1905 – 1910: Um exemplo de polémicas nos jornais regionais

Este é um exemplo ilustrativo das polémicas nos jornais regionais no início do século XX.

Em 2 de Janeiro de 1905 o Padre António Joaquim da Silva Martins foi empossado como Presidente da Câmara Municipal de Sardoal. O Jornal de Abrantes contou então durante alguns meses com correspondência muito crítica de um sardoalense que assinava como Zaguncho e que se referia ao recém-eleito autarca como “caritatível e administratível do Sardoal”. Esse pseudónimo foi usado entre 6 de Agosto de 1905 e 15 de Abril de 1906.

Em Janeiro de 1910 aparece um novo correspondente em cena, cujo pseudónimo era Sandeman. Era presidente da Câmara nesta data o sr. António Carvalho Tramela, e Sandeman parece ser pró-município. Logo em Fevereiro, um tal de “Zaguncho Júnior”, dito sobrinho do Zaguncho original, entra em cena, com um tom que é mais uma vez crítico para a Câmara e também para Sandeman, mantendo-se a polémica entre ambos durante alguns meses.

6 de Agosto de 1905
Correspondência – Sardoal
Benditas Almas

O caritatível e administratível do Sardoal, muito boa pessoa, despende, diz ele, os chorudos ordenados e proventos correlativos em obras de pia cristã caridade, escondendo, por modéstia a boa é pouco, a bonitíssima acção nos olhos do vulgo, como os preceitos cristãos recomendam. E tanto na sombra procede, que ainda não houve estômago contemplado a arrotar de farto.

Será por o intento da pia de caridade exercida por grosso, que ele desdenha o pagamento de ordenados em miúdo?

Vejam como é a ingratidão de um povo, ingratidão!

E os clientes por aí aclamam por ele de graça, leva couro e cabelo, sim!

Oquenãoemalhos, vai em bugalhos: chibatos, galinhas, frangos, presuntos, chouriços e até patos. Não há dúvida que há muitos patos.

Casos e Casos de Moralidade

Os senhores sabem que um cavalheiro requereu à câmara autorização para ampliar um pequeno patim de uma casa que destinava a teatro numa rua bastante larga, mas de pouco trânsito e sem prejuízo deste: que a câmara vistoriando o local deferiu o pedido, mas que depois negara a deliberação coagida por advertências do recto (vírgula) e sábio (vírgula e meia) interpretador de leses cá do bairro, o cumulativo administrador que é, por tal sinal muito boa pessoa, mesmo muito boa pessoa, negou o deferimento, dissemos com o fundamento, que outro lhe fez vir, sobretudo as leses que havia “alienação de terrenos públicos”. Mas, a mesma câmara assim tão nobremente advertida, consentindo que “algum” se apoderasse, queremos dizer, beneficiasse o município dispensando-lhe o favor de se aproveitar de uma extensa e larga faixa de terreno junto á estrada do Sardoal à Arcez, ali nos subúrbios da vila no sitio de S. Sebastião, mesmo juntinho à horta do Salvé-Rainha, consentindo mais o bem das conveniências públicas que o curso de um ribeiro, que no Inverno toma bastante água, fosse desviado com mais que presumível prejuízo da estrada para a berma desta que nem ao menos foi revestida de parede, como a prudência aconselhava. Ora os senhores sabem bem que a horta do Salvé-Rainha, é hoje do menino Vitoso, o grande promotor de melhoramentos locais do Sardoal, sabem do caso, o maior e o mais grande, sendo aliás de pequena bitola dos beneméritos que aqui tem havido desde a Patoleia até esta melhorada época de melhoramentos “melhoraríeis” das pessoas e das coisas, e de direito já lhe pertencia quando a concessão de terrenos produziu, visto haver optado, por si ou pessoas da sua família (senhorios directos) na venda do domínio útil que o Salvé Rainha fizera em Fevereiro último a uns cavalheiros desta terra, como é público e notório e por tal sinal por mais do dobro do preço que o médico Vitoso agora comprou.

Tudo isto é inocente, inocentíssimo. Nós perguntamos e perguntam os senhores, que lhes interessa investigar e saber: haverá nesta autorização camarária alienação de terreno público, e, portanto prejuízo para o município ou naquela outra, que foi negado(a do partido) é que ele salta evidente?!

Bem vemos que é um caso de moralidade que vale a pena esclarecer.

O caritatível administrador, boa pessoa, mesmo muito boa pessoa, anda aflito, coitado!… Aquela boa alma cristã, sensível a “digestos alheios” nada pena de dores. Até passou um figo passado! E sabem porquê’ Por causa da demissão do António Henriques da Silva, tudo aquilo foi pelos modos obra da leses que apanharam o Silva de ricochete com mais uns anos que a conta por saber do seu ofício e bem desempenhar a contento das corporações que serve com habilidade, lisura., prontidão e tanto assim é, que para o lugar que exercia na câmara, foi convidado e rogado. Até os senhores da câmara sabem disso.

Aí têm porque a alma administrativa anda ratada de desgosto. Até o respeitável corpo não come senão quatro vezes ao dia, é verdade que o administrador disse há meses a mais que uma pessoa, sempre há cada linguareiro!… que o Silva não convinha na câmara porque era inconveniente para certos fins convenientes, notem isto meus senhores.

2 de Agosto de 1905

Zaguncho

13 de Agosto de 1905
Correspondência – Sardoal

Na sessão de 3 do corrente o administrador do concelho, que tanto impa de independência e de legalidade, mas que apesar da azedia dos arrotos e acumulador de empregos com ofensa grave da lei, camaleão político com créditos de desertor nos partidos que diz ter servido apreciou sem competência nem autoridade para o fazer ali, o requerimento em que o contínuo escrevente Silva, pedia a demissão do seu lugar para se poupar ao vexame de lhe ser imposta, comentando a seu modo que, como é público e notório, é aventando suspeitas insidiosas ao intento dos outros e fazendo de passar por aquilo que muito boa pessoa, mesmo muito boa pessoa, como todos sabemos, até aqueles que se dizem por coisas seus correligionários, que o conhecem e respeitam de ginjeira.

Na sua legalíssima e doutíssima doutrina nem já o impunuto e ofendido em seus direitos pode queixar-se de injustos graves, e na sua sapientíssima hermenêutica quer nos seus actos públicos que até aqui tem sido perseguições, explosão de gazes arrogantes e mal cheirosos e coisinhas tão mesquinhas que só o desprezo provocam se vejam e notam, diz ele, intentos e esforços de dotar o concelho com melhoramentos locais! Isto é reles mas reinadio.

Como melhoramento local devido à sua intervenção é mais que provada ignorância, temos a remodelação das ventuzas de abastecimento de água e outras obras necessárias, que o povo admira e agradece, em que sem aplausos, sem instruções técnicas desprezando e motejando-se conselhos de profissionais, foram água abaixo, os dinheiros municipais, como todos podem verificar se quiserem. Como obra da sua pensante e falante cabeça temos a demissão do secretário da administração, a premeditada do contínuo escrevente, como o atingido poderá provar e a perseguição ao recebedor do concelho.

Caos cagarretas, ficam de banda, como as piegas de pieguices da sessão referida.

Tenha o administrador ao menos a coragem da responsabilidade dos seus actos, cujo alcance todos conhecem, como conhecido é o seu íntimo quando aprecia o dos outros.

Saiu daqui para ser aplicado num partido médico municipal Sr. Dr. Menezes de Almeida. Consta que outro hábil o virá substituir em breve, embora, aqui como facultativo municipal o Sr. Dr. Oliveira Xavier, clínico competente e ilustrado. Mas ainda por cá está o médico cirurgião Victor Mora (com quem o povo não engraça muito) apesar de ser clínico gratuito, ele é feio (sem favor) mas é boa pessoa, muito boa pessoa, isto sem reclamo aos seus méritos esmoleres e físicos.

4 de Agosto de 1905

Zaguncho

13 de Agosto de 1905
Correspondência – Sardoal

Não duvidem.

A câmara de Sardoal estranhou que alguém em palestra com um titubeante vereador censurasse um acto da administração municipal, em que, pelos modos houve piparotes na equidade e a independência de um prego.

Apreciou e estranhou o caso em sessão, lavrou a sua censura e queixou-se ao administrador do concelho, que por sua vez, intimou a presença do censurante para responder na administração. Uns queridos propósitos pela câmara!…

Com que direito, com que autoridade se praticam estas prepotências? Como seria ridícula a vaidade e a necessidade, se estes aleijões não merecessem tamanho dó!… Mas, se tão furiosa é a câmara, porque não clama a dizer da sua justiça uma população inteira, lograda, indignada contra os disparates que se têm praticado com o abastecimento de águas, feito sem método e sem ordem.

A capacidade de um arquitecto de camaradagem ignorante e ousada, não há, duvida. Peça a briosa inspecção técnica as obras executadas e os erros mais crassos, mais grosseiros, vergonhosos até, serão mais evidentes, se preciso.

Ande, não se demore.

Que força e que arrotos de verdade

Zaguncho

20 de Agosto de 1905
Correspondência – Sardoal

Não nos resta dúvida alguma no que vamos escrever, para todos lerem, sobre certos e variados empenos incógnitos de personagem que, nós ao vê-las: dissemos são sadias e escorreitas de pé e não como em pêro marmelo, parecem não terem chagas e serem boas pessoas, ter mioleira, por ter cabeça que corresponde ao vulto, de que resultem bons efeitos de utilidade social e política. Aqui é que está o engano. Não é, pois, pelo bem posto dos tipos, pela esbelta figura, pelos luzentes olhos, pelos bem frisados bigodões e bem tonsurada barba à guizo que nós o devemos taxar de boas, santas e puras almas:

Temos em primeiro lugar, de vê-las marchar para lhe vermos os empenos físicos, se têm cócegas, boa postura, se nada lhe falta para à vista nua se conhecer se possuem os requisitos de serem uns bons dândis ou manequins, vê-los proceder para ver se são boas pessoas. Resta ainda referir às manias de birras que nem aos entendidos é lícito conhecer que só se dá por elas passados tempos.

Sendo os bons requisitos, além de outros, boca dócil, língua limpa, dente pouco ferino e apurado ouvido, aconteceu muitas vezes, que encoberto por manhas os defeitos destes auxiliares, com mais facilmente se escondem outros instintos ataques biliosos, raivas, cóleras e intermitências ferozes a desilusão faz-nos muitas vezes dizer: quem não te conheça que te compre.

Daí muitas vezes emanados pelas aparências, a simples vista atribui valores altos, a figurões quando em verdade não merecem mais que o reles de um estropiado sorriso typorio.

Deixemos, pois, que o dito fica e vamos ao que importa.

Os caros leitores têm lido os jornais, tais como o Jornal de Abrantes e notícias de Lisboa? Devem ter lido com certeza, e consta-nos com bastante interesse, porque verdade, verdade, nunca os sardoalenses contaram com a sua boa fé, e seu bem estar, o seu amor próprio, e fossem tão grosseira e barbaramente ludibriados por uns politiqueiros empenados e astutos em maledicência traiçoeira que os engana para fins perseguistas refocilando-se aquilo, à custa de ingenuidade de homens bons, fartos de massas e mais massas.

Aí tendes desde 2 de Janeiro de 1905 a praticar violências, com todo o descaro, contra homem mais bem nomeados do que eles julgam, tudo porquê? Para se administrar sem pagar uma de x ao estado e receber as seguintes bagatelas:

25$000 mil réis de administrador interino (ilegal) de emolumentos etc. 22$500 de ilegal subdelegado saúde, 4$166 réis médico de partido, 22$500, mestre escola de botica, mas não sabe preparar um emplastro vesicatório, 33$333, do justo sujeito, à sua ambição, e não à tabela camarária aos que botaram lista zero, dos mesmos em chibos, galinhas, frangos, cebolas, alhos, salsa, hortelã, nabos e outros aperitivos e ainda patos, e bem patos. 45$000 réis, presumíveis, e do hospital, 3$750, soma total de quantitativo que no fim de cada mês lhe vai para a pança, 161$249 mil réis! Pasmem senhores e caros leitores! Come mais que uma fera, não duvidem dos algarismos porque estão certos, e se não esse bolboso, esse 31 de janeiracio, esse patriota que enverga o barrete vermelho para depois o deixar tombar nas vagas como desertor venha demonstrar-nos.

Aqui tende caros leitores, sem fantasia, simples exposição de factos em linguagem pura e verdadeira que não podeis desentender e julgá-la clara porque claros são os factos.

Voltando aos empenados devo dizer-vos caros leitores, que o Tareco botou fala no D. de Notícias do dia 8, a respeito das águas, mas o arrogado é tão tosco e tolo que não vale a pena mexer naquilo, fede.

A razão é esta mexendo-se de mais exala porcarias.

A verdade é que a santa cambra vai fazendo limpeza às fezes que existiam na burra e ás que agora vai desviar da viação chiada carrada de resíduos no valor de réis 1200$000, aproximado. Um pau por um olho…

No resultado óptimo, em que o Tareco falar, eu já lhe conto a água entrou no depósito assoprada por canudos, em andadura de pilecas coxo e manhoso, com tal velocidade em que em dois minutos e treze segundos produziu às pinguinhas o dilúvio de 10 litros. E ainda haverá quem morra à sede?

Zaguncho

3 de Setembro de 1905
Sardoal – Correspondência

Mais melhoramentos locais. Em homenagem à vaidade.

Já aqui contámos que o município fora beneficiado com uma bela obra junto à horta do Salvé-rainha, aliás do administrador deste concelho.

Hoje falamos doutro importante melhoramento. A briosa câmara numa das suas sessões louvou de benemérito para riba o grande, com que o caritatível administrador dotou o cidadão alfaiate Joaquim Martinho, mano da criada Joaquina, perdão, o povo de Andreus e mais lugares circunvizinhos. Com a construção de um aqueduto, cuja despesa se elevaria a uns dezoito tostões menos cinco, resultante desta boa obra patriótica aproveitamento de terreno municipal para o referido mano da mana Joaquina, de valor superior ao dispêndio, para construir muro sem… coisas?…

Só deram por ele os logrados…

E a briosa, louvando a nobre acção, não andou à altura da sua independência moralista, e mais miudezas?… Está visto, está claro.

Ele há algumas almas que parecem de ferros velhos e afinal de contas são… de estanho. Dobram como o vime…

Dissemos, mal informados que o caritatível espalhava em melhoramentos locais e em grossas esmolas caritatíveis os grossos ordenados, além de seringar por aí de graça a sabedoria a quem dela uma só vez precisa de alívio das almorreinas, como é droga gratuita anunciada, no cartaz sem o esforço da cachimónia, colhendo-se proventos em presuntos, chibos, galinhas e… patos.

A maquia dos ordenados essa é outra no estimado e mais miudezas de criatura, “nessa não caio eu”, costuma ele dizer, esperto e vivan, tido como é, sem favor, e até, muito boa, boasinha pessoa que até parece mesmo ele a esbugalhar os olhos para aqueles que, no rol da roupa suja, estão apontados por não botarem lista por ele, quando o vão procurar, como especialista, para lhe receitar uns dez réis de basilicão para algum dente ou desencravar alguma unha.

Zaguncho

17 de Setembro de 1905
Correspondência – Sardoal

Mais uma vergonha atirada às faces dos sardoalenses.

A câmara em sessão tumultuosa o secretário retirou da secretariam, munícipes postos fora da sala pelo administrador interino do concelho.

Narramos o caso humilhante e vergonhoso ocorrido na sessão de 28 de Agosto findo. A câmara reunida com todos os seus membros e com a comparência administradora ilegal e ditador de intermez com a tolerância de quem se deixa amolgar como se fosse uma bola de borracha, às 10 horas e picos, mandou anunciar aberta a praça, digo, sessão, e depois da leitura da acta anterior e mais correspondência, foi chamado o zelador para explicação àcerca da multa ao Mamede dos Santos por transgressão do art.º 3º do aditamento às posturas, e Ana Pereira, viúva, da Salgueira, por se achar incursa na pena comunicada no art.º 74 do código das posturas, por contar na câmara, pelo mesmo zelador, que os multados estavam aconselhados pelo administrador a não pagarem. Conhecendo a câmara o correcto procedimento do zelador, mas não querendo ainda assim de deixar praticar um acto de justa moralidade, isto é, reconciliar, e de procurar os verdadeiros dados, sobre a questão e serenar os animais irritados, declarou o presidente que, achando-se na sala um genro de Ana Pereira, julgava conveniente que fosse ouvido pela câmara e administrador, e depois deliberar a justiça.

A esta resposta retorquiu o administrador “a câmara não pode pedir explicações, não pode interrogar ninguém sobre multas ilegais”. O presidente ponderou que cumpria à câmara o direito de procurar esclarecer-se de todos os assuntos de interesse e direitos municipais e depois de bem informado procede com acerto, e jamais, porque nos casos sujeitos se trata de penas combinadas para ofuscar as regalias dos consumidores e da propriedade, açambarcamento de frutos na praça(melancias) que o administrador disse, em defesa do transgressor, que foram compradas para o sustento dos porcos(textual) e invasão do gado numa vinha, e portanto competia-lhe obter datas seguras para fazer justiça. Constando particularmente ao presidente por declarações do genro da Ana Pereira, note-se isto, que realmente o gado da sogra havia invadido a vinha do queixoso, e que a este assistia o direito de fazer impor a pena, chamou-o à presença da câmara para mais provar quanto era justo a imposição da multa, o administrador, batendo o punho gritando arrogante, clamou rabioso não admito que esse homem fale, não tolero que lhe peçam informações, ponha-se na rua!… isto é tudo uma pouca vergonha!…

O presidente temeroso da atitude ferina arrogante e raivosa do administrador, levanta-se desnorteado e com ele os vereadores, assim desprestigiados, ofendidos e exausterados pelo prepotente administrador e recolheram corridos da secretaria, encenando-se ali, havendo saído o secretário, ao passo que o administrador continuando a barafustar, dando-se um espectáculo como truão de feiras, rugia ameaças e punha fora da sala das sessões aos berros, os munícipes que ali tinham ido, cuidar dos seus negócios!… arre que é pouca vergonha, regougava.

Não é fácil descrever aos nossos leitores o vergonhoso escândalo: só presenciando para a exautoração moral, de quem, louvado, baixou a praticá-los e também para quem, cabalmente deixa calcar os pés os seus direitos ao seu mandato. Se não houve ali justo esforço imposto por todos os deveres, se a câmara enérgica e briosamente como lhe competia, não lavou a afronta estúpida no seu pundonor, foi porque ali não há quem tenha a honestidade de reagir, quem tenha a coragem de ocupar-se e exercer a sua missão sem indiferença, proposto por um homem prepotente mas imbecil.

O administrador do concelho calca aos pés aquelas que, ludibriadas por ele e ainda em cima escarnecido, vivem como miseráveis subjugados autómatos com negros sob chicote, quando a sua missão deverá ser de se elevarem pela incerteza pela imparcialidade e pela justiça dos seus actos públicos.

E se não há dente ele que ache, diga frente a frente: para trás néscios, para trás, astutos, para trás tartufo.

Têm medo, coitados!…E medo, só medo do seu temperamento rancoroso e vingativo tem o pobre povo, Quem o estime como homem, quem o respeite como autoridade, quem o considere como clínico não há. Medo só medo. Há, porém, quem se não cobarde com as fervesses arremessos, quem não teima as prepotências, que só assustam os ingénuos que lhes despreze os reles propósitos e manejos.

Que desgraçado é o homem que tem que abusar da sua posição social para ser atendido com fingida consideração!

O mau, se não é respeitado é temido.

A minuta da acta da sessão de 28 de Agosto, lida em sessão de 4 do corrente, não é verdadeira. Não faz referência ao facto principal ocorrido, o encerramento tumultuoso daquela sessão com motivos que lhe deram causa.

Tudo isto é edificante conforme o bombástico programa soluçado pelo presidente da câmara (2 de Janeiro) no dia da posse desta. Bom seria também que a câmara em sessão, com a assistência do arquitecto vir explicar-se, para que o povo melhor saiba como e em que gastou o milhar de um conto de réis no alvar disparate do esbanjamento, digo, do abastecimento de águas de que, por desgraça não há gotas que fartem.

Não seja só perante o resumido auditório ingénuo arrotar arte, competências e sabedorias. Quanto é difícil os homens conhecerem-se.

Zaguncho

15 de Outubro de 1905
Correspondência – Sardoal

Inteireza, independência, economia e mais miudezas da câmara.

Temos aqui mostrado quanto a câmara é inteira e justa nas suas resoluções, permitindo a uns e a outros nega, ou recusa.

Assim, depois de haver diferido a um requerimento em que lhe pedia autorização para ser ampliado um pequeno patim, numa rua desta vila, sem prejuízo do transito e que realmente não havia negou-o depois amedrontada pelo hermeneuta equivoca de sábio legista deste concelho, façanhudo administrador Victor Mora, permitindo depois, que com prejuízo evidente de uma estrada municipal, alguém se aproveitasse de uma extensa faixa de terreno junto á horta do Salvé-Rainha, aliás do sábio legista. O administrador, que não reclamou esbravejando como que urso em jaula, é porque julgou a coisa jeitosa e legal.

Numa vergonhosa sessão de Agosto último a câmara que é toda inteireza, independência e uma realidade, o arroto é livre depois da meia noite consentisse que o administrador, libioso e fero, batendo o murro sobre a mesa das sessões, berrando como truão de feira a exautorasse na presença dos munícipes, na própria sala das sessões!… E é tão inteira, independente e puritana que nem sequer protesto lavrou!… Edificante… E tão puritana, económico e bem orientada, que tem tolerado que um vaidoso ignorante e tolo, arvorando-se em atrevido “engenhocas” para aí tenha pinoteado os mais ridículos e rugosos disparates a que por irrisão ou escárnio lançado aos munícipes se pretende chamar abastecimento de água, enquanto não é mais do que um esbanjamento delas e do dinheiro do povo, mais de um conto de réis!

E tão puritana, económica e bem orientada, que, com expediente disparates resolvem em seu betumo destruir um renque de frondosos eucaliptos, que sustem o aterro e aformoseiam a estrada, tornando aprazível e pitoresca, junto à ponte de S. Sebastião, ali defronte e bem pertinho da horta do Salvé-Rainha, virgula, do administrador do concelho Victor Mora, ora, quando os munícipes do país, o Estado e todas as corporações cuidam de fazer desenvolver as plantações de árvores em largas ruas, estradas e logradouros, como essencial à salubridade pública, quando a ciência demonstra positivamente que o eucalipto plantado próximo da corrente de água não as inquina, antes até melhora as águas potáveis e enxuga os pântanos, sendo salubre a sua sombra e restante aqueles plantados e vivendo majestosos e soberbos próximo de uma ribeira nos subúrbios da vila, sem corrente no estio, convertendo-se em charcos pantanosos as estagnadas águas para que a câmara, em desafio à revolta com os bons preceitos e com a ciência, se atreve acometer o ignaro e bárbaro vandalismo, é necessário que obcecada obedeça à razão tão … surdas que, só ela conhece.

Os eucaliptos salutares, ali só poderão prejudicar com a sombra o oásis seu vizinho e com as raízes as futuras couves gigantes, produto da horticulação fantástica, horticultura de um enxofrado saloroso mestre serradura, colega da mão esquerda, da manhosa dos fogueteiros de Valhascos.

Mas a dar-se o barbarismo de serem derrotados sem alma nem consciência aquelas formosas árvores, para que nos decepados troncos não possa tropeçar alguém, papéis untuosos de unguento com eles, mesmo um pequeno pardal lhes pode lançar o fogo, decerto ainda não esqueceu a lição de mestre.

Zaguncho

Correspondência – Sardoal

Bem sabemos que é bradar no deserto, ainda que a hora do tremendo ajuste de contas está próxima. A ousadia a par da má índole, contando com a tolerância do povo que ainda as sofre enquanto não se revolta, pendurando-os nos candeeiros, como aos seus falsos defensores têm acontecido nas revoluções populares, caminhar arrogante e atrevido.

Serve-se da intragável, da calúnia impudente, pretendendo abocanhar com baba raivosa todos aqueles, que, desprezando-lhe os manejos os não temem.

É uma honra se censurado por eles, como é uma ignomínia merecer-lhes aplausos.

Para isto, para o incenso do tributo dos seus louvores é necessário ser-se manequim, sabujo e cobarde com aqueles que, sem protesto receberam humilhados e rendidos quando, no pleno uso de um direito, exerciam um mandato, que deverá ser sagrado, a mais torpe e reles das exautorações!… E é este o excesso de zelo de que se sentem animados.

Farsantes!… Tartufos!…

A seu tempo as contas mais enérgicas lhes serão exigidas, de cara a cara, lealmente, que é assim que esgrimam os que não precisam de se emboscar em congorsas e vielas sujas para ferir uma sombra. O intrigante, o caluniador é o mais cobarde e abjecto do que o assassínio que anavalha à traição a uma esquina.

A câmara, na voragem da destruição não contente de haver desperdiçado o dinheiro do povo nesse mais que vergonhoso “esbanjamento de águas” não trepida em destruir sem alma nem consciência as frondosas árvores das estradas municipais. Este excesso de zelo, pela destruição que é instado por desequilibrado “Miguel de Vasconcelos” (que todos senhores sabem o que foi) que amedronta com a sua arrogante catadura, feia, raiventa, que, como os espantalhos só deverá assustar pequenos pardais. Se a câmara, pois é sugestionada por ele, procedendo automaticamente, dando-se ao povo no burlesco e deprimente espectáculo, que ainda está na memória de todos, o da ridícula e humilhante sessão tumultuosa de Agosto último e além de outras, maior responsabilidade lhe impede, mais frisante é a sua queda moral, mais rastejam abatidos a independência e hombridade, de que tanto se ufana na sombra sem que os seus actos correspondam à sua arrogância.

Mas, se a câmara não sugestionada por um vaidoso e mau, porque não procede como o seu mando autoriza?…

Que prove o povo com os seus actos que pode e sabe fazer alguma coisa a contento do concelho. Apreciaremos as promessas dos seus pomposos programas e com elas se tem desobrigado.

Fala em manjedoura, para ele, o Pita Bezerra, coitado.

Bate o Inverno à porta e lá para Fevereiro acaba-se-lhe a palha e ainda o vazis não produz erva bastante para encher aquele bandulho e poder escrever quem lhe passar a gampa.

Pegonga, astuto, moralidade, independência, isenção e mais miudezas, ele que é um ousado acumulador de ganhas equívocas um desertor de todos os partidos pífio. Mas haja dó daquela aberração.

Ele tem coiro, bojo e dentes vorazes para mais, para muito mais.

Pobre Pita Bezerra.

Zaguncho

5 de Novembro de 1905
Correspondência – Sardoal
Meu caro colega e compadre

Acabo de chegar a esta sua de Chão de Codes, e, apesar de estar apertado com uma coisa que ninguém pode fazer por mim, quero antes, que pese aos refilões de barriga, chegar ao fim desta cartinha por que o colega já deve estar ansioso. Não é para me gabar, mas o colega não tem um correligionário mais devoto que cá o Manuel. Eu lhe conto.

Há umas três semanas fui eu à vila, e, como é costume, fui apertar os ossos ao nosso Tramela. Este nosso correligionário estava pesando bacalhau e tão bom que nem conseguiu impingir um inteiro, de quatro quilos e meio, sueco, a doze vinténs o quilo, por ser cá para o sangrador. No Racha Pregos, ou no Batista custava catorze vinténs. Comi o belo peixe toda a semana, e, no domingo seguinte, pela manhã, antes de tornar a partir para a vila, bati-me com o resto, com o competente alho que me soube que nem nozes.

Mas o que vem a ser esta história do bacalhau!… vá lendo que é muito importante, lho digo colega.

Ele era todo muito bom, mas tão salgado que o poço que tenho no quintal que o colega conhece por já ter levado de cá alguns sapitos para a cura das sezões, ia ficando seco. Tanta foi a água que meti para o tripame.

No tal domingo, porém, ao chegar à vila, pedi água ao Raposo e ao Thomaz, mas, em vez de pinga ouvi uma gargalhada e isto, “Deus o favoreça homem de Deus e deles; isso acabou-se cá na terra”.

Não percebi o alcance da léria, e para não ouvir mais enigmas, dirigi-me à Preta para ali beber água à farta, sem ficar em agradecimentos a ninguém.

Mas ao chegar à porta da Maria Cunha, notei logo que alguma coisa de anormal se passava na fonte. Estavam nada menos de 20 mulheres para encher, em grandes ralhos, e aí uns quarenta malteses para beber, vi logo que não tinha vez e que me fez exclamar meio enfurecido: “Maldito bacalhau”.

Toda a gente gritava contra a câmara, contra o colega, contra todos os nossos que tendo gasto bons contos de mil réis para dar água á farta ainda não conseguiram fazer passar a Preta de indecente mijarete, que eu vi com os meus próprios olhos . Calcule quanto sofri de ver e ouvir aquilo tudo tanto mais que eu estava convencido que as obras das águas devia ficar de arromba por o Coxo assim me ter afirmado, baseado nas leis físicas.

Tive então uma ideia genial: botar a correr por esse mundo fora em procura de remédio para aquele empeno ordinário, que tanto estava aguçando a má língua contra o colega.

Dirigi-me ao nosso colega das Sentieiras, que me recebeu optimamente, como se eu fora o grande Elias: e, de eu lhe explicar ao que ia, saiu-se-me num pranto com esta: Eu já sabia dessa história das águas e bastante me tenho admirado que o nosso colega, que por lá mande naquela tropa toda, não tenha ainda dado com a cura, ele que tanto sabe de moléstias, graças ao livro de S.Cipriano. A coisa é fácil, arranja-se uma algália apropriada, mete-se na Preta e a água vem logo, porque aquilo o mal é da bexiga da Taberna Seca. Achei engenhosa a maneira , de resolver a coisa, mas não quis regressar a Chão de Codes, sem dar uma saltada a Chão de Maçãs. O nosso afamado colega de lá, que tem curado mais maleitas que o colega endireitando espinhelas, conhece a questão, e, bem, pelos jornais e pelas cartas que do colega. Este sim, este é que deu logo com a coisa: é tão infalível é o processo por ele inventado, que nem sei o júbilo com que lhe estou a explicar.

Archimedes, Pauster, Newton, Gama, Cabral, etc. nunca fizeram tão grande descoberta como o preclaro colega de Chão de Maçãs. Ora oiça bem.

Começou por me dizer que não era coisa de gravidade, antes pelo contrário, achava facílima a resolução. Botou mão de um baralho de cartas e, deitando-as como a gente sabe, veio num instante saber que na vila há um correligionário nosso chamado Tramela, também mestre de águas, que, pela sua pequenez, se pode perfeitamente embrulhar na pele de um rato regular.

Também pela maneira assanhada com que o valete de copas lhe saltou do baralho chegou à conclusão que havia na terra um gato bravo que, com algum cuspo e jeito, pode prestar-se ao que fosse necessário.

Ora sabido isto, nada mais simples:

Desonerado o Sr. Bernardes fez grossa economia de dezoito mil réis para equilíbrio daquele pequeno dispêndio do dinheiro do povo, um conto de réis de esbanjamento de águas.

Salvou as finanças, e à moralidade, se o seu excesso de zelo o não levou a mais largas independências e santíssimos vistos, andou bem, nem outra coisa havia a esperar da sua inteireza e hombridade e mais miudezas.

Questão de acertos e assuntos.

Para aferir tesouras mesmo a olho nu, diz-se que não há como a menina Maria a não ser que dentro dos paços municipais haja quem lhe dispute o jeito e habilidade.

Ele, o Pita Bezerra, barbudo façanhudo mas sempre pãozinho., deu-nos no dia da feira o espectáculo de polícia concelhia, comicamente armado de velhas caçadeiras. Parecia aquilo uma guerrilha de opereta: Ele passava impávido, carrancudo e atras um garoto assobiava-lhe num pífaro o Rasga, o que fazia rebolar os quadris em guinadas de pagodeira.

E o povinho ria a bom rir daquele entremez.

 Zaguncho

26 de Novembro de 1905
Correspondência – Sardoal

Achado, apareceu, arrastado pelas águas, um fardo de cobertores que haviam roubado a um negociante por ocasião da feira.

Encolheu a fazenda um pouco com a enxurrada e mais dois metros para o Sr. das diligencias policiais: orçada esta despesa em 2$00 réis pela tabela administrativa. O célebre repertório “Borda de Água” que previa chuva torrencial que de um aqueduto arrastou os cobertores roubados foi o único abente-policial, encarregado da investigação busca achado, motivo que pelo excesso de zelo administrativo o fez louvar e agraciar com uma carranca nova para o frontispício, cópia fiel mas sem reclamo, de outra carantonha feia, fera, ferina e feroz.

Assim se premeia o mérito.

Perdido perdeu-se a bem da salubridade pública um cirurgião gratuito, virgula, administratável farmácio, física, belicoso, enxofrado fogueteiro serradura e mais coisas etc. e tal etc.

Embora a humanidade enferma não desdenhe a ausência, e ele lá ao largo, seja necessário para servir de petisco, com os consequentes disparates dos chás, à rapaziada escolar, pede-se a quem o achar que o remeta a esta vila em precaução porque é bravio, pela falta que faz como intérprete cómico de cenas de entremez.

Receberá alvíssaras dois metros de fazenda para cobertores.

Varino

Lei e hermenêutica administrador e cidadão Victor Mora, ex-republicano, pseudo-progressista e perseguista médico municipal, administrador do concelho, mestre de farmácia em Coimbra, e muito boa pessoa. Legislou lá por Coimbra impor a um pobre vendedor ambulante, Sebastião Joaquim, a quem haviam roubado por ocasião da feira de S.Simão um fardo de fazendas para cobertores, que o meliante ou meliantes gatunos esconderam num aqueduto, cobertores que há dias apareceram arrastados pelas águas, o pagamento de dois mil réis para deixar em casa do administrador e na ausência do administrador(pois sorrateiro estava em Coimbra no desempenho das suas funções mestre escola de farmácia, e que o tema incompatível com exercício de empregos, que é ilegal exercer) dois metros de fazenda, o vencedor humilhado e falto de recursos, para poder receber o que era seu e ir cuidar da sua vida, sujeitou-se à vexatória imposição. Quando o administrador se lembrou de voltar de Coimbra (por sinal já se esgueirou outra vez) o Sebastião Joaquim foi procurá-lo queixando-se amargamente do inique procedimento com ele havido.

O administrador, de má catadura, respondeu ao pobre homem: retire-se, ainda foi pouco o que deixou, porque mais que isso gastei eu com o sustento dos preso arguidos por você como suspeito de lhe haverem roubado o fardo de cobertores!…o pobre homem retirou-se mais vexado e humilhado e todas as pessoas que encontrava lastimou a sua triste sorte, como é do domínio público. Não descemos a fazer comentários, comentem os nossos estimados leitores se não sentirem asco.

26 de Novembro de 1905

Zaguncho

3 de Dezembro de 1905
Correspondência – Sardoal

Da ambulância administrativa do concelho, o Zangão da arrastada colmeia municipal e mais cofres públicos, disparata atigrado de despachos em requerimentos nos dias em que a folhinha coimbrã atesta a sua paisagem nas ervagens de lá, sugando o ordenado e chateando os farmacêuticos vindouros, já enfrascados de requintados chás, com a cagaretica e da marmelada de citrato de magnésio, e da célebre pomada canforada composta. Encalhado no miserável cobertor do pobre Sebastião Joaquim, para querer os canos vulneráveis flageladas de tantos embates e martírios, convalesce dos ataques sofridos noutros tempos. Que está enfermiço coitado!…dizem as pessoas que o procuram na administração e não o encontram, mas, ao mesmo passo, os rapazes de farmácia em Coimbra dizem que ele está são e vivinho., que até parece ele, e cada vez mais reinadio e burlesco na cadeira de mestre a gaguejar sandices.

Embrulhado num cobertor, está gravemente suspeito enfermo, de suspeita doença enfermiça, um médico cirurgião administrativo. Na administração do concelho e na rua Serpa Pinto aceitam-se cumprimentos de interesse pelas suspeitas melhoras do suspeito enfermo e algumas mezialmos.

O administrador do concelho e médico municipal Victor Mora, tem estado ausente? Sendo público e notório que ele durante o corrente mês, fez duas visitas furtivas ao concelho. Perguntamos à câmara se mandaram pagar-lhes o acumulativamento dos ordenados?

E, sendo assim, em que lei se funde para o fazer.

29 de Dezembro de 1905

Zaguncho

10 de Dezembro de 1905
Correspondência – Sardoal

Tunf!!! Catrapus!!! Traz!!!

Bom! Bom!

D. Miguel chegou à barra… perdão, não é esta a solfa.

Chegou e está prestes a raspar-se o cirurgião administratável, aquele de “nessa não caio eu” do carcaz, que os senhores conhecem: é conforme, se não conhecem: cá está mal o cobertor e mal os 7$500 da vermelhinha, voltou melhor, coitado. No museu de Coimbra aplicaram-lhe um destes clisteres em seu sítio e pelos jeitos abriu da vista e aliviou das almorreinas.

Apesar de viajar incógnito no hotel Bragança de Coimbra, quarto 21, a reconhecida moléstia, digo moléstia do democrata cidadão levou-o a inscrever-se nos registos sob estes nomes e alcunhas. Fuão, Fuão, Fuão, boticário de 1ª classificado em 4ª cirurgia, ubicuo de medicina ambulante, enxertado em mestre de preparados herbáceos e artes correlativas, etc, sim senhores etc, e mais coisas acrescentar-lhe.

Bisonho perfeito dava-se todavia bem com as auras do Mondego e com as comedorias, aprendia alguma coisa com os rapazes de farmácia, fazia chi-chi à porta férrea, frequentava as lojas de barbeiros, ele não tem opinião, para se orientar de modernices que vão pelo mundo, ia vivendo enfim, resignado, civilizando-se, mas saudoso dos seus barbados e couves galegas , desafrontadas já dos eucaliptos, num engano de alma ledo e cego, que os “Campos” não deixam durar muito. Mas, como não há bem que sempre dure, ao cair do crepúsculo de uma tarde fria, sentiu, coitado, um susto e a respectiva revolta intestinal, uns arrepios na espinha, espasmos, engulhos que não cheirava assim a rosas lá no 21, dizia o criado quando retirou os sacos de bagagem escolástica.

Safou-se à francesa, chegou, armou em feira, arrebanhou as massas cumulativas e está melhor coitado.

Azedam-se as comadres.

O administrador do concelho e médico municipal, tem estado ausente para o desempenho dos seus variados cargos, mas presente para se locupletar com os ordenados. Tem estado em Coimbra regendo cadeira de farmácia na Universidade, mamando por lá mais umas tetas, os negócios administrativos, serviço conjuras por tal sinal que a respectiva junta nem sequer se instalou então como pode presumir-se de tanto excesso de zelo. O povo queixa-se com sobradas razões de tanto desleixo, o que conforme é voz corrente, animou tardiamente a câmara a lastimar a sua desdita ao senhor governador civil, e diz-se que em termos azedos para o administrador. Até que a azedia fez rebentar a bexiga, já há tantos meses inchada.

Na Cabeça das Mós houve grossa pancadaria. Os feridos, por que a autoridade estava ausente, não encontraram aqui quem lhes tomasse as queixas e ordenasse o corpo delito directo. Tiveram que se ir queixar às autoridades judiciais da comarca.

O indigitado agressor, que também está ferido, não achou quem se queixar e tomasse as devidas providencias.

Tudo isto é edificante.

6 de Dezembro de 1905

Zaguncho

31 de Dezembro de 1905
Correspondência – Sardoal

Diz-se que entre a câmara e o administrador do concelho lavra grossa biliosa intriga. O administrador, sem haver alijado ainda o célebre cobertor, alijou já a carga de médico do partido, com alívio da humanidade enferma em protestos choramingas e tarecos.

De alcaide não pede a demissão nem é preciso, porque dentro em pouco ela será anunciada de foguetes de três respostas. Esse será o dia de maior expansão e contentamento, para o povo da vila, vexados de tantas arbitrariedades e prepotências que o administrador lhe tem infligido. Este funcionário, filho desta terra e descendente de uma família respeitável pelos seus actos públicos, raivosos temperamentos e ânimo vingativo, conseguiu tornar-se odiado de todos.

Há também quem tenha verdadeiro dó do desgraçado, ilactivo.

Promete, de má catadura, raivoso e feroz desmascarar um outro magnate, que, segundo diz, é ainda mais boa pessoa que ele.

Será possível?

Ao recebedor deste concelho, funcionário probo e cumpridor dos seus deveres, aliando estas qualidades as de obsequioso com os contribuintes e afável para todos, o que lhe tem conquistado bastantes simpatias, foi ordenada a sindicância, a que se está procedendo baseada em gratuitas arguições, que á evidencia revelam o intento manhoso de quem a promoveu.

Estamos convencidos que a sindicância mais confirmará os justos créditos que o recebedor goza, e mais arrastará na lama a degradação de quem, cobarde e cavilosamente, procura reunir-se de indignos processos para conseguir intentos baixos e vis.

Diz-se que há quem, conhecendo-se a índole intrigante, o animo e fortalecer na asneira, o que deu causa a vergonhosa derrocada da tropa fandanga perseguista local. O moribundo bando, antes de espernear os últimos arrancos, agachando-se no soalheiro para pública exautoração.

Na sessão da câmara:

Na sinagoga da câmara cochicham-se as deliberações como em família mal unida para que os assistentes não conheçam o rol da roupa suja do que ali se faz estendal de contrabando.

É, higiénico que o pus das mataduras não venha a supuração, mas também é bom que se saiba o que ali se diz e se faz.

Não é mistério para alguém a guerra surda que lavra entre a câmara e o administrador do concelho.

A reacção já é tardia.

27 de Dezembro de 1905

Zaguncho

28 de Janeiro de 1906
Correspondência – Sardoal

Em poucas linhas.

A câmara sempre se resolveu a dar a demissão ao médico municipal Victor Mora, que este havia pedido para inglês ver, tanto barafustou e pinoteou raivoso quando conheceu o despacho do seu requerimento.

Andou bem uma vez, ainda que tardiamente, porque a repugnante ilegalidade sancionada pela câmara, consentindo que aquele Victor Mora acumule e sugue ordenados de lugares incompatíveis com o agravante de ser professor de farmácia em Coimbra, há muito que, por decoro da corporação, se impunha como um dever de consciência pôr-lhe cobro.

Mas foi necessário que o Victor Mora médico municipal, para fins ambíguos, se resolvesse a pedir a demissão esta ainda, porém, abusiva e ilegalmente, em exercício no lugar de administrador sempre de fato no cajado e de cobertor ao ombro a caminho de Sardoal para Coimbra e vice-versa, saindo e entrando furtivo como esperto contrabandista. O estado sanitário do concelho tem melhorado desde o dia 8 do corrente e em todos os rostos se vê expressiva alegria, como se a taluda houvesse contemplado esta região. Até já chegaram as andorinhas, mensageiras, como a pomba da arca Santa, de boa nova, que não se fará esperar…então o povo, que tem vivido escravizado e acorrentado ao medo é a expressão que o algoz seu patrício, exultará expansivo e liberto.

Consta que vai ser instaurado processo judicial contra um ex-empregado imbuído da administração do concelho, que deixando-se sugestionar pacoviamente por caviloso mandatário e conselheiro, procedeu, no exercício de fumaças, de forma pesarem-lhe tremendas responsabilidades. Pago o inocente pelo pecador.

Este, que se escapuliu pela porta falsa de sofisma tolo, muito do seu feitio, mas só aliás susceptível, de iludir papalvos, irá desaforado da grande partida. Assim cumpriu, como sempre, as promessas de gratidão.

24 de Janeiro de 1906

Zaguncho

15 de Abril de 1906
Correspondência – Sardoal
Mortus EST VICTURUS IN CASCA
(Asno morto, figueira ao rabo) tradução livre.

O rabioso cidadão, em prospectiva chaufer do murchouvel, segrega por aí alguns ingénuos, que, em Santarém lhe ofereceram o lugar de administrador do concelho na actual situação política, mas que se negara a aceitá-lo por não ser compatível com o seu temperamento exercer vingança como lhe exigiam.

Coitado. Agora nem o Toreca o aceitaria de bom grado como colega.

A fanfarronada lorpa, muito dos moldes do rabioso, além de ser insidiosa mentira, revela que é maleável aquela carnadura as questões de comedorias. O rabioso é, como político, palhaçado cabriolas em todos os partidos com esgares de truão, desertado de todos, por coisas intestinais depois de lhes haver sugado guloso, os favores: como autoridade ferina, feroz, ignorante, consegui arredar de si indignados, humilhando-os e vexando-os os próprios partidários e levantar contra a malcriada e ofensiva parcialidade com que exerceu o lugar, os justos protestos, o desprezo e o ódio gerais: como o Doutor Sangrador, e, depois da morte dos bons Tavares e Batista em casos ligeiros, assistente rural ambulante e gratuito, pela graça do corvaz, à míngua de clientes que lhe aceitem a sabença por dinheiro; e faz boa figura naquele meio…

Relaciona medicina, deprime abalizados clínicos, impondo-se como celebridade na asneira, saciando e palrando como um arraial de feira esperto charlatão. Como homem, dizendo que foi bonzinho, em pequeno e hoje é muito boa pessoa etc. e tal , três assobios com o nadinha do defeito de envenenar intenções, deturpar factos, aventar intrigas.

E tudo isto sem favor.

É absolutamente falso que alguém o tivesse convidado para administrador do concelho, e, portanto, é absolutamente falso que se lhe exigisse a prática de vinganças. Vinganças torpes, prepotências indignas, só próprias de baixos caracteres, foram praticados e se pretendem exercer aqui a torto e a direito na situação política caída. Na actual só poderia haver justa desafronta injustíssimos agravos. A manápula grosseira de lapuz malcriado, se oporá à bem alçada luva de homem delicado.

Do resto, não há mais humilde e grosseiro insolente de que sentir-se vencido pela correcção de bem educado.

Assim castigam-se e, se vingam os comedidos.

Zaguncho

30 de Janeiro de 1910
Pelo Sardoal

A nossa correspondência no Jornal de Abrantes do último domingo, jornal que tão lido temos visto ser nesta vila, causou como era de esperar diversas interrogações e apreciações mais ou menos cabidas, ácidas, nutras, etc.

Não importa.

Dentro algumas pessoas que isso faziam estivemos nós mesmo, e a ajudarmos como era razoável. Satisfaçam-se se quiserem com a leitura e não se importem com o pseudónimo do escrevinhador.

Mas vamos às notícias desta semana.

Parece um facto a criação da tal sociedade de artistas desta vila, a qual está já organizando o regulamento etc. constando-nos que, já pensa em nos divertir no próximo carnaval com uma mascarada que será convenientemente ensaiada. Se assim é louvamos-lhe o seu empreendimento pois nesses dias e últimos anos tem realmente feito sentir-se a falta de quaisqueres divertimentos.

Também nos consta que pelo lado do “grupo de amadores dramáticos” nesses dias realizaria uma receita própria da época.

Há dias ficamos surpreendidos ao dirigir-nos para o talho desta vila.

Chegados ali deparámos um grande quadro encaixilhado numa soberba moldura primorosamente trabalhada de pau de pinho da terra, parece que ensebado com sebo de carneiro… Aproximámo-nos e em letras maiúsculas lemos umas qualqueres corja de asneiras que ficámos estupefactos!…

O leitor não ignorará serem as carnes fornecidas por um contrato da câmara com um qualquer fornecedor a quem ela impõe as respectivas condições, além dessas, as que o código administrativo também regula.

Ora o letreiro em questão é uma ofensa ao município, no bem entender das coisas, classificadas de uma forma digna de censuras, não podemos deixar de formular esta pergunta. Mas em que terra estamos nós?…

Então a câmara e a autoridade administrativa tolera tal vexame?…

E… como agora a ocasião se proporciona perguntamos mais: qual é o assistente ao abastecimento das rezes no matadouro municipal?…

É nos concelhos onde o há isso de competência de veterinários municipais.

Mas a lei também prevê pela sagrada segurança da saúde pública e em circunstâncias idênticas às deste concelho a forma de remediar essa falta. O que aliás não pode ser, e que se deixe abater animais ao completo abandono de pessoas, já não seja esclarecida competência.

Para os factos expostos chamamos a atenção respectiva das autoridades que têm interferido no caso.

No passado domingo houve espectáculo na barraca circo pela companhia Roberto. Tiveram uma casa à cunha e, francamente a certa altura do espectáculo tivemos mais vontade de nos safar do que estarmos a presenciar um espectáculo deveras degradante para a autoridade administrativa e cabos de polícia, pelas quais autoridades era mantida a ordem, isto quando a certa altura uma porção de espectadores, alguns de reconhecida má criação, se lembraram de fazer um chinfrim de ensurdecer, assobiando, cantando, gritando e ainda como se isso fosse pouco, saltando para o meio da arena impedindo assim muitos espectadores da superior e geral não vissem uma fita de animatógrafo!

Isto é pasmoso!

Mas o caso não ficou assim, enquanto esses audaciosos até com bastante fanfarronice que vieram da geral invadir a superior, fazendo ali mesmo nas costas das autoridades administrativas uma chinfrineira doida!

Pois não ouvimos que as autoridades fizessem a bem ou a mal entrar aquela gentinha na ordem! Isto é pasmoso não há que ver.

Mas ainda nos constou que houve mais e melhor.

Enquanto isto se passava lá dentro, cá fora brigavam os cabos, isto é o mais pasmoso, mas é o que se passou, e que pessoa idónea nos conta.

Essas desordens parece terem sido entre Júlio Calceteiro e João empregado municipal, com o cabo da polícia, Joaquim da Leopoldina e Calisto Calceteiro com Miguel Mascarenhas, tendo o Calisto desrespeitado o regedor.

Ora isto não pode ser. Não pode a bem do decoro e bom nome desta vila.

Por estes edificantes factos toda a atenção será pouca do dirigente desta vila e concelho. Onde não há respeito não há disciplina.

E até para a semana.

Sandeman

13 de Fevereiro de 1910
Pelo Sardoal

Noue Y Voici.

Nas anteriores correspondências, fizemos eco de muitos habitantes deste concelho.

Não haja dúvida, as nossas correspondências não visam pessoas, mas sim as coisas.

E, como são tantas as coisas que precisam que nos tornemos eco, representado isso do sentir dos habitantes da terra e do concelho, especialmente da sede, que não nos podemos quedar.

Assim, pois, no nosso posto iremos cumprindo esse dever.

Estamos agora na expectativa esperando as atenções das respectivas autoridades para a exposição de factos apontados naquela correspondência.

Não pode ser absemce entiér pelas coisas.

À câmara e à autoridade administrativa cumpre velar pela segurança dos munícipes e administrados.

Au Revoir

Sandeman

27 de Fevereiro de 1910
Exmº Sr. Director do Jornal de Abrantes

Ainda em nosso peito existem fundadas saudades dos tempos em que auxiliávamos, apesar da exiguidade de recursos o nosso querido tio na compostura de várias correspondências da subida do valor local que ele referenciava com o pseudónimo de Zaguncho.

Essas correspondências eram semanalmente submetidas a apreciação dos seus muitos leitores deste jornal, obtiveram sempre uma bem fundada e geral apreciação, pois que nelas nitidamente se demonstrava quão prejudicial estava sendo para este concelho, não só a forma como se gastavam os dinheiros deste município, senão também os processos fraudulentos utilizados para tal fim, iludindo-se como ainda está sendo os poderes superiores.

Desejando nós seguir a mesma orientação do nosso tio, e, esperançado na bondade de V.Ex.ª, rogando a súbita honra de fazer publicar no seu jornal se assim o merecer esta e outras correspondências, que semanalmente lhe vamos enviar, nos quais com clareza e dados positivos, informaremos não só o nosso muito apreciado compadre Sandeman e leitores, senão também e muito principalmente, tocando no ferrolho das chefias superiores para em ocasião oportuna pedirei continhas a quem lhas dar.

O nosso compadre Sandeman envolvendo na melhor boa-fé, a câmara municipal, deste concelho, que graças a Deus nos governa até ao cometa, em uma rede que… orça por 400$00 réis, donde muito mal se poderá legalmente desembrulhar, diz nesse bem burilado período das sua correspondência do Jornal de Abrantes n.º 505 de 23 de Janeiro p.p. o seguinte:

Vai brevemente a actual câmara iniciar a iluminação pública a acetileno, estando quase concluído o gasómetro que é de uma grande capacidade. Diz-se que o seu custo e respectiva tubagem para ramificação para a vila, alguns tambores de carbureto, calculado ao preço de 40 réis o quilo, para gasómetro orça por 400$00 réis.

Diz assim tão publicamente que a câmara orça 400$00 réis para despesas com a montagem de luz retylene, é obra de acamados!

A actual câmara Exmº Sr. Sandeman, nada tem, nem pode ter em tal início pois que temos firmes e valiosos dados para dizer a V.Ex.ª e prezados leitores que nenhum orçamento ordinário, ou suplementar a autoriza a dotar no todo ou em parte, esta vila com luzentes de grandes dimensões gigantescas, tal obra municipal devemos nós e você conhecer se legalmente está descrita e documentada a devida despesa, visto, que poderes para tal não lhe foram confiados, salvo se o foram à porta fechada.

Em uma das sessões da câmara, celebrada aqui em Setembro ou Outubro do ano findo, e, em certa altura, diz-se na acta que a comissão da célebre escola de tiro, compareceu a oferecer a montagem da luz a acetileno pois que era para a vila um melhoramento sem igual, que poderia considerar-se um progresso da melhoria da luz e economia. Que a construção do gasómetro era cá, por serem baratos os salários dos artistas, etc. Que a luz será distribuída, pelas ruas da vila, Praça, Rua dos Clérigos, Chafariz da murteira, Rua António Duarte Pires, Rua Simões Baião.

A câmara muito reverente agradecida a oferta que foi feita pela comissão, que a própria câmara, e diz câmara (que é a comissão) sim senhores, nós aceitamos o grande alvitre e prometemos auxiliar tanto quanto for preciso, etc., etc.

Em vista do que aqui deixamos dito tal doação de lamparinas a quem deverá caber tão genial alvitre que custará sem resultados 400$00 réis?…

A nós quer-nos parecer que a câmara honras nenhumas lhe podem pertencer “legalmente” no grosso da despesa orçada em 400$00 réis, mas sim somente na cedência real para o assentimento da rede dos canudos, da cedência da parte dos paços do concelho, para montagem dos fornos de fundição de metais, da cedência da casa para as oficinas de serralharia e latoaria e ainda o seu oficial zelador que dia e noite excogitava ta-ta-chos e cal-cal-deiras para fundir os amarelos para o grande gasómetro.

Quanto à casa para recolher o gasómetro também a câmara pouco despenderá, apenas o terreno que estava servindo de vazadouro, dos gazes.

Ainda se nos afigura que a câmara quando, recostada nas suas cadeiras, ouvia o denso exórdio que, de pé, lhe pregava o Exmº Sr.Milheiriço, vogal da comissão da escola de tiro, e também vogal da câmara, acerca do genial invento da luz de acetileno que a Exmª comissão da escola de tiro se propõe estabelecer nesta vila, como consta numa acta, sem que do cofre do município foi como não podia deixar de ser em vista do que se está sabendo iludida no que lhe afirmava, gaguejando, o seu colega vereador farmacêutico, dizendo-lhe que os patriotas subscritores para a escola de tiro haviam dado 600$00 réis mas que eles tendo em muita conta os progressos desta vila, deixariam (mesmo nos senhores da câmara) as massas todas em proveito do novo invento da iluminação, e para o que vai a comissão da escola de tiro, enviar-lhe novas circulares, revestidas de mais tocantes lamúrias, para eles que não precisam de luz, caírem nas redes dos canudos.

Porém as circulares correram mundo, sem resultados práticos, obtido apenas 100 mil réis. Ora estando o grande início orçado em 400$oo réis, como diz Sandeman e havendo apenas 100$oo réis, donde virá o resto?…

Aqui é que está o gatarrão da esparrela em que caiu a câmara que está com toda a força a dar a maminha ao grande fenómeno sem saber que contas há-de dar quando lhas pedirem.

As honras vêm mais tarde. Até para a semana.

Fevereiro de 1910

Zaguncho Júnior

P.S.

Não nos parece que seja muito honroso para as nobres tradições políticas do Sardoal, associar-se a um partido que deve ter páginas da história manchada de sangue real.

Zaguncho Júnior

6 de Março de 1910
Correspondências de Sardoal

Com bastante actividade e sob o uso e direcção do Exmº Sr. Milheiriço, vogal em exercício da comissão da escola de tiro, e também vereador da câmara municipal deste concelho, terminaram os trabalhos da abertura dos caboucos executados pelo carpinteiro Joaquim da Forneira, com os seus homens, em cujos caboucos o eminente João das Águas, munido da sua oficina ambulante, devidamente auxiliado, assentam a primor, nas principais ruas da vila, os canudos que formam a grande rede onde giram os gazes, donde o nosso Apolinário muito lesto e contente de vara em punho com o seu acendedor na ponta, puxa a tramela da portinhola do candeeiro existar os gazes acumulados até ao pipo que ele chama o assobio, donde faz ressurgir de facto a luz de boa clareza que, segundo as profecias deverá dentro em pouco, parecer-se com o que sai do rabo dos pirilampos em noites de luar.

Com porém as despesas em tal obra, são já grossas, e como tudo que diz respeito a gastos de dinheiro tem sido misterioso para os munícipes, e que sendo o proveito total da subscrição para a instalação da escola de tiro 600$00 réis quantia esta que após o toque a rebate para cada subscritor levantar a sua quota, ficou reduzida à sexta parte(100$00 réis se tanto) e com despesas feitas até à semana finda de 27 de Fevereiro, devem atingir, segundo os cálculos na língua do Rui Sénior, em cerca de 400$00 réis, cumpre-nos com toda a honestidade e para justo fim de elucidar os nossos queridos leitores, visto que a isso nos comprometemos, procurar saber de que cofre sairão as restantes massagens.

Não nos será muito difícil a tarefa, é questão de tempo, pois conhecemos um pouquinho das manobras, assaz complicadas e misteriosas, que havemos trazer á tela para o efeito de bem poderem ser arrolados à forma e processo usados pela moralíssima câmara, que a seu belo talante tem dirigido os negócios deste município há perto de seis anos!

Verdade seja, caros leitores a câmara actual é composta de algumas vergônteas saídas da sua congénere , imediatamente anterior, e como tal enfronhada em manobras “moralísticas” de lesa tranquibérnia, desviando arbitrária e ilegalmente verbas que gasta vaidosamente sem o prévio assentimento das instâncias superiores, e até mesmo o que nos parece muito ilegal e grave sem deliberações para tal, ocultando assim tudo que a sua alta moralidade ordena.

Em vista do que deixamos dito cumpre-nos aguardar a devida oportunidade para evidenciarmos o que resta dizer de tanta “moralidade” das cinco chagas do Senhor amém! O seu a seu dono, antes que esqueça temos um dever a cumprir, o qual assiste em tecer muitos rasgados encómios ao Sr. Milheiriço, dispensando-lhe as honras de um benemérito que dotou a sua terra com música e muita luz, dote este que se fazia sentir, para que todos vejam, como lhe cumpre, o que têm que ver sobre o modo e os destinos que levam as receitas municipais.

Consta que a câmara deste concelho, apresentou ao governo nos termos da portaria de 5 de Janeiro passado, pedindo-lhe o subsídio de 500$00 réis para ocorrer aos estragos causados nos caminhos vicinais e estradas a seu cargo, pelos últimos temporais.

A quantia pedida já deu entrada no cofre da câmara. Porém não haja estradas a reparar, a câmara anda em romaria pelo concelho de “Norte a Sul” a excogitar aonde gastar os tais cinco cento de mil réis, contando talvez pôr em prática os seus processos usuais.

Com imensa satisfação registamos a organização de uma sociedade recreativa, preenchendo-se assim uma lacuna há muitos anos notada nesta vila.

Apraz-nos solidez infinda e grande progresso para glórias dos dignos iniciadores, dirigentes e associados.

Até para a semana.

Março de 1910

Zaguncho Júnior

Domingo, 13 de Março de 1910
Correspondências de Sardoal

Não resta dúvida alguma, segundo temos ouvido dizer, que as nossas correspondências têm produzido em certos gaiteiros… antecipando efeitos, aqueles, que as profecias do Bandarra, hão-de resultar do anunciado cometa, temos pena, mas…

Prosseguindo no caminho encetado, cumpre-nos registar para conhecimento de todos que, nesta vila, em harmonia com o programa, foi substituída a luz do petróleo pela luz de acetileno, em que abono da verdade, é muito mais brilhante, mas de pouca vitalidade, dizem os entendidos o que é pena.

A sua ramificação gazométrica conduz gaz que alimenta durante quatro horas imperfeitas, 15 candeeiros, reservando-se ainda para mais 17 bicos que se acham convenientemente distribuídos no frontispício dos Paços do Concelho, que hão-de ser acessos em noites de gala, datas gloriosas e ainda também a seu favor, no aniversário da actual e muito moralissima câmara que Deus conserva à testa dos destinos do nosso concelho para herança de todos.

A grande obra foi inaugurada, com visível gáudio da rapaziada, ao ver também nos bons efeitos dos 17 bicos destinados a festas, vociferava, saltitando como córeas, cantilenas, arrevessadas de ensurdecer.

Prestando nós todas as honrarias do grande homem muito dilatado e entendido em óptica, o que não admira atendendo que é exímio no fabrico do unguento basalicão, e já com experiência de bom êxito do seu aparelho donde faz seguir os canudos de gaz até à sua botica, rasgando por isso e sem prévia licença da câmara a rua do vale, o que tudo assim entra na conta da muita moralidade camarária.

Não menos razão para também elogiar o Exmº Tesoureiro da comissão da escola de tiro e também digno presidente da câmara pelo seu valioso auxilio pecuniário dispensado com o adiantamento, ao pessoal e director de obras, os dinheiros que semanalmente têm sido precisos até à data de 5 de Março corrente, como cláusula expressa de receber o seu dinheiro às quinzenas e da mão do cantoneiro encarregado dos serviços, cujos dinheiros saem do cofre da câmara desviados ilegal e abusivamente sem assentimento legal e ainda sem deliberação alguma colectiva, escondendo-se assim tudo num novelão de fumo espesso já produzido pelos gazes, para que os seus munícipes nada vejam!…

Haja em vista ao capítulo VII, artigo 1º, verbas 43-44 da gerência finda.

Na nossa correspondência de domingo, fizemos constar que no cofre da câmara deste concelho, dera entrada a quantia de 500$00 réis de subsídio que fora concedido pelo governo para ocorrer aos estragos causados nos caminhos vicinais e estradas a seu cargo.

Dissemos também que a câmara saiu, no dia 28 do mês findo, em romaria à procura de estradas para reparar. Procuramos saber o resultado da procura, obtivemos que dos forasteiros fizera parte um senhor Victor que puxando e revirando os cordelheiros empregando toda a sua valiosa astúcia se propõe fazer o estado de certos ramais que teriam por terminus a porta de J. Fernandes do Mogão, computado o seu dispêndio, mesmo a olhos vistos em 33$333 1/3 réis!

A câmara pasmada e coçando as orelhas fez simples gestos e que havemos de fazer? O patrão manda o povo do norte do concelho, sabendo de lugares que do logro que se lhe prepara não hesitou em se apresentar na passada segunda-feira em que a câmara anuncia as suas sessões oficiais, sim oficiais ( porque antes daquela sessão, há sessão do conluio, em que se deliberou no sentido de grandes empresas que só servem para autorizar a prática dos tais desvios) reclamam perante a câmara os seus direitos, alegando ser crasso e verdadeiro erro de lesa administração desviar-se sem direito a subsídio de 500 mil réis, concedido pelo governo ao povo do concelho. Que se a câmara atender de preferência os vaidosos e prepotentes desejos do Sr. Mora, com a continuação do ramal ou ramais que se diz partirem dos sítios da Lobata ou Valongo, ver-se-ão obrigados a pedir a intervenção das autoridades, a quem compete defender, em todas as ocasiões, os direitos, e vontade soberana do povo, quando como esta é justa!

Nós advertimos ao povo, não se deixem iludir, fiscalizem o que lhes pertence.

Teve lugar na pretérita terça-feira a reunião de grande número de sócios da sociedade que tem por título “Clube Recreativo Sardoalense” para o efeito de se proceder à discussão e aprovação dos estatutos e regulamento interno e bem assim à eleição dos corpos gerentes, que ficaram assim constituídos:

Assembleia Geral

Dr. José Gonçalves Caroço

António Carvalho Tramela

Manuel Lopes

Conselho Fiscal

João B. Saldanha da Fonseca Serra

Padre Joaquim Tomaz

António Dias Conde

Direcção

Júlio Ferreira de Matos

Abílio da Fonseca Matos Silva

Pedro Barneto Nogueira

João Pereira de Matos

Jayme Leal

Terminado o acto eleitoral o Sr. Saldanha brindou os dignos iniciadores e a direcção eleita.

Por hoje basta, até para a semana.

Maio de 1910

Zaguncho Júnior

Pelo Sardoal

Nas últimas correspondências de Zaguncho Júnior, trata ele da luz, da muita luz que é precisa aos munícipes. Os munícipes precisam de muita luz e de muita até verem o que se passa na apregoada câmara das moralidades.

Mas, diz Zaguncho a verba por nós orçada com gastos de luz, a qual confirmamos só um formal desmentido da câmara (mas em cifrão) nos poderá convencer do contrário, não estar autorizada superiormente.

Ora nós lhe diremos não acreditar em tal, pode lá ser o Sr. Presidente homem fino de sabedoria inigualável, o homem que faz andar tudo às direitas homem de moralidade, homem que queria por força a deslocação da professora de Cardigos, consentir um desvio de dinheiros de fundos municipais, para onde todos pagam, sem a respectiva autorização?

Olhe Sr. Zaguncho não esteja em erro, olhe que o Sr. Presidente tem lá um código, em casa, o tal código (quando do caso do Dr. Tamagnini) e talvez por ele pelos seus artigos e parágrafos… moralidade, o autor a isso, mas esta já vai longa e por último lhe direi, que eles massa andam à divina, nem cheta…

Mas você sabe que o grande empreendimento é obra do vereador Milheiriço, presidente Victor. É obra das três pessoas da Santíssima Trindade.

E agora que o caso vai bicudo: os gastos são muito superiores ao petróleo, isto só com gazes a funcionarem até às 11 horas, meia noite.

Assim vão os munícipes serem mais sobrecarregados com essa despesa e com a extraordinária de terem que depois da meia noite munirem-se de lanternas se quiserem ir para suas casas. E havemos de ver em breve uma resolução da câmara em que se diga como já em tempos o fez, visto não haver verbas suspendeu por três vezes a iluminação pública, Creia que não tardará.

Mas há mais, hoje já os candeeiros pareciam como Zaguncho bem calculou uns pirilampos.

O caga lume viu-se e desejou-se, e muito mais o presidente e vereador e o influente as três da Santíssima Trindade, mas por fim forneceram os gazes ao gasómetro e lá apareceram as luzes… foi constipação, é a primeira…

Ponto por hoje…

P.S.

Tem-nos constado, os 3 da santíssima querendo fazer arranjinhos para a eleição, aos incautos lhe falaram num ramal de Sardoal à Amieira, avisando-os de que os 500$00 réis, que deram entrada nos cofres da câmara são exclusivamente destinados a reparos em caminhos públicos que as últimas chuvas danificaram, e por isso têm o direito de todos os munícipes da sede e das aldeias a reclamar perante a câmara pelo concerto dos mesmos, sendo ela estritamente obrigada a atender, sem favor, esses pedidos não tendo mais que informar-se da veracidade deles.

Sandeman

20 de Março de 1910
Sardoal

Bem vindo seja Sr. Sandeman.

Por onde tem andado?… Ah!… seu ratão que se tem deixado dormir, mesmo com o fogo à porta, sem dar acordo de si, quando mais preciso era ao Zaguncho, o seu e muito valioso auxílio de defesa dos legítimos interesses dos povos do nosso concelho. Acordou, é certo, como se depreende da sua correspondência do domingo dia 13 (em referência à nossa) e esfregando os olhos viu luz, mesmo muita luz, não é verdade?… É para que saiba como tudo marcha às ordens dos tais calões da sabença inigualável que, na sua voragem e desperdícios de dinheiro do povo nessas mais que vergonhosas obras das águas que na estação chuvosa temos de consumir transformadas de enxurros, apesar de se terem gasto, sem peso nem medida, cerca de “sete contos de réis”, sendo avultados gastos sem darem contas a ninguém, e ainda estão dispostos, ser não levar o diabo antes da vinda do cometa a muito mais e maiores disparates, visto que o povo dorme!

Os tais senhores moralistas da câmara, que, se atreveram a vociferar que os munícipes são tolos e que nada percebem de manobras, algarismos rezados nas contas da câmara, aonde não contentes com tão grave processo de lesa administração que se tem feito reflectir nas finanças municipais, e ainda de nos haverem empenhado em 2.600$00 réis (para águas turvas) como se pendura no prego um par de botas, pretendem ainda auxílio pela vasta e maléfica astúcia desse bonzinho homem, mesmo bonzinho homem, aquele que o povo chama por erro claro Dr. Victorio, se agalanem mais uma vez iludir o bondoso e pacato povo de norte a sul do concelho, para cair no logro do desvio da quantia de 500$00 réis, concedida pelo governo, para ser aplicada numa vereda que só o tal Dr. Victória poderá aproveitar, para se furtar às visitas dos seus contrabandistas, que de cajado e cobertor às costas foge à fiscalização. Como se a câmara, na pessoa do seu presidente não está curvada e manietada, como as feras têm demonstrado, as manias e vontades do seu amo e Sr. Victor porque não se procede dentro dos limites de uma boa orientação, à reparação dos caminhos vicinais do concelho, como é de vontade do povo, desse bom povo, que ainda tolera e sofre enquanto se não revolta, pendurando nos candeeiros como aos traidores tem acontecido nas guerras populares? Que farsantes! Que tartufos! A seu tempo, talvez mais cedo do que julgares; contas enérgicas lhes serão exigidas , a lealdade, pois é assim que Zanguncho Júnior lhes fala, por não carecer de vielas para se refugiar como díscolo avariado da revolta de 31 de Janeiro!

Mais uma sangria de 100$00 réis aos fundos da viação, não é verdade senhores que apesar de estopados como diz o Sr. Presidente da Câmara, os 100$00 réis sacados no dia 14 do preterido mês, apesar da câmara dizer na sua acta que são destinados aos serviços da viação, são muito categoricamente destinados às mãos do Sr. Presidente da câmara, para deduzir ou talvez saldar, os tais adiamentos que se fez para o dispêndio do grande invento da luz de acetileno, e, para que tal a verba documentada para a ilusão das repartições tutelares, mande a câmara fazer quinzenas, das tais quinzenas em 18 a etc. etc. do mês tal, dos trabalhos feitos com o ensaibramento nas estradas de Valhascos, Cabeça das Mós e coisas e tal etc. Ah! Se o povo soubesse quando pode e vale onde iria parar!

Por hoje basta… Até para a semana.

Março de 1910

Zaguncho Júnior

27 de Março de 1910
Semana Santa

A Semana Santa é a da celebração dos soleníssimos e respeitosos actos religiosos que tem por símbolo a demonstração dos grandes e penosos martírios e atrocidades praticadas por uma grande catrefa de malvados, na pessoa do homem Deus! Não é verdade caros leitores?

Como tendes retribuído tão grandes sacrifícios para se salvar às fúrias de um grande número de algozes e facínoras que o algemaram rogaram pelas ruas e por fim o matarem e penduraram pregando-o na cruz para vos resgatar e fazer cristãos.

Nada tendes feito se não pecar e de modo algum sabeis como saldar o grande débito para com Jesus Cristo, e se algum meio há, queiram esses homens que pisam a terra, que exercem e proclamam a sua doutrina, ensinaremos a mais nobre e bem orientada forma de compartilharmos na sua grande dor e de obter o perdão de Jesus Cristo pelos pecados contra eles cometidos, não é verdade?

Mas não, não são eles capazes de o fazer porque também são pecadores, como vós, e portanto bem é que todos os seres vivam na grande ilusão, pois a que nenhum homem, (salvo alguma excepção) é dado a outros nos altos segredos do Grande Autor de tão belo maquinismo. Assim vós caros leitores do concelho de Sardoal viveis também na grande ilusão, ou antes não vos importeis dos destinos e desígnios dos dinheiros que vos perturbem e que tendes confiado á voragem desse s cruéis díscolos cambra… isto é de mais um vaidoso senhor que se lhe impõe como mestre, na cura de “almorreinas” e de seu amo!

Tudo ilusões, tudo vaidade avariada, como acontece com as águas, nos dias invernosos, assim como nos dizem que avariado está o circuito do gasómetro de grandes dimensões, por ter lugares a mais, achando-se por tal motivo muito mal mesmo muito mal, os fundos da viação pelo enfraquecimento de repetidas sangrias que lhe têm sido aplicadas para o fim dos tais empenhos e adiamentos muito ilícitos?…

Nós temos as nossas obrigações e crenças, havemos mantê-las firmes e vigorosas, portanto senão amanhã quinta-feira santa, dia em que temos de envergar a nossa modesta capa preta, símbolo da Irmandade da Misericórdia, e ainda porque desejamos assistir a todos os actos solenes da Semana Santa, vamos terminar a nossa modesta capa preta, símbolo da Irmandade da Misericórdia, e ainda porque desejamos assistir a todos os actos solenes da Semana Santa, vamos terminar a nossa modesta correspondência, cumprindo-nos antes de fazer agradecer não como um folar, mas com verdadeira estima o reconhecimento ao nosso prezado Director do Jornal de Abrantes , dispensa de um cantinho do seu jornal e dos serviços do seu digno pessoal da relação para a publicação das nossas correspondências, não esquecendo neste sincero agradecimento os nossos prezados leitores pela maneira como (ao romper do sol) procuram arrancar as mãos do rapaz, o seu predilecto Jornal de Abrantes, para possuírem e mostrar aos seus familiares e fazer-lhes saber quanto vergonhosa e sem nenhum valor material, tem sido o acto de lesa administração praticados pelas moralíssimas câmaras municipais do malfadado concelho de Sardoal, desde que a memorável data de 1905 (salvo erro e omissão) até à data!

Bem sabemos que é de bradar no deserto , ainda que a hora do tremendo ajuste de contas estará talvez muito próximo.

Com as suas ilustres famílias acham-se nesta vila a passar férias os meritíssimos e Exmos. Srs. Dr. Eusébio Tamagnini, com a sua ilustre esposa, lente na universidade de Coimbra, o Sr. Dr. Anacleto da Fonseca Matos e Silva, delegado procurador Régio em Santarém, bem como os nossos queridos meninos académicos Sr. Padre Luís Andrade e Silva, João Manuel, filhos do nosso velho amigo Manuel da Silva, Manuel e David Serras Pereira, filhos do Sr. João dos Santos Pereira, Dr. Armando Serrão Mora, Acácio Prior, e, ainda os nossos amigos Manuel Pires, professor em Pedreira, Tolar e José Júlio Pereira de Matos, empregado do comércio.

A todos saudamos e abraçamos pelas suas vindas.

Até para a semana.

P.S.

Na próxima correspondência havemos de dizer qualquer coisa acerca da licença pedida à câmara pelo Sr. Dr. Victor Mora, para a colocação de uma porção de pedra, em forma de parede no sítio do Outeiro da Velha, que moralíssimo homem, Santo Deus!

Zaguncho Júnior

HOMEM ENFORCADO

Ontem 24 do corrente, andou nesta vila mendigando um homem alto, cara cheia e rapada, que vestia calça clara de cotim, e que deveria ter 40 e tal anos de idade, munido de uma corda nova de linho que deverá ter 3 metros, dizendo então altivo, esta é que me há-de matar.

Porém, hoje pela 9,5 horas da manhã correu com rapidez a notícia, do aparecimento de um homem pendurado, já morto, numa oliveira do prédio do Sr. Neves, de Vila de Rei, junto ao cemitério municipal.

As autoridades locais, parecendo-lhe não haver crime, vão mandar proceder ao enterramento do tresloucado homem que, segundo dizem é dos sítios da Sertã.

Maio de 1910

Zaguncho Júnior

3 de Abril de 1910

Semana Santa

Terminadas as festividades da semana santa com a pomposa procissão da Ressurreição, domingo de Páscoa.

É bem sabido pelos actos festivos nesta vila, muito designadamente os dias da Semana Santa, são executados com verdadeiro amor, devido é certo será ainda respeitado e mantido nobres e antigos exemplos dos homens de valimento moral e pecuniário que legaram a seus sucessores os meios e deveres de prestarem a Jesus Cristo um exigno mais solene e respeitoso tributo de reverência pelos sacrifícios e martírios que por nós sofreu.

A concorrência do povo foi numerosa e soube manter-se no respeito para com Deus, e para os seus semelhantes.

Na passada terça-feira, 8 do corrente saíra desta vila às ordens do seu amo e senhor Victor Mora, os Srs. Presidentes de câmara com mais 2 atilados vereadores (o gaguejante e outro), devidamente munidos de grandes aparelhos, de ver ao longe, seguindo a linha central desta vila até aos confins do Codes, Foz da Amieira e revirando pelos Mógãos até que recolheram a penates já faros e cansados de tantas manobras e exigências do seu amo, à procura de pontos estratégicos que mais e melhor se prestam ás manigâncias e desvio da parte de 500$00 réis que pertencem à lubrificação dos caminhos vicinais do concelho!

No trajecto, aí por alturas da Salgueira, uma voz grave, saída das profundezas do peito de um ingénuo que ainda acredita em lobisomens suplica ao capitão-mor Victor que mande fazer alto à sua tropa fandanga.

Ele todo mestre e toleirão, estaca, arregala o olho do lado direito, obriga a sua montada de fazer uma pirueta, para as traseiras, maneja com arte e valentia a inça guerreira que ainda conserva como relíquia das suas façanhas, quando escondida de trás do cofre forte da câmara municipal do Porto, por ocasião da revolta de 31 de Janeiro, e em voz forte e altiva, devido ao seu génio e feitio grita: Alto frente! Alto aqui! E, interrogado o seu interceptor obtém em resposta, em fala meio amiolada, Bossa Soria, é que o Doutor Victor ele, ainda com o olho arregalado, chupando no seu paivante diz sim, todo tal e qual, que quereis? Tendes alguma unha encravada? Não é isso Sr.Dr. , eu ouvi dizer que bossa soria tem muito balar, bisto que trás bossa soria, a sora cambra, e como a povoação da Salgueira precisa aqui neste sítio, de uma abindinha falei com a minha Maria esta noite e ela o que me disse que bossa sorria passava hoje aqui com a sua câmara raspá-los dos 500$00 réis que bieram cá pro pobo não é assim Sr.Doitor? Ele, vendo que mais um é iludido, pois que dinheiro algum pode ser desviado daquele subsídio e jamais para fazer um serviço que pertence, segundo nos dizem, as obras públicas, visto que prejudicou a servidão do povo da Salgueira, respondeu: fica descansado meu rapaz, diz cá ao teu povo que está servido! Obrigado Sr.Doitor. Que grande pândego nos saiu o homem das larachas! Tomem conta caros amigos, olhem que ele não dá ponto sem nó, e como tal é capaz de lha pregar na menina do olho, para isso só basta puxar o cordelinho em que traz manietada a sua fiel câmara.

Os nossos leitores devem ainda estar lembrados que mãos criminosas, obedecendo a ordens do seu amo, cortou à serra, de noite umas oliveiras sitas no Outeiro da Velha, pertencente ao Sr.Salgado? Foi também sabido que sobre os cortes foi mandado despejar a papelada velha de certa botica cuja papelada o mesmo mandão conseguiu que certo pardaleco derrubado fosse cair no Outeiro da Velha, foi a mandado do Sr. Victor Mora, mudado justamente para o terreno onde ainda existiam os cepos das oliveiras já chamuscadas, o Sr. Salgado com direitos hereditários chamou a contas o Sr. Victor a responder pelos abusos não só de se querer assenhorar do terreno , senão também dos cepos chamuscados e vendo-se enlameado, com terra rebadeira, gritou pela sua santa e fiel câmara que obedecendo a ordens, tomou-lhe a defesa, alegando que tal mudança do caminho havia sido por ela autorizada, visto que o terreno era baldio!

Como não podia deixar de ser o Sr. Salgado fez embrulhar aquela moralíssima gente numa questão, mas Victor sempre destro e cavilar em artimanhas, obteve safar-se prometendo à sua câmara que pagava tais despesas, correndo a questão seus devidos termos foi a câmara condenada nas custas e a repor o caminho no seu antigo leito, etc. etc. afinal a câmara teve que “arrotar” e Victor manhoso nenhum de x lhe restitui, usando um bom acto moralíssimo!

Ainda não fica por aqui a história do Outeiro da Velha, o Dr. Victor é que explora um terreno confiante com o caminho do mesmo nome e azinhaga que conduz, com aquele, à eira Salgado, Sarabando, fábrica Moagens Matos Silva, e ainda com o pátio da casa da habitação de Francisco Maria, Neves, Cunha e outros.

É certo que tal terreno nunca foi marcado existindo algumas parcelas que pertencem à via pública.

O que fez o bonzinho do Sr. Victor para tornar maior o terreno que explora e para deduzir à miséria a via pública?… Fez, ali pelo mês de Fevereiro construir uma parede de pedra seca, regularmente construída como todos veem com 1 metro de alto e 15 metros de comprimento, justamente na bifurcação dos dois caminhos de forma que, vindo do lado do pátio de S. Senhoria de Francisco Maria, Neves e Cunha e outros, seja capaz de ali voltar.

Porém, com verdadeiro pasmo, vimos no resumo da sessão da “câmara” de 7 do corrente que Victor Mora requereu licença para colocar uma porção de pedra em forma de parede na parte norte do terreno que explora, junto ao caminho do Outeiro da Velha.

Tal requerimento foi, muito tardio, e como tal caviloso, por se pedir nele autorização para execução de um serviço feito e até então enfeitado de piteiras.

Para que procedeu assim seu grande manhoso?…Ah?… Seu doutor que foi para amparar as latadas e furtar-se no alinhamento devido, tornando assim a uma reles viela, um caminho que se houvesse sardoalenses teria sido devidamente cuidada para interesse geral e realce à vila, não só este como outros, e para mais uma vez ficarmos sabendo que V.Ex.ª e seus da câmara são… são muito boas pessoas!

Criaturas assim, caros leitores, são mais perigosos do que insectos vis e perniciosos que vieram ao mundo para fazer gelar a humanidade!

Pobres parvos são aqueles que acreditam nas maledicentes e perigosas cantigas desses anfíbios que nos Têm sacrificado quando ainda nos restava de bem!…

Esta vai um pouco fora da esteira, mas esperamos que por esta vez o Sr.Director do Jornal de Abrantes nos desculpe.

Até para a semana

Março de 1910

Zaguncho Júnior

10 de Abril de 1910
Correspondência do Sardoal

Não duvidem.

Com verdadeiro orgulho, caros leitores, cumprimos o dever de saber bem longe que a nossa câmara, é senhora e autora de maravilhosos inventos, sistemas deliberativos que têm causado assombro, às suas colegas de Venda Nova, Entrevinhas e Palhota!…

Ele, cumprindo rigorosamente o seu código de… posturas, única lupar onde se rege, reúne às segundas-feiras sob a presidência do homem de estatura mediana, do seu amo Victor, que, introduzindo-se na sala das sessões, munido do seu clarinete e seu colega gaguejante com a sua rabeca entre unhas e restantes vereadores com os seus timbales produzem, nas gaitas, tais sons que obrigam os munícipes envergonhados à debandada deixando-nos assim a sós.

A câmara reúne às segundas feiras para quê?… para sabermos pelos seus resumos que deferem o requerimento do Xico, para mudar um regato, o do João para construir uma casa, o Dr. Manuel para mandar o Zé pôr o caminho no seu antigo estado, e do seu amo Victor para poder fazer arrumação de pedra em forma de parede, a fim de lhe permitir ampliar à sementeira das batatas!

No seu resumo de 14 do mês findo lá vem coisa parecida a que antecede, o que tudo assim serve para iludir, com a tal música, o Zé pagante que não sabe ler salvo honrosas excepções para desviar verbas que deviam ser aplicadas em obras úteis tais como o empedramento do ramal dos Valhascos, etc.

Ainda no resumo acima referido se nota que foi deliberado o concerto das caçadas estragadas, com assento como o da luz e acetileno, quando é certo e sabido que tal estrago era necessário, se ao Zimbório do senhor gaguejante e comp. não subisse a ideia do grande invento de ser inutilizada em parte da modesta luz do petróleo para ser substituída também em parte , pela luz de acetileno que, apenas 15 bicos custaram ao município acerca de 15$00 réis, cuja quantia bem administrada, faria novas calçadas e uma boa reparação nas velhas, facultando-nos maravilhoso trânsito e evitando que, mesmo com luz de petróleo, déssemos os nossos trambolhões, visto que a calçada em toda a vila, estão em estado desagradável.

No supra dito resumo também se lê que vai ser adquirida canalização para conduzir as águas às portas para os contadores. Uma inocente interrogação? Onde foram empregados os canos requisitados pela câmara pelo mês de Outubro do ano passado, destinados segundo rezava a respectiva deliberação, sobre o mesmo fim que custaram os 100$00 réis, que ainda restavam de uns célebres 2.500$00 réis.

Se esses catões nos respondessem davamos-lhe um doce!

Partiram para Coimbra os Exmos. Srs. Dr. Eusébio Tamagnini, Dr. Armando Serrão Mora, Padre Luis Andrade e Silva, Manuel Serras Pereira e David Serras Pereira, Álvaro, João e Manuel Andrade e Silva.

Retiraram também o Exmo. Sr. Dr. Anacleto Matos Silva para Santarém, António Augusto de Campos para Penacova, Manuel Pires para Pedreira (Tomar), João José Pereira de Matos para o Porto, António Pereira de Matos para Lisboa e para Portalegre António Lopes. A todos muita saudade e prosperidades.

Abril de 1910

Zaguncho Júnior

17 de Abril de 1910
Correspondências de Sardoal

Recordam-se os nossos leitores do que escrevemos na nossa primeira e seguintes correspondências acerca dos processos usados por esta câmara, para executar os serviços que até hoje ainda não classificou de nenhum valor.

Foi justamente nessa primeira correspondência que evidenciamos quanto está mal administrado os dinheiros do município que devia ser aplicado em obras úteis, tais como reparação e conservação das estradas municipais de Valongo, Cabeça das Mós e dos Valhascos.

Bem sabemos que é de bradar no deserto, embora a honra do tremendo ajuste de contas esteja próximo, mas cumprindo a nossa exígua mas leal missão, registamos aqui o nosso processo para que bem longe se saiba que no passado se gastou 500$00 réis com um gasómetro que fornece 3 horas de luz a 17 bicos, mas temos uns caminhos e estradas em deplorável estado!…

Foi submetido à aprovação superior o orçamento suplementar ao ordinário corrente, balanceado em 500$00 réis destinados à reparação dos caminhos vicinais como já é de conhecimento público do concelho.

Realizou-se no pretérito domingo a festividade ao Senhor dos Remédios com bastante brilho e concorrência de forasteiros vindos de bastante longe.

O fogo feito pelo pirotécnico José Lourenço Galinha, dos Valhascos, agradou bastante com a especialidade de foguetes a cores.

Por último quando todos se retiravam para suas casas, o Sr. Administrador do concelho tocou a rebate no costado do Bentinho sacristão da freguesia, mandando-o em seguida para a cadeia a fim de ali orar por todos santos e santas da corte do Cél.

Abril de 1910

Zaguncho Júnior