Misericórdia, a Rua Velha, a Rua do Poço dos Açougues, a actual Rua Dr. Giraldo Costa, etc.
Não custa, por isso, admitir que ali se situasse a Casa da Câmara e portanto também a Cadeia e Açougues, que andavam associados, e que o BRasão dos Almeidas ali colocado o tivesse sido pelo facto de o Senhorio do Sardoal pertencer a essa Casa, de tal como que no mesmo dia em que D. João III faz o lugar de Sardoal Vila, dá o seu senhorio a D. António de Almeida.
Em torno da elevação do Sardoal a Vila, em 22 de Setembro de 1531, tem-se gerado alguma confusão, havendo quem afirme que essa data é a da criação do concelho, quando de facto o Sardoal é concelho desde pelo menos 1313, conforme uma carta existente no Arquivo da Câmara Municipal, de 11 de Janeiro desse ano, que refere já a existência de Juiz e Procurador do Concelho. Em 20 de Setembro de 1318, a mesma Rainha, que detinha, então, o Senhorio do Sardoal, confirma a antiga posse em que estavam os moradores do Sardoal de ter Alcaide natural do lugar do Sardoal.

As hipóteses apresentadas são isso mesmo, meras hipóteses, que carecem de confirmação ou desmentido.
É possível que no próprio Arquivo Municipal existam elementos concretos sobre o assunto, que o actual modelo organizativo não permite localizar. Seria preciso, igualmente, consultar outros arquivos, nomeadamente o Arquivo de Abrantes e o Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Mesmo assim, atrevemo-nos a aceitar a segunda hipótese como a mais provável.
O assunto não se esgota aqui, nem tão pouco é abandonado por nós, na expectativa de que outros com melhor preparação científica e disponibilidade para a investigação histórica se entusiasmem e o possam esclarecer com fundamento.
A Cadeia Velha, enquanto tal, ali deve ter funcionado até cerca de 1940, quando foram adaptadas duas salas do edifício dos Paços do Concelho para esse fim.

Alguns documentos sobre a administração da justiça, existentes no Arquivo Municipal

11 de Janeiro de 1313
Carta da Rainha Santa Isabel, dada aos moradores do lugar de Sardoal, obrigando os passageiros que viessem da Beira para Abrantes e para Punhete (actual Constância) e vice-versa, a passarem por dentro do lugar de Sardoal e a deixarem a estrada próxima.
20 de Setembro de 1313
Carta da Rainha Santa Isabel, dada aos moradores do lugar de Sardoal, para conservarem a posse antiga em que estava o alcaide do mesmo lugar do Sardoal.
26 de Janeiro de 1364
Carta de El-Rei D. Pedro I, concedendo e confirmando a jurisdição aos juízes do Sardoal.
16 de Janeiro de 1471
Carta de Confirmação, dada aos moradores do Sardoal, por El-Rei D. Afonso V, das liberdades, privilégios e franquias que os reis seus antecessores haviam concedido a este Povo.
5 de Novembro de 1528
Carta de confirmação de El-rei D. João III, do alvará passado por El-Rei D. Manuel, em que declarou a pedido dos moradores do Sardoal, qual o sentido que devia aplicar-se a uma sentença do concelho de Abrantes, relativa aos Tabeliães e pessoas que celebrassem autos públicos.
9 de Abril de 1533
Carta de mercê feita por El-Rei D. João III, à Câmara da Vila do Sardoal, para que a aldeia de Alferrarede continue a ter juiz, com vara e jurisdição, como tinha quando era termo de Abrantes.
4 de Março de 1575
Provisão de El-Rei D. Sebastião, passada em Évora, para que os almotacés da Vila do Sardoal possam servir três meses, não obstante a ordenação que manda que sirvam um só mês.

A Extremadura Portugueza – Sardoal

Por alguns apontamentos de grande curiosidade, transcrevemos desta vez o capítulo que Alberto Pimentel dedica ao Sardoal no seu estudo “A Extremadura Portugueza – O Ribatejo”, publicado em 1908.

Estas fotografias do início do século XX estão pouco divulgadas e julgamos que são, se não todas, pelo menos uma grande parte da autoria do senhor Francisco Dionísio.

A transcrição segue a ortografia da época. Não foram corrigidos erros ortográficos ou históricos.

PORTUGAL PITTORESCO E ILLUSTRADO
A EXTREMADURA PORTUGUEZA
POR
ALBERTO PIMENTEL
PRIMEIRA PARTE
O RIBATEJO

Capa do livro

Sardoal

Esta povoação foi elevada á categoria de villa por mercê de D. João V.
É cabeça do concelho do seu nome no districto administrativo de Santarem.
O concelho, com uma população de 5.816 habitantes, compõe-se de duas freguezias: Sardoal, (oragos Santiago e S. Matheus) com 4.761 almas, e Alcaravella (Santa Clara) com 1.055.
A villa está assente em terreno pouco accidentado, seis kilometros ao norte da margem direita do Tejo, e na margem direita da ribeira do Sardoal.
O aspecto da povoação é gracioso e alegre. As suas casas, muito brancas, rutilam á luz do sol «como um sonho de noivado», segundo a expressão feliz do dr. Cunha Bellem.
O Sardoal fica a nornórdeste de Abrantes, na distancia de onze kilometros.
Do castello d’esta ultima villa avista-se o Sardoal em tal posição que, nos dias claros, a luz do sol a mette em foco.

Sardoal visto da Lage

Pelo que os abrantinos costumam dizer ironicamente: — Lá estão os lagartos ao sol.
No plano superior da povoação ergue-se a igreja parochial com a sua fachada singela, a sua torre quadrangular, de cúpula esguia, e o seu airoso adro sombreado de arvores.
Tem o Sardoal varias ruas, que se denominam — de Serpa Pinto, Avellar Machado, Simões Baião, Geraldo Costa, Vasco Homem, e do Salgado.
Na rua Serpa Pinto, que a nossa estampa representa, alinham-se algumas casas de bom e até nobre aspecto.
Ha uma praça, que se intitula — do Conselheiro João Franco.
A camara municipal de 1879, tomando a peito o abastecimento de agua potavel, fez acquisição de um manancial, que foi canalisado para a villa na distancia de três kilometros.

Rua Serpa Pinto

E, para facilitar o consumo publico, mandou collocar alguns marcos fontenarios nos logares mais centraes da povoação, sendo um d’estes a praça.
Antigamente o Sardoal era commenda da ordem de Christo, pertencente á casa de Cadaval.
Diz o Padre Carvalho, na Corografia, que esta villa tinha muita nobreza, e uma collegiada na igreja parochial.
A collegiada, extincta ha seculo e meio, compunha-se de coadjuctor, thesoureiro, e quatro beneficiados.
O hospital de Santo Antonio passou, depois da extincção das ordens religiosas, para o edifício que foi convento dos frades menores da província da Soledade.
Dois sacerdotes, o conego Francisco Manuel de Mendonça e o padre Gregorio Pereira Tavares, beneficiaram largamente este hospital.
O primeiro, sendo provedor, comprou a cerca dos frades, e doou-a á Misericordia.
A santa casa do Sardoal foi fundada no seculo XIV e confirmada em 1554 pelo papa Innocencio VI, com o titulo de confrades de Santa Maria do Hospital.
Rege-se actualmente por um estatuto approvado pelo governador civil de Santarem em alvará de 14 de abril 1875.
A sua receita annual pouco se eleva acima de 1:000$000 reis.
Soccorre os doentes no hospital e nos domicilios; e tem banco para curativo.
A igreja da Misericordia merece especial referencia pelo seu aspecto antigo e o seu portal de volta redonda, para o qual se sobe por dez degraus de cantaria.

Nascente das aguas ferreas

Ha no Sardoal uma abundante nascente de aguas mineralisadas pelo carbonato de ferro. O sitio da nascente é muito pittoresco.
A agua vem conduzida para um chafariz de construcção elegante, e ahi corre livremente.
A «ponte velha do chafariz», com os seus dois arcos engrinaldados de parietárias, também é logar muito aprazivel.

Chafariz das aguas ferreas

Pinho Leal fala de minas de chumbo, ferro, cobre e prata no concelho do Sardoal.
Effectivamente, ha em S. Domingos minas em exploração, sendo a principal a do «Pôço de Santo Antonio», cujo manifestante foi José de Almeida Rocha.
Possua a villa duas escolas para um e outro sexo. Apenas a do masculino funcciona em casa própria. Mas já em maio de 1904 se procedeu á escolha e medição de terreno para um edificio commum a ambas as escolas.
Tem duas philarmonicas, ali denominadas — do Carapau e dos Ciganos.
Falta ainda theatro e club.
A villa não estacionou em melhoramentos materiaes: desde 1880 até hoje teem sido construidos cerca de quinze predios, dois dos quaes são importantes.
Uma das festas mais concorridas e apparatosas do Sardoal é a do bodo do Espirito Santa. Dura três dias.
Faz-se uma procissão, como em Thomar, sendo as fogaças conduzidas á cabeça pelas raparigas da terra, vestidas de branco.
A villa engalana-se por esta occasião, estando as ruas do transito ornamentadas com bandeiras que pendem de cordas suspensas entre dois mastros.

O Bodo no Sardoal

Relativamente a julho de 1906 o programma dos festejos dizia assim:
Dia 8 apresentação do gado pelas ruas da villa.
Dia 9 matança do gado pelas 6 horas da manhã, sendo em seguida distribuidas as miudezas aos pobres que se apresentarem. De tarde começa a distribuição de rações aos mordomos de fora.
Dia 10, distribuição das rações aos mordomos da villa, sendo a distribuição feita por 4 raparigas que vistosamente se apresentarão trajando todas de branco.
Alem das rações de carne aos mordomos, teem mais estes vinho e pão bento.
Dia 11, conducção do pão de differentes casas para a igreja do Divino Espirito Santo pelas raparigas d’esta villa e aldeias circumvizinhas. Ao anoitecer procissão, sendo conduzida a imagem do Divino Espirito Santo para a igreja matriz.
Dia 12, festa de igreja e procissão, percorrendo as principaes ruas da villa, e bodo geral, constando d’um pão a todas as pessoas que se apresentarem a recebelo. Alem d’esta parte obrigatoria dos festejos, havera mais, tanto no dia 11, como no dia 12, arraiaes muito concorridos e diversas danças populares.
Toma parte em todos estes festejos a velha Sociedade Fraternidade Sardoalense.
A tradição do Bodo aviventa-se de anno para anno, ao passo que a romaria do Senhor dos Remédios tende a decahir.
Ultimamente faz se também com grande pompa a festividade do Coração de Jesus, devoção, aliás, muito generalisada na provincia da Extremadura.
As mulheres do Sardoal usam saia curta, debruada em diversos gostos, casaco justo, com enfeites, e lenço; os homens, jaqueta á campina, calça de bocca de sino, cinta, e sapatos de couro, brochados.
As danças populares são os bailes de roda, a polka e o fandango.
Os povos do Sardoal parece terem uma tradição de alegria folgazã entre os outros do Ribatejo. Pelo menos a tinham no século XVI, como se reconhece por mais de uma passagem de Gil Vicente.

Igreja da Misericordia

Na tragicomedia pastoril da Serra da Estrella:

Serra — Sois vós de Castella, manos,
Ou lá de baixo do extremo?
Jorge — Agora nos faria o demo
A nós outros castelhanos:
Queria antes ser lagarto,
Pelos santos evangelhos.
Serra — Donde sois? Jorge — Do Sardoal;
E ou bebê-la, ou vertê-la,
Vimos cá desafiar
A toda a Serra d’Estrella
A cantar e a bailar.

Na farça do Juiz da Beira o bailador alardea os seus méritos profissionaes alegando que já bailou em Santarém perante a corte, e também no Sardoal por ser, ao que parece, povoação de entendidos:

E bailei no Sardoal,
E de contino me vem
Bailar sem haver alguém
Que me ganhe em Portugal.

A villa podia estar mais florescente se passasse pelo centro d’ella a estrada districtal de Castello Branco ou se a linha da Beira Baixa se lhe avizinhasse.
O concelho do Sardoal recolhe vinho, trigo, centeio e milho.
Comtudo a sua principal riqueza agricola consiste em azeite, cuja producção anual está avaliada em trinta e cinco mil decalitros.
Ha feira de anno a 28 de outubro, e mercado no segundo domingo de cada mez.
O facto da freguezia do Sardoal ter dois oragos, Santiago e S. Matheus, procede de lhe haver sido annexada a antiga parochia d’esta ultima invocação.

Hospital de Todos os Santos

Em 1866 foi agraciado com o titulo de visconde do Sardoal o sr. José de Figueiredo Frazão, titulo renovado na pessoa de seu filho em 1878.
No Sardoal nasceu o Padre António de Carvalho de Parada, que compoz varias obras, entre ellas uma Arte de reinar, dedicada a el-rei D. João IV.

Praça Conselheiro João Franco

Santa Clara de Alcaravella, a outra freguezia de que se compõe o concelho, dista da villa do Sardoal 5 kilometros para nordéste. Está situada junto de uma ribeira que é affluente do Tejo. Recolhe centeio, azeite, e algum trigo, pouco. Tem uma escola parochial para o sexo masculino.
O concelho do Sardoal faz parte da comarca de Abrantes e da diocese de Portalegre.

Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Santarém – Sardoal

O Dr. Gustavo de Matos Sequeira (1880-1962) cadastrou minuciosamente o património do distrito de Santarém no “Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Santarém”, numa edição da Academia Nacional de Belas Artes de 1949. O concelho de Sardoal está representado com um sucinto mas completo e interessante inventário do seu principal património artístico. Pelo seu valor histórico, e com a devida vénia, o conteúdo respeitante ao concelho de Sardoal encontra-se integralmente coligido nesta página, incluindo as fotografias e ilustrações que o acompanham.

(Nota: para algumas correcções a este inventário, consultar a revista “Zahara”, editada pela Associação “Palha de Abrantes” – N.º 6 – Novembro 2005.)

O Jornal de Abrantes de 11 de Junho de 1939 noticiou que o Dr. Gustavo de Matos Sequeira esteve no Sardoal por esses dias, de que recolhemos também o lisonjeador artigo que então escreveu para o jornal “O Século”:

Dr. Gustavo de Matos Sequeira, que, como noticiámos, esteve há dias entre nós em missão de organizar o inventário artístico nacional na área da província do Ribatejo, visitou o Sardoal, dessa visita colheu o ilustre arqueólogo a boa impressão que lhe surgiu a interessante crónica que, com a devida vénia, transcrevemos do jornal “SÉCULO”, do dia 5 do corrente.
Ao fazermos esta transcrição queremos consignar o prazer que sentimos com tão agradável referência á florescente vila nossa vizinha.
É que no Sardoal aqui temos dito e nunca é demais repetir, é das terras mais progressivas do distrito de Santarém, onde a ideia nacionalista foi posta ao serviço da grei com o mais elevado sentido patriótico, sem atropelos, perseguições nem vexames e onde impera apenas o espírito de bem servir com honestidade e lealdade.

Jornal “SÉCULO” – O Custo da Vida

Quis o acaso que nos deparasse em comprida viagem, agora começada por terras estremenhas, uma novidade e uma surpresa que não devem passar sem comentário de “Louvor”.
Essa novidade e essa surpresa deu-no-la o Sardoal, vila ridente e acolhedora fresca e cheirosa como um ramalhete de goivos, aninhada entre formaturas de oliveiras e maciços pinhais, num cômoro que lhe serve de alegrete.
Raras vezes se topa povoado tão limpo e tão composto, tão risonho e tão atraente por terrenos arredios fora de grandes vias de ligações.
O Sardoal é um sorriso, porém, apesar de sobrecarregado de paisagem envolvente.
Casas exemplarmente caiadas, beirais vermelhos, tudo pintado, alinhados, concertado e maravilha de cor e de graça, flores por toda a parte, dos poiais bordando as ruazinhas em canteiros, dos muros, dos quintais, das grades das sacadas, das varandas e dos terraços, podendo os peitoris das janelas, nas soleiras das portas, em alpendres, trepando, rastejando, espreitando, aqui debruçando, além fazendo negaças, sardinheiras, rosas, malvas, anémonas, maravilhas, malmequeres, surgem numa pirotécnica estranha.
As casas do Sardoal desentranham-se em flores… Há um jardim em cada janela, um alegrete em cada recanto… Velhos e modernos azulejos ajudam a compor os cenários floridos, a enquadrar as fontes, a arruinar as fachadas.
Ama-se verdadeiramente a flor nesta vilazinha estremenha. Ricos, pobres e remediados lutam à compita no ornamentar das casas… e porquê?… esta batalha de flores?… vão ver como é simples a causa, como é altamente civilizadora a razão ordinária do prélio florido que enriquece uma povoação e a faz diferente de todas as outras e mais belas que todas mais.
É que a Câmara do Sardoal resolveu há tempo constituir uma série de prémios e em vez de esmolas que podem humilhar, dá brindes a quem ornamentar melhor as janelas e quem mais opulentamente as souber florir.
Toda a pobreza concorre e, para a estimular, os remediados e os abastados acompanham-na.
Todos os anos, quinhentos escudos são destinados para prémios, e por tão escassa quantia os edis do Sardoal conseguem enriquecer, civilizar e tornar simplesmente bela a simpática vila.
Honra e louvor À Câmara do Sardoal… Pois não será interessante que as cidades (e porque não Lisboa) aprendessem neste exemplo… Aqui fica a ideia.
Deitem-na fora se não gostarem, mas o que lhe afirmamos é que jamais vimos conseguindo tanto com tão pouco dinheiro.
Matos Sequeira

ACADEMIA NACIONAL DE BELAS ARTES
INVENTÁRIO ARTÍSTICO DE PORTUGAL
DISTRITO DE SANTARÉM
POR
GUSTAVO DE MATOS SEQUEIRA

III
LISBOA
1949

Capa do livro

17) CONCELHO DE SARDOAL

FREGUESIAS:

SARDOAL
Antiga povoação de que eram donatários os duques em 1532, tendo tido foral, dado em 1313, pela rainha Santa Isabel. Assenta numa baixa entre campos férteis, ricos de olivedos, e o seu aspecto dá-lhe a categoria de uma das mais bonitas terras da região. Por uma feliz disposição municipal que concede prémios anuais aos que caiarem e florirem as suas casas, a vila oferece um espectáculo risonho e florido aos seus visitantes sobre o espectáctulo das suas apreciáveis belezas monumentais.

Igreja Paroquial de S. Tiago e S. Mateus
Edifício quinhentista, modificado por sucessivas restaurações. Portal formado por dois delicados colunelos capitelizados, onde a ornamentação vegetal se associa a dois rostos humanos, um masculino e outro feminino, o primeiro com a fronte coroada. Rosácea, de estilo flamejante, apertada num colunelo, e, entre este e a ponta de lança do portal, janelão moderno de tipo profano. O templo tem mais duas portas laterais, de arco de ponta e de lavor simples. A torre foi acrescentada no século XVII, obliterando a empena de bico da fachada.
Interiormente possui três naves, com arcos de volta redonda, em cinco tramos. O coro ocupa o tramo junto à porta de entrada. Tectos de madeira de três planos, no corpo do templo, onde há quatro altares de pedra da Batalha, do fim do século XVI. O primeiro deles, do lado do Evangelho, foi modificado para Capela funda, dedicada ao Coração de Jesus. Os dois altares colaterais têm retábulos de pedraria, e a capela-mor ostenta um rico retábulo de talha, de seiscentos, formado por colunas salomónicas, e reveste-se de azulejos (pintura a azul sobre esmalte branco). Dois quadros cerâmicos – S. Tiago aos Moiros e a Aparição da Virgem aos Cavaleiros de S. Tiago – ocupam as paredes laterais. Estão datados de 1701, e são de feitura holandesa, ou influenciados por obras cerâmicas neerlandesas. A face do arco-mestre está igualmente forrada de azulejos, mas estes são do tipo «padrão», azuis e brancos, do fim do século XVII ou princípios do XVIII. Ao alto está um Crucificado, entre S. José e a Virgem, sobre uma mísula, esculturas de pedra do fim do quinhentismo, e em outras duas mísulas que ladeiam o arco, vê-se uma Piedade, escultura de pedra quatrocentista, belo exemplar, pintado e estofado posteriormente, medindo 0m,700 de alto, e um Santo António, de madeira.
Os retábulos das capelas do cruzeiro, lavrados em pedra da batalha, são de imitação tardia da Renascença.
O tecto é de abóboda de berço, pintado modernamente.
Num nicho sobre o arco de uma capela do lado do Evangelho, há outra escultura de pedra, quinhentista, figurando a Virgem.
No pavimento do templo, há várias campas brasonadas, com os relevos muito gastos.
Numa das modernizações deste templo, os fustes e capitéis das colunas das naves, foram encascados em estuques pintados.
A pia de água benta, quinhentista, gomeada no bordo inferior, e guarnecida de botões na cinta superior do cális, é de feição original.

Pia de água benta – Igreja Matriz

As mais belas peças desta igreja são, porém, as tábuas que constituíam, talvez, o primitivo retábulo, e que se guardaram, depois, na Casa da Irmandade do Santíssimo, que fica debaixo da capela-mor. São sete pinturas a ólio sobre madeira de carvalho, representado o busto de Cristo, o busto de S. Paulo, o busto de S. Pedro, a Virgem da Anunciação, o Anjo Anunciado, S. João Baptista e S. João Evangelista. Estas quatro últimas tábuas medem 1m,470 × 0m,900, a primeira 0m,635 × 0m,785, e as terceira e quarta 0m,645 × 1m,070.
As pinturas do Mestre do Sardoal, que já se tem querido identificado com o pintor manuelino Miguel Nunes, suposto autor do retábulo de Montemor-o-Velho, pelo indício das iniciais M. N., que estão no ladrilhado da tábua do Anjo da Anunciação, revelam uma forte personalidade de artista, no tratamento largo das figuras, nas dobragens dos panejamentos, nas intenções fisionómicas (menos feliz a da Virgem) e ainda na capital importância dada às figuras, embora sem prejuízo das decorações envolventes e acessórias. Pintura caracterizadamente portuguesa, e é de prever, portanto, de oficina provincial, mais fora dos influxos do flamenguismo, estas tábuas, documentam, com outras da série organizada pelo Dr. João Couto (Celas, Montemor e a Assunção da Virgem do Museu Machado Castro) a melhor pintura portuguesa do período manuelino. O naturalismo do desenho das mãos, a suave expressão dos rostos, e a unção posta nos olhares das figuras, dão um interesse pictural notável a esta série de pinturas, agora restauradas e respostas no seu lugar, depois de figurarem na Exposição dos Primitivos Portugueses, em 1940.

Igreja da Misericórdia
Edifício do século XVI, com algumas modificações posteriores. Portal de pedra de estilo renascentista, de uma linda cor doirada, guarnecido de medalhões entre a curva do arco e a arquitrave, com lavores no friso e nas faces das pilastras. Composição arquitectural mais segura e melhor modelada do que a do portal da Misericórdia de Abrantes. Junto à base e ombreira do lado direito há infiltrações de salitre. Sobre o portal, amparado por anjos, avulta um édículo de coroação com o painel da Misericórdia.
Superiormente há dois óculos de iluminação.
A porta lateral, de arco de volta redonda, tem o último moldado acairelado de seis lóbulos ornamentais.
Há ainda uma esbelta fresta, lateral, muito interessante como composição, no estilo renascentista do Porta-Ólios do Baptistério da igreja da Atalia.
No exterior do templo, vê-se ainda um painel de azulejos modernos, da autoria do pintor Gabriel Constante, representando a rainha D. Leonor, e um letreiro que diz ter sido o edifício reparado em 1931.
Interiormente é uma nave coberta de tecto de madeira, sendo o arco triunfal, lavrado em estilo Renascença e apoiado em capitéis com figuras. Na empena há um revestimento de azulejos do século XVIII, azuis e brancos, e, ao alto, uma cruz e um calvário, pintados a cor de vinho. No corpo do templo, silhar de azulejos, da mesma época e cores, sendo a capela-mor também forrada da mesma decoração cerâmica, de padrão e figuras, com janelas e portas fingidas, a cor de vinho, e nos vãos vasos floridos. Do lado da Epístola há um painel central com a cena do lava-pés, fronteiro a um altar que ocupa o lado do Evangelho. No altar-mor está um Cristo, escultura de madeira do século XVII.

Hospital de Nossa Senhora da Caridade
Instalado no antigo convento dos Franciscanos da Soledade. O hospital fôra fundado em 1400, e confirmada a instituição da confraria hospitalar em 1554. Desde 1854 que está ocupando o antigo convento, fundado em 1571, no local onde existia uma ermida de N. S. da Caridade, com a protecção de D. Lopo de Almeida, conde de Abrantes e de outros fidalgos da povoação, e a capela-mor reedificada, no último terço do século XVII, pelo arcebispo da Baía, D. Gaspar Barata de Mendonça, a cuja família pertence o padroado da igreja.
A igreja é de uma só nave, de abóbada caleada, com altar-mor e duas capelas laterais. Na abóbada do berço da capela-mor está pintado o brasão do arcebispo da Baía, com as armas, esquarteladas, dos Mendonças, Vasconcelos, Mouras e Baratas. O retábulo do altar é de talha do século XVII. Do lado da Epístola há um arcossólio que abriga o mausoleu, no feitio clássico de urna, do prelado reedificador, com larga inscrição na face da arca, assente sobre três leões, e o brasão familiar ao alto. No altar colateral, do lado da Epístola, está um retábulo-relicário, decorado, na parte superior, com três pinturas sobre tela, representando Santa Clara, Santa Isabel e a aparição da Virgem a S. Francisco, obras do século XVII.
O altar colaterar do Evangelho é dedicado a N.a S. a da Esperança, imagem que nele está entre outras duas, de jaspe, figurando S. Pedro e S. Paulo. No retábulo estão encaixilhadas sete pequenas pinturas sobre tela, com a Visitação, a Anunciação, a Adoração, o Presépio, dois Anjos e ainda outra composição indeterminada. Na parte baixa do altar está encaixado um oratório-armário (trabalho indo-português, de xarão), dado a este altar por D. Jerónima de Parada, viúva de Gaspar de Sousa de Lacerda, que está sepultada aos pés do mesmo altar. A dávida, conforme o letreiro posto sobre o oratório, foi feita em 7 de Setembro de 1670. Na galilé da igreja, à direita, está a capela do Senhor dos Remédios, decorada com um silhar de azulejos azuis e brancos (século XVIII) com figuras ornamentais e quatro painéis com os passos de Cristo.
A sacristia é uma construção típica do princípio do século XVIII ou fins do anterior, coberta com um tecto pintado em 1720, no estilo dos tectos de ornatos em caixotões do seiscentismo. Sobre o arcaz, ergue-se uma construção de caixilhos de talha opulenta, com pilastras e frisos decorativos, emoldurando pinturas sobre tábua, seiscentista, figurado o Bom Pastor, a Adoração, S. Jerónimo e ainda duas imagens de santos indeterminados, e formando um conjunto magnífico efeito.
Há ainda sacristia um lavabo de faiança portuguesa do século XVIII. O depósito deve ser da Fábrica do Rato, e a bacia de outra fábrica e de época posterior.
No exterior da fachada principal do templo, sobre o terraço da galilé, há um nicho com um S. Pedro (escultura de pedra, quinhentista) entre dois medalhões, em relevo, de estilo Renascença.
No pavimento da galilé, está a sepultura brasonada de Bento de Moura Mendonça, comendador de Casével, fidalgo da Casa Real e cavaleiro de Cristo, nascido em 23 de Julho de 1769, falecido em 14 de Setembro de 1843. No interior da igreja há várias lajes sepulcrais.

Casa Grande
É o solar da família Moura Mendonça do Sardoal. Vasto edifício do século XVII, redificado posteriormente, e que hoje pertence a mais de um proprietário. No recheio desta casa, há a registar vários móveis apreciáveis, uma «coiffeuse», uma cómoda de barriga, uma banca de cabeceira, com guarnições de bronze, um armário, baixo, de canto, de madeiras embutidas e tampo de mármore, e um belo lampião de ferro. A galeria de retratos de família tem interesse decisivo. Registaram-se os seguintes:

  1. Retrato de corpo inteiro de um Coronel do Mar, da família Moura Mendonça. Pintura a ólio sobre tela, do princípio do século XIX. Pertence ao sr. Jaime Leal, residente em Viseu.
  2. Retrato (busto) de um fidalgo trajado à moda da primeira metade do século XVIII; pintura a ólio sobre tela. Pertence ao sr. João Pereira de Matos, residente em Viana do Castelo;
  3. Retrato (busto) de uma senhora trajada à moda do princípio do século XVIII. Pintura a ólio sobre tela. Pertence ao mesmo;
  4. Retrato (busto) de um fidalgo, trajado à moda do tempo de D. João V. Pintura a ólio sobre tela. Pertence ao mesmo;
  5. Retrato (busto) de um fidalgo trajado à moda do final do século XVII, com meia armadura. Pintura a ólio sobre tela. Pertence ao mesmo;
  6. Retrato (busto) de um fidalgo trajado de meia armadura, à maneira do final do século XVII. Pintura a ólio sobre tela. Pertence ao mesmo.

A ermida do solar, é consagrada a N.a S.a do Carmo. Tem uma bonita imagem da Virgem, escultura de madeira do século XVIII.

Ermida de S. Sebastião
No termo do Sardoal. Templo de arquitectura vulgar, onde há apenas a notar um púlpito de madeira, de cálice, sobre um colunelo de pedra. A imagem do orago, é uma escultura de pedra quinhentista, medindo 0m,680.

Ermida de S. Sebastião

A ermida da Senhora da Lapa, junto à Ribeira de Arcez, de que fala o Santuário Mariano, com encarecimento, e outras que se citavam na vila e termo, arruinaram-se ou foram profanadas.

ALCARAVELA

Igreja Paroquial de Santa Clara
É um templo moderno construído há pouco mais de vinte anos que substituiu a antiga capela. Apenas a notar uma cadeira de presbitério, de espalda e fundo de coiro, do meado do século XVIII.

SANTIAGO DE MONTALEGRE

Igreja Paroquial de Santiago de Montalegre
É um templo moderno sem qualquer interesse de carácter artístico.

VELHASCOS

Ermida Paroquial de Nossa Senhora da Graça
A actual é sucessora do antigo templo que desaparece e que tinha alpendre, um revestimento de bons azulejos antigos, casas para ermitão e para os romeiros. Não tem qualquer interesse arquitectural. A imagem de N.a S.a da Graça, escultura de pedra, quinhentista, medindo 0m,800, de alto, e outra de S. Lourença da mesma época, medindo 0m,700, ficaram da antiga ermida.

No Concelho do Sardoal, existiam muitas ermidas, que se arruinaram e foram profanadas, tendo-se perdido a memória da maioria delas.