Memórias de Abril (escritas 30 anos depois)

(GRITO “NÃO!” À REVOLUÇÃO DE FLORES DE RETÓRICA)

Revolução das flores?
Sim.
Mas não apenas para disfarçarem com bandeiras de cravos
O pólen das Áfricas dos nossos lutos.
Queremos flores
Que já tragam no ventre
O sabor dos frutos
José Gomes Ferreira – Poesia VI

É preciso que passe algum tempo para escrever a História. Trinta anos podem não ser suficientes…

A análise fria só acontece quando nos libertamos da ganga das paixões, dos tumultos ideológicos, dos entusiasmos políticos que, infalivelmente, acompanham os grandes momentos de viragem histórica.

Sem dúvida que a Revolução de 25 de Abril de 1974 foi o ponto de partida de um processo de transformação social cuja dinâmica foi a tal ponto afectada por múltiplos factores endógenos e exógenos que não é possível, ainda hoje, definir com segurança uma linha de orientação predominante, um ramo que se sobreponha aos demais, um eixo em torno do qual se juntem as forças sociais capazes de hegemonizar em pluralismo político, um projecto de mudança real da sociedade portuguesa.

Pertenço à última geração de combatentes na Guerra Colonial, aquela que ainda combateu nas matas de África, participando depois no processo de Descolonização, convivendo no dia-a-dia com os guerrilheiros dos Movimentos de Libertação, com quem semanas e meses antes tinha combatido duramente no terreno.

Em 25 de Abril de 1974 encontrava-me em Angola, a cumprir o serviço militar. A 23 de Abril tinha saído para o Norte, para uma operação militar que só terminou no dia 3 de Maio, data em que regressei a Luanda com o grupo de tropas especiais que comandava. Só então tomei conhecimento dos acontecimentos entretanto verificados em Lisboa.

Emocionalmente, direi que tudo aquilo me pareceu um sonho! Um ano antes, quando saíra de Lisboa para Angola, o regime não dava sinais de mudança, antes pelo contrário. Apesar de alguma esperança que os dois primeiros anos do Governo de Marcelo Caetano tinham criado…

Vivi em Lisboa entre 1969 e 1973, como estudante universitário e, para mim, Fascismo, PIDE, Censura, Repressão, não eram palavras abstractas. A maioria dos estudantes universitários conheciam-nas bem e sentiram-nas na pele.

Com que sonhei então? Com um país livre, onde não existissem perseguidos só por ousarem defender ideias diferentes das dos donos do Poder. Com um País onde a justiça social e a igualdade fossem um facto e não apenas um mito. Com um País aceite na comunidade das nações como um dos seus, de corpo inteiro e não apenas tolerado como mais um.

Curiosamente o 25 de Abril trouxe uma mudança de vocabulário que aconteceu tão naturalmente que foi imperceptível para muitos.

De um salto, passou-se dos quotidianos estereótipos de ontem, para novos lugares comuns de ressonância épica: a 24 de Abril era a “Portugalidade, a Metrópole e o Ultramar, «Angola é nossa!», o comunismo internacional, os valores da civilização ocidental e cristã, os nossos bravos rapazes, a guerra que nos é movida, algumas acções de flagelação, os bandoleiros armados, os terroristas, «os turras», certos díscolos a soldo de Moscovo, Portugal Uno e Indivisível, etc.”.

A 26 de Abril já era diferente: “As Colónias, os Movimentos de Libertação, o Internacionalismo Proletário, a Guerra Colonial, o Imperialismo Ianque, a Resistência, o Fascismo, a Revolução, a Reforma Agrária, etc.”

Todo este belo palavreado mareou, assentou, recolheu aos sítios. Sabe-se porquê! Instalou-se o pântano das «implementações», dos «pontuais», das «listagens», das «condições para», da «vontade política», da «coragem política», das «opções estratégicas», das «três ordens de razões», das «razões de Estado». E os políticos propriamente ditos, por onde andavam? Andavam todos a verberar o «Fascismo», a reclamar a «sociedade sem classes», a demandar uma via para o socialismo.

Capitalismo? Que era dele? Revolução? Pois claro! Reforma Agrária? Com certeza! O Chile? Pfff!… A CIA? Que maçada! E tranquilamente, aguardavam vez…

A Descolonização era um dos pontos chave do programa do MFA e, como tal, foi apresentado ao País na sequência do triunfante golpe de Estado que derrubou a mais velha ditadura da Europa, neste século. Mas a Descolonização Portuguesa chegava com, pelo menos, 20 anos de atraso, agravada com as sequelas de uma guerra colonial com mais de 13 anos. E ia desenrolar-se no quadro de uma mutação político-social sem precedentes no próprio país colonizador.

Perante este fenómeno irreversível que desde o final da Segunda Guerra Mundial agitava os povos colonizados, o fascismo salazarista não soubera encontrar outra resposta, senão a recusa de qualquer solução negociada e a força das armas, estando fora de causa uma alternativa de estilo neocolonial, não só porque estávamos em 1974, mas porque Portugal não tinha poder militar, dimensão económica, nem apoio externo, para tentar uma solução desse tipo – a única saída era, na realidade, a da descolonização. Mas que descolonização? A que se fez e que, para além de provocar a fuga e o regresso de mais de meio milhão de portugueses a Portugal, deixou atrás de si a desolação e morte e duas sangrentas guerras civis, que ameaçaram envolver grande parte do Continente Africano?

Certamente que não! A questão que se põe é a de saber se poderia ter sido de outra forma.

A descolonização portuguesa está cheia de erros. Mas, antes deles, havia equívocos e, com eles, os dados da questão foram, desde o início, viciados.

Portugal negociou na posição de vencido e não na de país colonizador, como a maioria dos seus predecessores – a devolução da sua soberania e poderes e nunca esteve em condições de impor (ainda que o quisesse e pretendeu-o de facto em certa fase do processo) soluções muito diferentes das que foram encontradas. Descolonizar é fazer o contrário de colonizar. Com todas as consequências: a entrega da soberania é apenas um aspecto, e nem sequer o mais importante.

Portugal foi, de certo modo, um colonizador original: um intermediário que saiu das colónias de mãos vazias.

Esta análise pessoal da descolonização é, um pouco, a consequência de ter a ter vivido por dentro. Em 30 de Junho de 1974 saí de Angola para Moçambique e apenas terminei e comissão de serviço (como se chamava) em 3 de Abrl de 1975, data em que regressei a Lisboa.

Se me perguntarem se o 25 de Abril trouxe transformações à minha vida direi que é evidente que uma revolução que originou uma viragem radical no sistema político e social, teve que trazer transformações profundas à vida de qualquer pessoa. Para quem viveu por dentro, como já referi, o problema da repressão, para quem, como eu, teve problemas com a Polícia Política (vulgo PIDE), por me ter recusado a ser informador dos movimentos dos meus colegas de Faculdade, o que em 1971 era pago com a choruda quantia de 4.000$00 (eu tinha uma bolsa de estudo de 1.200$00), viver em Liberdade é uma grande transformação.

Eu compreendo que o que acabo de referir tenha pouco ou nenhum significado para quem hoje tenha menos de 45 anos, que à data do 25 de Abril, tinha menos de 15 anos. Só aprecia, verdadeiramente, a Liberdade, quem já esteve privado dela.

Às vezes interrogo-me sobre qual teria sido o rumo da minha vida se não tivesse acontecido a Revolução de 25 de Abril de 1974. Não consigo encontrar respostas, mas recordo que pouco tempo antes de ir para a tropa tinha sido convidado, por uma grande multinacional do campo da electrónica, para ir trabalhar para a Holanda. Não fui autorizado a sair do País e tencionava, se regressasse do Ultramar e se o convite se mantivesse, aceitá-lo. Seria, depois, mais um entre os emigrantes portugueses.

Em 1974 Portugal era um país isolado na cena internacional. Mantinha relações de privilégio com a Espanha de Franco e, de certa forma com o Brasil, com o qual mantinha um estatuto especial, através de uma pseudo Comunidade Luso-Brasileira. Mantinha uma relação estranha com os Estados Unidos, assente em bases de profunda hipocrisia, especialmente por parte dos americanos. Nos grandes areópagos internacionais Portugal era uma voz isolada e atacada.

É evidente que a instauração de um regime democrático em Portugal trouxe para o País uma aceitação internacional. Este processo de reintegração na comunidade das nações culminou em Janeiro de 1986, com a entrada de Portugal na então designada C.E.E., que abriu, sem dúvida, grandes perspectivas de desenvolvimento.

Quando, em 1975, se fechou o Ciclo do Império, alguns “Velhos do Restelo” acenaram com o fantasma da extinção do País e com a sua absorção pela Espanha. Hoje, sem que entenda a União Europeia como a solução para todos os problemas, abriu-se um novo ciclo na história do País – o Ciclo da Europa. Os Portugueses não conseguem viver fechados nesta “Ocidental Praia Lusitana”, como lhe chamou o grande Poeta Camões.

E terá o 25 de Abril de 1974 ocorrido na altura certa?

É um facto que as revoluções não escolhem oportunidades e não são factos isolados. Resultam, normalmente, da confluência de diversas conjunturas, por vezes de situações latentes ao longo de dezenas de anos.

Em qualquer sociedade seria desejável que não tivessem que acontecer revoluções, como sinal de estabilidade, segurança, paz social, riqueza.

Também pode acontecer que o móbil inicial não seja sequer revolucionário e este pode ter sido o caso do 25 de Abril.

O Movimento das Forças Armadas (MFA) começou por ser o resultado do descontentamento profissional de um grupo de oficiais subalternos (na maioria capitães), congregados por um relativo factor corporativista, como reacção ao famigerado decreto 353/73. Depois de alguns anos de Guerra Colonial, às sucessivas comissões em África, aos perigos acrescidos no terreno de combate, os oficiais vêem juntar-se a depreciação da sua própria carreira profissional. O Governo de Marcelo Caetano decide, no Verão de 1973, intervir num domínio tradicionalmente da responsabilidade da instituição militar, determinando a passagem ao quadro permanente dos milicianos que frequentassem um curso de apenas dois semestres na Academia Militar. O descontentamento que já progredia entre os oficiais torna-se explícito e proporciona o aparecimento do Movimento dos Capitães…

O regime estava caduco, de tal forma que quase caiu por si. A Revolução só tomou um cariz político e popular no próprio dia 25 de Abril. Antes o movimento de contestação ao regime, salvo algumas acções esporádicas da LUAR (de Palma Inácio), da ARA (do PCP) e algumas acções de propaganda durante as farsas eleitorais que periodicamente eram montadas, não era visível e não existia um movimento de contestação forte. Quando o Povo entrou, verdadeiramente, na Revolução, esta era já um facto consumado.

Em 1974 não se assistia a uma abertura do regime, no sentido de uma abertura para a Democracia. Pelo contrário. Em 1974 verificava-se uma involução e, aquilo a que se chamou a Primavera Marcelista, que se verificou em 1969-70, tinha passado à história. Os barões do regime, a polícia política, a ANP (Acção Nacional Popular), tinham obrigado o Professor Marcelo Caetano a um retrocesso no processo de abertura política que iniciara. A Ala Liberal da Assembleia Nacional, com Sá Carneiro, Magalhães Mota, Pinto Leite, Miller Guerra, etc., tinha desaparecido e eram quase nulas as esperanças de mudança pacífica do regime.

Portugal não acompanhou a profunda transformação política que sacudiu a Europa a seguir à Segunda Guerra Mundial. O Plano Marshall não teve praticamente impacto em Portugal e foi aí que se perdeu a oportunidade histórica do desenvolvimento industrial e da condução do País para um regime democrático e levou à política cega de Salazar, que culminou com o «orgulhosamente sós», de que ele tanto se vangloriou e que criou sequelas que, no tempo actual, ainda não foram totalmente erradicadas da sociedade portuguesa.

O sistema político português estagnou durante muitos. Para o manter era inevitável a repressão e o obscurantismo. Para que Portugal pudesse ser hoje um país verdadeiramente desenvolvido (considerado o desenvolvimento em todas as suas componentes) e na ausência de mudança no poder vigente, o “25 de Abril” teria de ter acontecido, pelo menos, 20 anos antes.

Em 1986, respondendo a um inquérito feito por um grupo de estudantes, quando me foi colocada a questão: “Que consequências houve no ensino depois do 25 de Abril?”, escrevi o seguinte:

«As últimas estatísticas oficiais do regime deposto em 25 de Abril de 1974 apontavam uma taxa de analfabetismo de 25% que, além de falseada, não revelava o alfabetismo operacional que devia ser muito inferior a 75%.
Com um sistema educativo obsoleto, pretensioso e elitista, o País sofreu a vaga de choque do Movimento de Maio de 68, vindo de França, e enrodilhara-se nas teias de uma reforma caótica e dispersa (da iniciativa de Veiga Simão), incapaz de alterar os vícios estruturais do sistema, que tentava escamotear com paliativos.
O derrube do regime fascista pelo movimento militar de Abril de 1974, parecia ter criado as condições mínimas indispensáveis à criação de um sistema educacional mais digno e justo. Mas a confusão e intoxicação políticas que se seguiram, repercutiram-se não só na escola, mas em toda a estrutura do sistema: a demagogia, a incompetência e o arbítrio apenas mudaram de sinal. Com uma agravante: é que o sistema anterior, com todos os seus defeitos, ainda ia funcionando; a nova (des)ordem com todos os seus aspectos positivos, deixou de ser funcional.
O principal problema é ainda o do analfabetismo. O estudo mais sério que conheço sobre este assunto é de 1976, do Centro de Estudos Psicotécnicos do Exército, feito com base numa amostragem de 50 000 mancebos entre os 20 e 21 anos e revelou que o analfabetismo absoluto seria na ordem dos 36%. Mas este estudo revelou ainda pontos mais graves. Um deles foi o da regressão de conhecimentos verificado nos jovens recrutas com habilitações oficiais superiores à quarta classe, dos quais cerca de metade mostravam conhecimentos muito inferiores; o outro, o baixo grau prático de uma grande percentagem de indivíduos alfabetizados.
Esta situação, que se verificou em 1976, durou ainda alguns anos. Actualmente são já visíveis sinais de mudança, para melhor, à medida que se formam novos professores e se constroem novas instalações escolares, que tentam responder à explosão escolar que o 25 de Abril nos trouxe.
Acredito que dentro de 10 anos o sistema educativo português se terá modernizado o suficiente para responder às necessidades do País. Por enquanto, terão de ser pagos os custos dos anos de anarquia subsequentes à Revolução de 25 de Abril de 1974.»

Escrevi este texto há dezoito anos e tenho que confessar, hoje, com alguma desilusão, que as expectativas que então mantinha para uma evolução tendencialmente positiva no sistema educativo português foram defraudadas…
Para escrever estas breves memórias de Abril volto a socorrer-me das respostas que dei ao citado inquérito (1986) e, particularmente, à seguinte pergunta:

«Acha que houve uma revolução cultural com o 25 de Abril, relacionando também a entrada em Portugal de Telenovelas Brasileiras?
Não direi que houve uma revolução cultural, no sentido que foi dado a esta expressão pelos chineses, quando da liderança de Mao Tsé Tung, mas sim que houve uma relativa alteração da prática cultural.
O fim da censura e passado que foi o período de delírio (passe a expressão) imediatamente a seguir ao 25 de Abril, em que se verificou uma intoxicação de filmes e livros pornográficos ou de doutrinação política duvidosa, permitiu uma grande abertura cultural, alargando-se as hipóteses de escolha, com embaixadas artísticas de todo o mundo.
Vi em Lisboa dois dos melhores espectáculos que vi em toda a minha vida: O Circo de Moscovo e a Ópera de Pequim, que não poderia ter visto antes do 25 de Abril. Grupos de Rock, músicos populares, pintores, escultores, toda uma gama de manifestações artísticas inundou Lisboa e algumas cidades do País.
Isto não significa que tenha existido uma revolução cultural. Por um lado, o grande centro difusor de cultura do País, continua a ser a Fundação Gulbenkian. Por outro lado, o País Cultural é Lisboa, Porto e pouco mais…
A descentralização cultural, uma verdadeira política de defesa do Património Cultural, a correcta divulgação dos grandes valores da Cultura Portuguesa, estão por fazer. Sem isso não haverá revolução cultural, no sentido em que a entendo.
A própria televisão, que poderia e deveria ser o veículo da difusão cultural, por excelência, pouco mais faz
do que transmitir “enlatados” importados, em que por vezes aparecem produções de razoável ou muito boa qualidade (caso de algumas produções da BBC e da RAI) relegando a produção nacional para segundo plano e concedendo-lhe muito pouco tempo de emissão.
As telenovelas brasileira são, sem dúvida, um acontecimento cultural e podemos reconhecer nelas uma qualidade excelente de interpretação e de realização e, se há quem defenda que elas estão a adulterar a língua portuguesa, eu partilho a opinião da Dra. Edite Estrela, de que isso não corresponde à verdade, porque a língua portuguesa é uma língua dinâmica que se enriquece com a experiência brasileira, como se enriqueceu ao longo de séculos com o contacto com os mais diversos povos do mundo. Bem mais grave é, em minha opinião, a adulteração que a linguagem publicitária está a provocar. Apenas lamento que para o horário nobre de televisão, não exista capacidade de realização de produções portuguesas, que divulguem a Cultura Portuguesa, o que poderia acontecer, por exemplo, com a realização, por episódios, de grandes obras da Literatura Portuguesa. Porque isto não acontece e porque já referimos o grande índice de analfabetismo existente no País, reste-nos a consolação das emissões faladas em Português. O que, por si só, já é agradável!…
(…) Por força do sistema repressivo existente antes do 25 de Abril, o movimento “hippie” teve pouca difusão em Portugal. Aquilo que a partir de 1967, emanou para o mundo, com o suporte musical de uma canção de Scott Mackenzie “S Francisco” (Be sure to wear some flowers in your hair), não teve em Portugal grande difusão. Os cabelos compridos, os jeans, os adornos de couro, eram sinónimo de “bandalhice”, de subversão, que os acontecimentos de Paris, em Maio de 1968, veio agravar… O regime defendia o cabelo curto, a barba feita, o fato completo, nos jovens de sexo masculino e a saia pelo joelho, a compostura e o cabelo comprido nas raparigas.
Quando aconteceu a Revolução e derrubado o sistema repressivo, direi que se iniciou em Portugal, com um atraso de seis anos, o movimento hippie, até com uma certa dose de ridículo, e o movimento Punk que no final da década de 70 se implantou em Portugal (relativamente) era inconcebível antes do 25 de Abril de 1974.
Em moda, é costume dizer-se, que nada se cria, tudo se transforma e porque a moda não é um acto isolado, o que aconteceu em Portugal aconteceu noutras do mundo, simultaneamente, ou com pouca diferença de tempo.
(…) A liberdade de expressão é uma das conquistas que honram o 25 de Abril. Só por isso diria que valeu a pena!
O texto constitucional em vigor, consagra a liberdade de expressão e informação no seu artº 37º: “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, pela palavra, pela imagem ou por qualquer meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.”
A censura sobre a Imprensa e sobre o conteúdo dos espectáculos era uma das grandes nódoas do regime anterior e a sua abolição não pode merecer a contestação de ninguém, seja qual for a sua posição política.
Em forma de conclusão antecipada desta entrevista direi que o 25 de Abril de 1974 trouxe coisas admiráveis, mas não poderia trazer mais do que trouxe: trouxe as condições necessárias, não trouxe as condições suficientes (e pensou-se que sim).
Trouxe as condições necessárias para que assumíssemos, então, outras condições: um tempo NOSSO, de que estávamos, supostamente, “a divinis”; trouxe as condições para assumirmos a nossa dimensão forçosamente modesta; para construirmos devagar uma educação e uma consciência cívica baseada na solidariedade e na renúncia; na austeridade igualmente repartida e moralizadora, para libertar a criatividade embotada pelo isolamento cultural e depois pela massificação da informação, para encontrarmos, como País, a nossa identidade dentro de uma Europa redescoberta com olhos estremunhados; para saber sofrer com sentido e gozar com plenitude.
Não se trata de optimismo ou pessimismo (o que são?); trata-se de plácida observação de um processo em que cada um de nós tem a possibilidade de ser um agente lúcido, constante e modesto.
E sem a liberdade de expressão, isso seria possível?»

NÚMEROS PARA 30 ANOS DE HISTÓRIA

 19742003
População residente8,6 milhões10,3 milhões
Nascimentos por ano180 mil110 mil
Óbitos por ano102 mil107 mil
Dimensão média das famílias3,5 elementos2,8 elementos
Casamentos católicos102 mil58 mil
Alojamentos familiares2 732 855 (1970)5 046 744 (2001)
Alojamentos c/ água canalizada48%97,9%
Alojamentos c/ electricidade63,8%99,5%
Taxa de analfabetismo25,7% (1970)9,0% (2001)
População activa3 395 865 (1970)4 990 208 (2001)
População desempregada90 805339 261
Esperança média de vida – homens63,1 anos72 anos
Esperança média de vida – mulheres70,8 anos80 anos
População estrangeira legalizada40 mil240 mil
Rede de autoestradas80 km1 800 km

Seria relativamente fácil apurar muitos outros indicadores nacionais para comparar o modo de vida em Portugal em 1974 e em 2003/4. Já em termos concelhios, tal tarefa não se mostra tão fácil quando muitas comparações só se podem fazer com recurso à memória, que a uma distância de 30 anos já é muito esbatida nalguns aspectos.

Em 1974, apenas a Vila de Sardoal e as localidades de Andreus e Valhascos dispunham de energia eléctrica, numa altura em que a Federação de Municípios do Ribatejo, uma entidade que viria a ter um importante papel na electrificação das zonas rurais do distrito de Santarém, dava os seus primeiros passos. Em 1975 era electrificada a aldeia de Cabeça das Mós e em 1976 chegava a vez da freguesia de Alcaravela e da aldeia de Entrevinhas. Em 1977 chegava a vez das aldeias de S. Simão e Venda Nova. Só depois disso se iniciou a electrificação da freguesia de Santiago de Montalegre.

Em 1974, apenas a Vila de Sardoal dispunha de abastecimento de água ao domicílio, estando a decorrer obras para o reforço do caudal no abastecimento ao Sardoal e para a instalação das redes de abastecimento a Andreus (a primeira a ficar concluída) e a Cabeça das Mós e Valhascos, sendo que estas só ficaram concluídas em 1975/76.

Em 1974 era lançada uma empreitada para o abastecimento de água, por fontanários, a algumas povoações da freguesia de Alcaravela (Monte Cimeiro, Panascos e Santa Clara).

A primeira povoação da freguesia de Alcaravela a dispor de abastecimento de água ao domicílio foi a aldeia da Tojeira, em 1980/81.

Apenas em Agosto de 1972 foi inaugurada a rede telefónica automática.

Só no ano lectivo 1973/74 foi criado o ensino oficial do Ciclo Preparatória, com a instalação no Sardoal de uma secção da Escola Preparatória D. Miguel de Almeida, de Abrantes. O Ensino Secundário até ao 9.º Ano de Escolaridade continuou a ser leccionado pelo Externato Rainha Santa Isabel até ao ano lectivo 1979/80. Só no ano lectivo 1980/81 entrou em funcionamento a E.B. 2,3 de Sardoal, que actualmente lecciona algumas áreas do 12.º Ano. Os dois anos do Ensino Preparatório tinham, então, cerca de 130 alunos.

Na Vila de Sardoal existia nessa altura 1 casa de pasto, 4 cafés e algumas tabernas. Não existia nenhuma agência bancária. A Caixa Geral de Depósitos funcionava na Repartição de Finanças e na Tesouraria da Fazenda Pública, então instaladas no edifício dos Paços do Concelho, onde também estava instalado o quartel da Guarda Nacional Republicana.

25 de Abril de 2004