Abílio Napier (Rei-Pan)

Uma figura, que veio a ter estatuto nacional, emergiu na cultura sardoalense entre a primeira e a segunda décadas do século XX: Abílio Napier.

Abílio Napier (Rei-Pan)

Nasceu em Lisboa em 1873, onde fez estudos de conservatório (música e teatro). Era multifacetado: músico, regente, cenógrafo, actor e artista completo. Usou como nome artístico “Rei-Pan”. Foi autor de récitas, algumas em parceria com a escritora e poetisa Lídia Serras Pereira.

Deve ter-se fixado no Sardoal por volta de 1907. A 10 de Fevereiro desse ano, o “Jornal de Abrantes” noticiava, sob o título “Teatro Sardoalense”, o seguinte:

“Alguns artistas da Companhia Lisbonense, projectam ir dar um espectáculo em terça-feira de Entrudo no Teatro Sardoalense, levando à cena, “O AGIOTA”, comédia em 3 actos, pelos actores Reijana, Herculano Monteiro, Carlos Ferreira, Carlos Silva, Rosa Monteiro, Albina Napier…
Preços e horas do costume.
Dirige o maestro Abílio Napier.”

Albina Napier, que fazia parte do grupo cénico anterior, era a sua mulher. Juntos, dinamizaram companhias como o “Grupo Dramático Almeida Garret” e a “Troupe Dramática Portuguesa Rei-Pan”.

Por notícias da imprensa regional, sabemos que em 13 de Abril de 1913 já era regente da Filarmónica União Sardoalense, mas desconhecemos desde que data. A FUS, com esta designação, existia desde 11 de Março de 1911.

No “Jornal de Abrantes” de 28 de Setembro de 1913 aparece uma curiosa declaração escrita por si, em que justifica a “incorrecção” de um concerto da FUS pela má intenção do Sr. Raul de Carvalho, requinta da filarmónica:

“Ao público e digna Comissão dos Artistas, promotora das festas realizadas nos pretéritos dias 21 e 22, declaro que a “incorreção” do concerto musical efectuado pela banda sardoalense, foi devida simplesmente a má intenção do Sr. Raul de Carvalho, requinta da mesma filarmónica, que por divergências e rixas vermelhas, com alguns músicos, premeditou aproveitar aquela oportunidade para vingar-se, estropeando todo o repertório propositadamente, dando azo que do seu procedimento resultasse a má reputação da banda que eu destarte, espinhosamente dirijo. “Frisou” ainda o referido músico, ao ser admoestado por mim, que efectivamente estava executando traiçoeiramente, motivo que me levaria a não consentir que essa figura continuasse a estropear o concerto, se ele não tem ainda assim o bom senso de se antecipar à expulsão.
Eis pois demonstrados estes factos, para que a crítica forasteira que certamente desconhece, não vá estabelecer sobre mim uma impressão hostil, pois eu, apesar de medíocre, não consentiria que o público fosse testemunha auditor de tão grandes abnegações musicais originados por vinganças mesquinhas, mas torpes, porque não tendo nada a compartilhar dessas rixas, só em mim veio a reflectir-se de momento toda a responsabilidade e o péssimo efeito de uma cilada, ainda que indirectamente, mas por isso mesmo me cumpre repeli-la na carta que me toca.
Com satisfação ao público e à critica
Sardoal, 24 de Setembro de 1913
Abílio Napier
Regente da Filarmónica União Sardoalense”

Cremos que esteve ligado à Associação dos Artistas que por esses anos existiu no Sardoal e que, entre outras coisas, teve como iniciativa a fundação de um centro republicano.

Em 30 de Novembro de 1913, o “Jornal de Abrantes”, com o título “Teatro Sardoalense”, dava conta dos ensaios da peça “Noite de Natal”:

“No Grupo Dramático Almeida Garret, do Sardoal, e de que fazem parte os artistas Abílio Napier e Albina Napier, activam-se os ensaios da peça dramática “Noite de Natal”, primoroso original do distinto quartanista da Faculdade de Direito Sr. David Serras Pereira, sobrinho do ilustre Dr. João Serras e Silva, Lente da Universidade de Coimbra.
A peça impõe-se pelo empolgante das suas situações dramáticas, e encerra um verdadeiro cunho de linguagem portuguesa, revelando bem as faculdades de inteligência do seu autor a quem certamente está reservado um lugar de destaque entre futuros escritores da nossa Pátria.
Há grande interesse pela primeira representação da peça, cuja mise-en-cene foi confiado pelo autor ao Sr. Abílio Napier, ensaiador do referido grupo dramático.”

Em 14 de Junho de 1914, de novo no “Jornal de Abrantes”, Napier faz uma louvor da música no Sardoal e dos esforços dos valorosos sardoalenses que contribuíram para reforçar a qualidade do corpo instrumental da FUS. Com o título “A Música no Sardoal”, escreveu o seguinte:

“Podem ufanar-se os Sardoalenses pelo considerável melhoramento que devido aos esforços e boas vontades dos Exmos. Srs. Dr. José Gonçalves Caroço, Abílio da Fonseca Matos e Silva e Máximo Martins Salgueiro, acaba de ser introduzido na sua terra natal.
É que está provado que ainda nos mais recônditos cantos da província, os povos trabalham com denotada ansiedade, pelo desenvolvimento das artes e pelo progresso da sua pátria, cujas evoluções nos últimos tempos, são sobeja garantia para enfileirarmos Portugal com as mais civilizadas nações da Europa.
E assim aqueles senhores, num rasgo de patriotismo e amor pelas artes, acabam de melhorar consideravelmente a conhecida Filarmónica União Sardoalense, restaurando todo o instrumental e fazendo aquisição de novos músicos e outros já experimentados e de segura competência, que com os seus colegas antigos, aprovaram e assinaram no Cartório do Exmo. Sr. João dos Santos Pereira um contrato por 3 anos, cujos artigos vão ser submetidos à aprovação do Governo.
E antes assim, porque sendo o Sardoal uma das terras da província que maiores provas de aptidão para a música tem demonstrado, era para lastimar que por simples indolência se votasse ao ostracismo, o amor pela mais sublime das Belas-Artes.
Por instância da ilustre comissão dirigente da filarmónica, também por desejo dos músicos e do povo, continuará regendo a banda o modesto artista que estas linhas escreve, e que apesar de não pertencer à plêiade dos “célebres” envidará todos os esforços para secundar a obra altruísta da comissão, em prol da arte e para a honra da classe, a que se orgulha de pertencer.
Avante, pois, e muitos parabéns ao povo do Sardoal, de quem se espera também todo o auxílio possível, visto que está sempre pronto a sacrificar-se pelo engrandecimento da sua terra.
Sardoal, Junho de 1914
Abílio Napier
(Rei-Pan)”

Fez parte também da tuna “Flor Mimosa Sardoalense”, cuja foto de 3 de Agosto de 1914 se publica aqui e onde aparece, ao centro, na fila superior.

Plano inferior, da esquerda para a direita: João Dias Milheiriço, Norberto Ricardo Navalho, João Florindo e Máximo Dionísio.
Plano superior, da esquerda para a direita: Lúcio Serras Pereira, António Bernardo, Abílio Napier, Francisco Bernardo e António Serras Pereira.

Em contraponto com a correspondência anterior, em 15 de Junho de 1915 pediu a demissão de regente da Filarmónica União Sardoalense, com efeitos a partir de Outubro desse ano. Jornal de Abrantes, de 27 de Junho:

“Abílio Napier – Ensaiador de Música

Participa que pedirá a demissão do seu lugar regente da Filarmónica Sardoalense, logo que se encontre desligado de todos os contratos firmados pela direcção da referida banda, e que terminam em Outubro próximo, ficando desde então ao dispor de quem pretenda utilizar-se dos seus modestos serviços musicais.
Sardoal, 15 de Junho de 1915”

A veia artística teve descendência familiar. O filho Fausto Napier nasceu no Sardoal em 3 de Abril de 1915 e com 18 anos mudou-se para Albufeira, onde foi primeiro fotógrafo local e o único durante décadas. Abílio e Albina tiveram também uma filha: Inácia Napier.

Fausto Napier

No fim de 1915 fixou-se no concelho de Cadaval, onde teve também um papel importante tanto na Filarmónica como no Teatro locais.

Manteve uma ligação ao Sardoal, sendo que nos periódicos regionais da época publicou alguns poemas satíricos. Destaque em 1929 para a saudação ao Dr. Raul Wheelhouse (ler aqui). Justo da Paixão também lhe dedicou um poema no mesmo ano (ler aqui).

O seu maior êxito a nível nacional terá sido uma Marcha Popular designada de “Serra da Neve”, em 1932.

Regressou a Lisboa em 1940 e faleceu em 1949.