Apontamentos para a história do movimento associativo no concelho de Sardoal

A congregação de diversas pessoas em torno de objectivos sociais comuns tem uma longa história no concelho de Sardoal, nomeadamente em aspectos religiosos e na assistência aos mais desprotegidos. Sabe-se que em 1450 já existia uma Confraria que dava apoio aos peregrinos e necessitados, a qual, em 1509, veio a transformar-se na Santa Casa da Misericórdia de Sardoal, que perdurou até aos nossos dias, mantendo e alargando importantes funções na área da solidariedade social.

No campo religioso não conseguimos datar com rigor a origem das Irmandades e Confrarias como, por exemplo, a Irmandade do Santíssimo Sacramento, normalmente comum a todas as paróquias, e a Irmandade da Vera Cruz ou dos Santos Passos ou a Confraria de Nossa Senhora da Saúde e de S. Guilherme, em Andreus, cujas funções, na actualidade, se resumem à participação em alguns actos de culto mais importantes.

Estas Irmandades ou Confrarias reflectem, hoje, quer a recessão demográfica, quer o envelhecimento da população, evidenciadas na acentuada diminuição do número dos seus membros e na idade avançada da maioria deles que resulta, também, de uma mudança de atitude da sociedade perante a prática religiosa.

Na área da Cultura, a Filarmónica União Sardoalense destaca-se como decana das colectividades que nesta área têm desenvolvido a sua actividade no nosso concelho, cuja existência atravessa dois séculos. Fundada em 1911, com esta designação, em resultado da fusão das duas filarmónicas que então existiam na Vila de Sardoal, a Sociedade Filarmónica Sardoalense (fundada em 1862) e a Sociedade Fraternidade Sardoalense (fundada em 1901), a F.U.S. é a legítima herdeira das suas tradições culturais, pelo que se deve considerar a sua fundação reportada a 3 de Agosto de 1862.

Nos últimos anos da Monarquia e nos primeiros anos da I República foram desenvolvidas algumas tímidas tentativas para criar outras colectividades na área cultural e recreativa, que na generalidade tiveram pouca duração e cuja actividade não se encontra suficientemente documentada por forma a permitir uma análise correcta da importância local que possam, eventualmente, ter tido.

Até por volta de 1930 as actividades culturais e de solidariedade social que aparecem referidas na Imprensa Regional, ou decorrem a acção da Santa Casa da Misericórdia de Sardoal e da Filarmónica União Sardoalense, ou resultam de actos isolados voluntariosos de agentes culturais individuais que por razões diversas passaram pelo Sardoal e foram capazes de dinamizar algumas acções, nomeadamente na área do Teatro e da Música. Essas sempre foram as áreas culturais que, de forma afectiva, mais mobilizaram os Sardoalenses e que podem ter sido o fundamento da construção, no final dos anos 20, do Cine-Teatro  Gil Vicente, propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Sardoal e entretanto demolido para dar lugar ao Lar/Centro de Dia da mesma Instituição.

A sedimentação ideológica da política do Estado Novo leva que a partir de 1934 seja desenvolvida uma acção concertada para a criação e estruturação de um movimento associativo profundamente enraízado e identificado com a política do Estado Corporativo e com uma acção balizada pelos princípios políticos da Constituição de 1933.

Foi neste período que foram criadas as Casas do Povo, sendo a primeira em termos concelhios e nacionais, a Casa do Povo de Alcaravela, criada em 1934, que mais do que uma função cultural e social, pretendia assumir-se como órgão político do Corporativismo e que, por isso, viveu alguns momentos conturbados e de grande agitação popular que motivou uma forte intervenção repressiva, cuja história se encontra por fazer.

É também nesta época que começam a ser criadas em Portugal organizações como a Mocidade Portuguesa e a Legião Portuguesa, cujo objectivo era a divulgação e a afirmação da ideologia política do Estado Novo e a consagração dos valores nacionalistas, num período que coincidiu com a Guerra Civil de Espanha e depois, até 1945, com a II Guerra Mundial.

No Sardoal estas organizações nunca conseguiram grande implantação, apesar de terem disposto de sedes próprias e do apoio financeiro. Em finais dos anos 60, passados que foram os primeiros anos da Guerra Colonial, deixaram de ter actividade visível, extinguindo-se, naturalmente, com a Revolução de 25 de Abril de 1974.

Algumas organizações ligadas à Igreja Católica, de natureza caritativa e quase esmolar e cuja actividade principal era o apoio aos pobres do concelho de Sardoal, como as Conferências de S. Vicente de Paula ou a Cáritas, mantiveram, até aos finais dos anos 60, uma actividade mais ou menos regular, dirigidas por pessoas muito ligadas ao regime do Estado Novo e à Igreja, como o Dr. José Ferreira A. Manso e o Sr. Ramiro dos Santos, entre outros.

Com a criação da F.N.A.T. (Fundação Nacional Para a Alegria no Trabalho) e dos C.RP.s (Centros de Recreio Popular), as actividades associativas para a área desportiva tiveram algum incremento, especialmente em Sardoal e Valhascos, onde foram construídos, ainda que de forma improvisada, campos de futebol que permitiram a prática regular desta modalidade desportiva, com a participação em campeonatos regionais.

Na Vila de Sardoal a “Sede” do Centro de Recreio Popular constituiu-se como um importante local de convívio de muitos Sardoalenses que ali se deslocavam para  ouvir Rádio e ver Televisão, no tempo em que esta ainda era uma grande novidade e para ler jornais, jogar cartas, dominó, damas, etc.

Com a criação da Casa do Povo de Sardoal, no final dos anos 60, as funções desportivas do C.R.P. passaram a pertencer a esta Instituição, ainda que a sua função principal se relacionasse com a integração, ainda que tímida, dos trabalhadores rurais na Segurança Social.

Ainda nos anos 60 e nos primeiros anos da década de 70, a J.O.C. (Juventude Operária Católica) teve um papel importante na dinamização de actividades destinadas aos jovens, especialmente em Alcaravela, Cabeça das Mós e Valhascos, registando, igualmente, um movimento juvenil que ocorreu na Vila de Sardoal, no princípio da década de 70, com actividades de formação e ocupação de tempos livres, que chegou a congregar algumas dezenas de jovens e que pelo seu carácter inovador foi sujeito a alguma vigilância política pelas autoridades da altura.

É depois da Revolução do 25 de Abril de 1974 que se dá a grande “explosão” do Movimento Associativo no Concelho de Sardoal, à semelhança, aliás, do que aconteceu um pouco por todo o País, particularmente a partir das chamadas Organizações Populares de Base, como as Associações e Comissões de Moradores e de Melhoramentos, formadas para tentar encontrar soluções para os múltiplos problemas que afectavam as populações, ao nível das infra-estruturas básicas, como, por exemplo, as acessibilidades, o abastecimento de água e a electrificação rural, sendo também neste período (final dos anos 70 e princípio dos anos 80) que se verificou a criação do Rancho Folclórico “OS RESINEIROS”, de Alcaravela, do Rancho Folclórico “OS CAMPONESES”, de Valhascos, do Grupo Desportivo de Alcaravela, do Grupo Desportivo e Recreativo de Sardoal “OS LAGARTOS” e do GETAS-Centro Cultural de Sardoal, entre outros.

Foi também nesta altura que as Juntas de Freguesia deixaram de ter funções meramente administrativas, que se limitavam, quase, à passagem de atestados e à gestão dos cemitérios (Alcaravela e Santiago de Montalegre), passando a ter um papel mais interventivo com a realização de algumas obras em colaboração com as Comissões e Associações de Moradores e Melhoramentos, nomeadamente a abertura, alargamento e beneficiação de arruamentos e caminhos rurais, com destaque, nesta área, para os trabalhos que então foram realizados, nomeadamente em Andreus e Entrevinhas.

Esta intervenção, necessariamente modesta e muito sintética por falta de elementos históricos disponíveis, nas Jornadas de Reflexão sobre o Movimento Associativo do Concelho de Sardoal, tem um objectivo que reputo de muito importante e que assenta num desafio para todas as Entidades participantes, que é o seguinte: registem a sua história, mantendo-a actualizada tanto quanto possível. A experiência que tenho nesta área ensinou-me que muitos factos que hoje nos parecem banais e/ou irrelevantes, poderão ser muito importantes no futuro, especialmente quando alguns dos nossos vindouros quiserem fazer a história desta época.

Sardoal, 16 de Março de 2000