A História – O Assassinato do Rei
«Isto acaba, logicamente, no atentado pessoal» dizia toda a gente em Lisboa, no dia 28 de Janeiro de 1908. No sábado, dia 1 de Fevereiro, uma tarde morna, o rei e a família real regressaram a Lisboa, vindos de Vila Viçosa. O comboio chegou atrasado, por causa de um pequeno descarrilamento em Casa Branca. O vapor D. Luís, vindo do Barreiro, atracou às cinco da tarde em Lisboa. No Terreiro do Paço, a esperar D. Carlos, não estava muita gente. Só o governo e a corte. Da janela do Ministério do Reino, que dava para a Praça, Teixeira de Sousa avistou em baixo dois tipos suspeitos, que lhe pareceram anarquistas. João Franco passara por debaixo das arcadas em direcção ao rio. No cais, o infante D. Manuel esperava a Rainha D. Amélia, o rei e D. Luís Filipe. Depois de rápidas conversas e cumprimentos, a família real entrou na carruagem do costume. Atrás dela, noutra carruagem, seguiam os condes de Figueiró. No terceiro veículo ia o marquês de Alvito. João Franco vinha num coupé, em quarto lugar. O rei acabara de o convidar para ir ao Paço. Quando a carruagem, um pouco adiantada em relação às outras, chegou a meio do Terreiro do Paço, fazendo menção de voltar para a Rua do Arsenal, um homem saltou para o estribo e disparou dois tiros de revólver nas costas do rei. O príncipe real D. Luís Filipe, levantou-se, empunhando a sua arma, no momento em que debaixo da arcada saía um homem de capote escuro, que lhe desfechou um tiro de carabina. O homem que disparara sobre o rei e já ferira o infante D. Manuel ainda continuou por instantes dependurado da carruagem, enquanto a rainha lhe batia com um ramo de flores. A polícia, que não era muita, desatou aos tiros. O homem da carabina foi atacado à espada por um oficial e outro caçado a tiro. A carruagem real, à desfilada, entrou no Arsenal da Marinha. Eram cinco e vinte da tarde. O rei estava morto. O príncipe real agonizava. Fora também atingido por duas balas, uma no peito e outra que lhe atravessara a face, saindo pela nuca. Morria pouco depois, já dentro do Arsenal. O infante D. Manuel havia sido ferido no braço. Saltando da carruagem, João Franco veio a correr pelo Terreiro do Paço em direcção à Rua do Arsenal, onde desaparecera a carruagem real. De caminho, alguém lhe disse que o rei estava morto. Pouco depois, Júlio Vilhena, avisado, chegou também ao Arsenal. Ficou espantado por estar lá tão pouca gente. «Quem foi?», perguntou: «Rapazes do comércio», respondeu-lhe João Franco. Vilhena notou que ninguém chorava. No Paço das Necessidades, às 9 horas, o mesmo abandono e frieza se depararam a Teixeira de Sousa. Ninguém aparecia, ninguém parecia especialmente comovido. Os fidalgos, os pares do reino, os conselheiros, estavam todos enfiados em casa, a tremer de medo. A revolução parecia iminente. As lojas fecharam.
No átrio da câmara municipal havia outros três mortos: Manuel Buiça, Alfredo Costa e João Sabino. O último viera apenas deitar uma carta no correio e apanhara, por acaso, um tiro na cabeça. Os dois primeiros, eram conhecidos militantes republicanos. Buiça era o homem da carabina e Costa o assassino que se agarrara à carruagem real. Costa recebera várias cutiladas na cabeça, um tiro no braço e outro no peito. Buiça fora atingido a tiro no tórax e tinha uma ferida de sabre nas costas.
Sobre o regicídio escreveu-se muita coisa e concluiu-se pouca. Ainda hoje é moda dizer nos manuais de história que as circunstâncias da morte do rei são misteriosas.(…) Duas coisas são certas: em primeiro lugar, entre a oposição dissidente e republicana discutia-se e esperava-se a morte de D. Carlos; em segundo lugar, o assassinato do rei e do príncipe real não foi cometido por dois anarquistas isolados e mais ou menos loucos, mas por dois notórios membros de uma loja maçónica (talvez não regularizada no Grande Oriente Lusitano), envolvidos na conspiração de 28 de Janeiro e em contacto com os chefe republicanos. (…) Consideradas todas estas informações, podemos afastar piedosas mentiras e considerar que o atentado contra a família real não foi um acidente. Os assassinos cumpriram exactamente a missão de matar quem interessava matar. Franco não podia fazer outro D. Carlos, mas D. Carlos podia fazer outro João Franco.
História de Portugal – Direcção de José Matoso – Sexto Volume: A Segunda Fundação (1890 – 1926) – Autor: Dr. Rui Ramos – Edição Círculo de Leitores.
A Ficcção – 92 anos depois, D. Carlos volta ao Sardoal…
Ao contrário do que se pensou ao longo de dezenas de anos, o Rei D. Carlos não morreu no atentado de que foi vítima no dia 1 de Fevereiro de 1908. Os graves ferimentos que sofreu levaram-no a um coma profundo e portanto a gravidade da situação política recomendava que fosse declarada a sua morte e feitas solenes exéquias. Acontece que uma sociedade secreta de inspiração monárquica, que integrava alguns dos melhores cientistas portugueses da altura, tomou conta do seu corpo. Por processos ainda hoje desconhecidos conseguiu mantê-lo vivo ou, pelo menos, em condições de ser reanimado quando o avanço da ciência o permitisse e soprassem ventos mais favoráveis à restauração da Monarquia em Portugal.
Em 28 de Janeiro de 1999, um golpe militar derrubou a República e restaurou a Monarquia. O Presidente da República partiu para o exílio, em Inglaterra, sendo dissolvida a Assembleia da República e demitido o Governo. Em 31 de Janeiro tomou posse o Governo Provisório, sendo nomeado Presidente do Conselho de Ministros, D. Duarte, Duque de Bragança, que foi encarregado pelo Directório do Golpe Militar para preparar eleições gerais para uma Assembleia Constituinte, desde logo marcadas para o dia 1 de Dezembro, um dia de profundo significado para a Causa Monárquica, com vista à elaboração de uma nova Constituição para o Reino de Portugal.
A grande surpresa para o Povo Português ocorreu no dia 1 de Fevereiro quando D. Duarte, Duque de Bragança, surgiu na televisão a anunciar que o Rei D. Carlos estava vivo e no pleno uso das suas faculdades físicas e intelectuais, depois de ter sido reanimado por uma equipa médica ligada à Universidade de Coimbra, após a longa «hibernação» a que tinha estado sujeito durante 92 anos.
Esta notícia causou grande júbilo popular e D. Carlos voltou ao Palácio de Belém, assumindo, novamente, o seu papel de Rei de Portugal. Os factos subsequentes em termos de política nacional são do domínio público, pelo que não se justifica descrevê-los aqui.
Depois de durante algum tempo ter tentado tomar contacto com a nova realidade portuguesa, bem diferente da que conhecia em 1908, o Rei começou a percorrer o País de lés-a-lés, visitando os Concelhos que tinha visitado em 1907 e em 1908, até ao Regicídio, tendo a preocupação de os visitar nos mesmos dias em que o tinha feito há 92 anos.
Assim e porque tinha visitado o Sardoal no dia 22 de Junho de 1907, resolveu repetir essa visita no mesmo dia, em 1999, fazendo-o, mais uma vez, sem aviso prévio, porque apenas no fim da tarde do dia 21 foi recebido um fax, na Câmara Municipal, anunciando a Real presença de Sua Majestade, no dia seguinte, com chegada prevista para as 10 horas.
A primeira grande diferença em relação à visita de 1907, começa logo nos meios de transporte utilizados. Em 1907, Sua Majestade viajou de comboio até Abrantes, vindo para o Sardoal num automóvel que deve ter sido um dos primeiros veículos daquele tipo a circular na Vila de Sardoal.
Em 1999, o Rei D. Carlos viajou de Lisboa num helicóptero da Força Aérea Portuguesa, que aterrou no Heliporto do Quartel dos Bombeiros Municipais de Sardoal.
Em 1907 a guarda de honra foi prestada de forma simbólica pelas crianças das escolas primárias, vestidas com as suas batas brancas, e com as duas Filarmónicas então existentes na Vila, que tocaram o Hino da Carta. Subiu no ar, logo que entrou no Concelho pelo Marco, uma girândola de foguetes e morteiros, que se repetiu à sua entrada na Vila, confeccionada pelos afamados pirotécnicos de Valhascos, Galinha e Ameixoiera. Em 1999 foi recebido com uma guarda de honra prestada pelos Bombeiros Municipais, com o seu estandarte e fanfarra e pela Filarmónica União Sadoalense que tocou o Hino Nacional “A Portuguesa”, que o Rei só conheceu na sua segunda encarnação, não havendo girândolas de foguetes, porque as normas de segurança não recomendam a utilização de material de pirotecnia.
Em 1907, foi cumprimentado à chegada pelo Presidente da Câmara Municipal, na altura o Padre Silva Martins. Em 1999 coube-me a mim, Vereador Substituto do Presidente da Câmara, a honra de o receber e cumprimentar, uma vez que o Presidente da Câmara Fernando Moleirinho se encontrava em França, a acompanhar uma viagem de estudo de estudantes do Concelho, não sendo possível o seu regresso em tempo oportuno. Refiro a curiosidade de o Padre Silva Martins e eu próprio sermos naturais de Entrevinhas, uma das mais antigas aldeias do Concelho de Sardoal.
O Chefe da Casa Civil de Sua Majestade, Dr. Sousa Lara, tinha chegado ao Sardoal no dia anterior para preparar dos aspectos protocolares da visita e tinha-me prevenido sobre um problema peculiar que afectava D. Carlos e para o qual era preciso ter algum tacto e diplomacia. El-Rei, às vezes, não tinha a percepção do tempo em que vivia, comportando-se como se ainda vivesse no princípio do século, o que às vezes provocava algumas situações embaraçosas, quer para ele próprio, quer para quem o recebia. Disse-me, também, que o Rei mantinha os mesmos gostos que tinha antes do Regicídio, nomeadamente a caça, a investigação hidrográfica, a pintura e (pasme-se!) uma grande atracção por mulheres bonitas, que tantos problemas lhe causara na sua relação conjugal com a Rainha D. Amélia. Mantinha também uma invejável memória sobre os lugares em que tinha estado na outra fase da sua vida, continuando a ser um incorrigível fumador, especialmente de charutos.
Este tipo de problemas foi-me logo confirmado à sua chegada, quando me apresentou os cumprimentos de D. Amélia e do Príncipe D. Luís Filipe, cuja morte ocorrera há várias dezenas de anos, e quando me perguntou pelo Padre Silva Martins (falecido em 1943), cujos dotes oratórios elogiou, pelo Visconde do Sardoal, José de Figueiredo Pimenta de Avelar Frazão, pelo Conde de Alferrarede e pelo Sr. Abílio da Fonseca Matos e Silva, entre outras pessoas que participaram na recepção que lhe tinha sido feita em 22 de Junho de 1907.
E a sua grande memória foi-me confirmada, quando logo à sua chegada me falou da surpresa que tinha tido ao perceber, ainda do céu, o grande crescimento que a Vila tinha sofrido e as muitas estradas que saiam do Sardoal em todas as direcções. Depois, olhando à sua volta, disse-me:
— Meu caro Vereador, uma vez vim ao Sardoal, para participar numa caçada organizada pelo Visconde do Sardoal. Cacei aqui por esta zona, onde havia muitos coelhos e perdizes. Onde hoje estão estes Bairros, o campo de foot-ball, a fábrica, a Escola e o Quartel de Bombeiros, apenas existiam duas ou três casas, o resto eram sobreiros, castanheiros, oliveiras e algumas terras de lavoura. Aquele eucalipto grande que ali está já existia, com um porte considerável, apesar de bem mais pequeno que hoje. A única estrada, creio que ainda em terra batida, era a estrada para Vila de Rei, que atravessava uma aldeia, ali à frente, cujo nome já não me recordo (Andreus). Lembro-me, até, de ter entrado numa taberna, ali em baixo, para merendar. Chamavam-lhe a Taberna Seca e a dona era uma «cachopa» muito simpática e atrevida, chamada Fadina! Bons tempos!…
Depois de ter acompanhado D. Carlos numa visita ao Quartel dos Bombeiros, onde se surpreendeu com a qualidade e quantidade das viaturas e do material existente, e de uma breve passagem pelo novo Quartel da GNR (vícios de linguagem, porque a nova designação desta força de segurança era, agora, apenas Guarda Nacional), convidei Sua Majestade para me acompanhar até aos Paços do Concelho, onde iria decorrer a Sessão Solene de Boas-Vindas, que estava marcada para o meio-dia. Apesar de lhe ter colocado à disposição o carro da Presidência da Autarquia, D. Carlos, com o argumento de ter estado tantos anos imobilizado e ter necessidade de manter uma boa forma física, sugeriu-me uma deslocação a pé, que iniciámos rodeados por centenas de pessoas, autoridades civis, militares e religiosas e muitos populares que não se cansavam de aclamar o Rei, como se a República não tivesse caído há poucos meses, depois de ter vigorado durante 89 anos. El-Rei observava tudo o que o rodeava com muita atenção, como se quisesse, em poucos minutos, perceber as mudanças entre o que tinha visto em 1907 e a realidade com que se deparava 92 anos depois. As casas, a sede da Junta de Freguesia, designação que surpreendeu o Rei, porque ainda julgava existir a Junta de Paróquia, o Centro de Saúde, em relação ao qual lhe referi estar já em construção uma nova unidade para a prestação de cuidados de saúde, perto das antigas Escolas Primárias, que mesmo assim ainda não existiam em 1907, uma vez que o único edifico escolar que então existia se situava perto da Igreja da Misericórdia, na que hoje é conhecida como a Casa do Ensaio, que deixou de ser Escola em 1935.
Um pouco depois, quando passámos junto do antigo Externato Rainha Santa Isabel, El-Rei perguntou-me se ainda era ali o depósito de água que abastecia a Vila, porque ainda se recordava de ser a única construção que existia naquele local, o que me levou a explicar-lhe que de facto esse depósito ainda existia, já com pouca utilização, referindo-lhe, também, que naquele conjunto de edifícios funcionava a Biblioteca Municipal e um Núcleo Associativo, onde se sediavam a Filarmónica União Sardoalense e o Grupo Desportivo e Recreativo de Sardoal “OS LAGARTOS”. Um pouco adiante, no início da Rua 5 de Outubro, mostrei-lhe os terrenos para onde está prevista a construção do Centro Cultural de Sardoal. Como se voltasse a 1907, D. Carlos perguntou-me se não podíamos ir ao Hospital da Misericórdia, porque gostaria muito de cumprimentar os dois Facultativos, o Dr. Victor Mora e o Dr. Felicíssimo. Expliquei-lhe que o Hospital tinha deixado de funcionar em 1979, mas perante a vontade de Sua Majestade em venerar Nossa Senhora da Caridade, subimos a Escadaria do Convento, por entre os freixos seculares. Voltei a ter a confirmação da sua grande memória, quando me referiu as diferenças entre o espaço actual e o que conhecera em 1907, especialmente surpreendido com o Lar/Centro de Dia da Santa Casa da Misericórdia, por onde efectuámos uma rápida passagem e onde tive o privilégio de apresentar a El-Rei o Sr. Joaquim Alpalhão, uma das poucas pessoas vivas que, ainda criança, participou na recepção de há 92 anos.
Descemos a Rua 5 de Outubro, que em 1907 ainda não tinha esta designação (chamava-se então uma parte Rua do Vale e outra Rua Serpa Pinto, e era senão na totalidade pelo menos parcialmente em terra batida). D. Carlos voltou a referir o crescimento da Vila, uma vez que na anterior visita apenas existiam duas ou três casas até à Capela de Santa Catarina. A surpresa maior que me manifestou foi o desaparecimento do Solar do Visconde do Sardoal, tendo-lhe eu explicado que tinha sido demolido, por volta de 1960, para serem construídas as instalações da União Panificadora Sardoalense. Outras diferenças menos visíveis, mas importantes, que El-Rei não me referiu, poderiam ser detectadas ao nível da iluminação pública, das habitações e do abastecimento de água. Em 1907 a iluminação pública era reduzida, assegurada durante um período da noite por gasómetros que queimavam acetileno. As residências privadas eram iluminadas com candeeiros a petróleo e cadeias de azeite (a electricidade só chegou à Vila de Sardoal em Setembro de 1931, sendo inaugurada pelo Presidente do Conselho General Domingos Oliveira). Em 1907 apenas meia dúzia de casas tinha água ao domicílio, abastecidas a partir do depósito da Taberna Seca, sendo a generalidade dos habitantes abastecidos a partir do Chafariz da Murteira, da Fonte da Preta e da Fonte da Praça e das fontes situadas nos arredores: Fonte da Pena, Fonte Férrea, Chafariz das Três Bicas, da Fonte Velha e da Fonte Nova. O abastecimento de água ao domicílio só se generalizou, no Sardoal, em 1954, com a construção do depósito da Cerca do Convento, abastecido a partir da captação do Vale Braçal. Outra diferença substancial, igualmente pouco visível, é o sistema de comunicações com o exterior. Em 1907 apenas o telégrafo permitia uma relativamente rápida transmissão e recepção de notícias, sendo que para além de dois ou três jornais regionais, apenas aqui chegavam o “Século” e o “Diário de Notícias”, mesmo assim com dois ou três dias de atraso, não existindo nem rádio, nem televisão, nem outros formas modernas de comunicação. Quando passámos junto ao que é hoje o Café Avenida, D. Carlos perguntou-me pelo sr. Bivar Salgado, ficando eu sem saber se pelo pai ou pelo filho, cuja casa era naquele local e tinham sido figuras importantes da política local no princípio do século. Expliquei-lhe que aquela família tinha saído do Sardoal há largas dezenas de anos, não sabendo eu se tinham descendentes e onde se encontravam. Falou-me depois da Farmácia Mora (no rés-do-chão da Casa dos Arcos) e da Farmácia do Dionísio (onde é hoje a Pastelaria, na Rua Luís de Camões) e perguntou-me pelo Sr. António Tramela, que tinha o maior estabelecimento comercial do Sardoal, onde mais tarde funcionou a Casa Pombo, e pelo estabelecimento do Milheiriço, outro estabelecimento importante que funcionou no espaço adjacente às antigas bombas de gasolina.
Mas foi na ainda chamada Praça da República que o Rei manifestou a maior surpresa pela diferença que encontrava em relação a 1907. O Pelourinho foi o primeiro elemento que lhe chamou a atenção:
— Em 1907 estava aqui uma fonte e não havia, aqui, o Pelourinho! Aquela fonte que ali está junto à Capela não existia, nem aquele painel de azulejos. Pois não?
Respondi-lhe que o Pelourinho, o fontanário e o painel de azulejos alusivo a Gil Vicente, da autoria de Gabriel Constant, são todos contemporâneos, tendo sido ali colocados em 1934, quando era Presidente da Câmara o Sr. Lúcio Serras Pereira, sendo o principal impulsionador o seu irmão Dr. David Serras Pereira, que eram filhos do Sr. João dos Santos Pereira, mais conhecido pelo Sr. João d’Alvega, que em 1907 era notário no Sardoal. Disse-lhe, também, que o fontanário que estava quase no local do Pelourinho, se encontrava, agora, junto à Cadeia Velha. Quando Sua Majestade reparou na placa toponímica “Praça da República”, surpreendeu-se por não ver ali a placa que ali estava em 1907, “Praça Conselheiro João Franco”, que tinha sido seu Primeiro-Ministro durante alguns anos.
Como ainda faltava algum tempo para a Sessão Solene de Boas Vindas, D. Carlos manifestou vontade em visitar a Igreja Matriz do Sardoal. Subimos a Rua Mestre do Sardoal e logo à entrada estranhou ao ver a actual designação toponímica, porque se recordava de, em 1907, aquela ser a Rua Avelar Machado, seu amigo pessoal, e causou-lhe estranheza a designação Mestre do Sardoal, por nunca ter ouvido falar nele. Já na Matriz expliquei-lhe a alteração toponímica, perante os sete quadros do Mestre do Sardoal, identificados em 1938 pelo Dr. João Couto e a sua importância artística no contexto nacional.
À saída da Matriz, D. Carlos recordou-se ainda da farmácia de Pedro Barneto Nogueira, fronteira à sua porta lateral e surpreendeu-se, no Adro da Igreja, com a paisagem envolvente, que em 1907 era, essencialmente, constituída por oliveiras, castanheiros e sobreiros e agora predominantemente constituída por eucaliptos, surpreendendo-o, igualmente, a visão das chaminés da Central do Pego, que deste ponto de observação parecem muito próximas.
Aproximavam-se as 12 horas, a hora marcada para a Sessão Solene de Boas Vindas, no Salão Nobre dos Paços do Concelho, pelo que a comitiva se encaminhou para a Câmara Municipal.
Não deixo qualquer nota desta cerimónia porque a mesma teve uma ampla cobertura pela Comunicação Social, terminando este exercício de ficção, referindo que o almoço que se seguiu foi servido por um dos restaurantes da Vila, no espaço polivalente da Escola E.B. 2, 3 de Sardoal, enquanto que em 1907 tinha sido servido um lauto “copo de água” nos salões da Casa Grande.
Sua Majestade regressou à tarde a Lisboa, num carro da Casa Real, seguindo pela Variante à E.N.2 e entrando no IP6, no nó do Olho de Boi, excepcionalmente aberto para dar passagem à Comitiva Real.
Sardoal, 22 de Junho de 1999
Pode ler mais sobre a visita de 1907 em Sardoal com Memória.