Algumas notas sobre a Capela de Nossa Senhora da Lapa

Do Título IX da obra “Santuário Mariano” coligida no princípio do século XVIII, por Frei Agostinho de Santa Maria, consta a seguinte nota sobre a Senhora da Lapa:

Da milagrosa Imagem de Nossa Senhora da Lapa, do termo do Sardoal

No mesmo termo e limites da Vila do Sardoal para a parte de nascente em distância de meia légua e muito junto à Ribeira de Aracês se vê o Santuário de Nossa Senhora da Lapa em um ameno vale e situado em uma pequena penha, sobre a qual fundaram, a qual é quadrada, mas de boa arquitectura e proporção. Não é grande mas para o sítio de bastante capacidade. Tem um só Altar e na porta se vê um patim, que sobe de junto à ribeira, que por um e outro lado tem cinco degraus, porque não deu lugar a penha para maior extensão. Defronte ou da outra parte da ribeira continua o mesmo rochedo, no qual se vê uma lapa em que é tradição constante aparecera a Senhora, cuja manifestação ainda não sendo de muitos séculos, já hoje não há quem saiba dizer dela nada com certeza.

Junto àquele sítio havia uma quinta de que era Senhor o Abade João Cansado. Ele por devoção da Senhora, para o melhorar de sítio e para não apartar muito do lugar que escolhera, lhe edificou aquela Ermida e Santuário em que a colocou e refere-se por tradição que muitas vezes fugira e fora buscar o primeiro sítio em que aparecera, mas depois que de todo se lhe acabou e aparelhou lugar em que pudesse ser venerada, se lhe pediu com rendido afecto o aceitasse. E assim houve a Senhora de conceder com os seus rogos e ficou sem fazer mais mudança.

Depois colocaram na mesma lapa uma Imagem da Santa Madalena, como ao presente se vê. Esta lapa dista menos da Ermida de cem palmos e quando a ribeira enche chegam as suas águas à lapa e também às portas da casa da Senhora. É esta Santíssima Imagem de escultura de madeira, mas muito linda. Sua estatura são dois palmos. Não tem Menino e está com o ornato de um manto e coroa de prata. Está colocada no meio do retábulo do seu Altar. É hoje Padroeiro deste Santuário Duarte de Sousa da França, sobrinho do Abade ou de seus filhos, que tem junto à Ermida da Senhora uma quinta com grandes casas, herança tudo do mesmo Abade João Cansado. Nestas se recolhem os Romeiros e devotos da Senhora, quando o tempo os obriga a pernoitar na sua casa ou quando a sua devoção o pede. Em todo o ano se vêm naquela casa da Senhora romagens e devotos.

Obra Deus por meio desta celestial Imagem de sua Santíssima Mãe, muitos milagres e maravilhas, como o estão testemunhando muitas memórias e sinais delas como quadros, mortalhas e outras coisas semelhantes que se vêm pender das paredes daquele Santuário.

A fundação deste Santuário não é muito antiga porque ainda hoje há pessoas que se lembram de o fundar o Abade.

Não me constou o dia em que os Padroeiros festejam a Senhora.”

Da leitura desta memória pode inferir-se que a Capela da Lapa terá sido fundada por volta do meado do século XVII, ainda que com rigor não se possa determinar o ano.

Capela de Nossa Senhora da Lapa (2020)

No dia 3 de Julho de 1926, publicava o Jornal “As Novidades” a seguinte notícia:

Sardoal – Festa da Lapa

Teve lugar no dia de S. João, a Peregrinação Eucarística ao vizinho lugar da Lapa, na aldeia de Cabeça das Mós, a qual se vem realizando já há bastantes anos.

Diz uma prática que neste local, onde se encontra um santuário dedicado à Mãe de Deus, apareceu outrora a Virgem Santíssima e que ali estivera desterrado pelas perseguições do seu tempo um Bispo Católico (1), cujos restos mortais se encontram na Igreja do Convento, desta Vila. Fosse como fosse e o certo é que estas peregrinações que o zelo apostólico do nosso bondosíssimo Vigário (2) vem promovendo, são já grandiosas manifestações de Fé, pois a elas ocorrem os fiéis das freguesias vizinhas, os quais, em extrema união, louvam a Deus e honram a sua Mãe Maria Santíssima.

Assim vimos ali um numeroso grupo de peregrinos, não só desta Vila, aos quais presidia o nosso venerando pároco, indo à frente os estandartes das associações das Juventudes Católicas, mas também de Alcaravela, os quais guiados pelos seus vistosos estandartes e dirigidos pela sua ordem, pelo seu zeloso prior, todos edificavam pela sua ordem e compostura e devoção!…

De Aboborerira que conduzidos pelo seu digno Prior, vieram de muito longe. De Santiago de Montalegre, de Valhascos, de Cabeça das Mós, de Sentieiras, da Queixoperra, todas com os seus estandartes à frente. Todos os peregrinos vieram das suas terras, entoando cânticos ao Senhor, dando uma nota impressionante por onde passavam.

De manhã houve missa campal cantada, comunhão geral e sermão, retirando-se no final todos muito bem impressionados, havendo sempre a mais alegre confraternização entre todos.

À despedida foram impressionadas quentes palavras de fé e união pelos Reverendos Párocos, tendo sido salientada a nota de estreitamento de fiéis com os nossos venerandos prelados, para eficaz reivindicação das liberdades católicas.

Foram levantados entusiásticos vivas a Jesus Cristo, a Maria Santíssima, à Santa Igreja Católica e ao nosso prestigioso Vigário – Arcipreste desta Vila, a quem Deus conserve por muitos e dilatados anos.

Devem ter assistido 2 500 pessoas.”

(1) O Bispo Católico a que o correspondente se refere é D. Gaspar Barata de Mendonça, que foi o 1º Arcebispo da Baía e Primaz do Brasil, natural da Vila de Sardoal onde nasceu em 3 de Agosto de 1627, vindo a falecer em 11 de Dezembro de 1686, vítima de doença grave, provavelmente tuberculose.
Entre outros cargos elevados que exerceu, foi nomeado 1º Arcebispo da Baía em 16 de Novembro de 1676, pela Bula “Divina Disponente Clementis”, emanada do Papa Inocêncio XI, não tendo chegado a ir para o Brasil, por força da doença que o acometeu.
São dessa altura os seus longos períodos de vilegiatura e convalescença na zona de Arcez e Lapa, pertencente a seus familiares directos, onde em contacto pleno com a natureza dessa paisagem idílica e, ao mesmo tempo, sedativa e repousante, procurava haurir a saúde perdida.

(2) Era Pároco do Sardoal nesta época o Padre António Joaquim Silva Martins, natural de Entrevinhas, onde nasceu em 15 de Março de 1868, tendo falecido no Sardoal em 25 de Dezembro de 1943. Foi Pároco da freguesia de S. Tiago e S. Mateus do Sardoal, entre 2 de Janeiro de 1901 e 22 de Fevereiro de 1927, data em que foi transferido para a Paróquia de S. Vicente de Abrantes. Foi, por diversas vezes, Presidente da Câmara Municipal de Sardoal.