A Extremadura Portugueza – Sardoal

Por alguns apontamentos de grande curiosidade, transcrevemos desta vez o capítulo que Alberto Pimentel dedica ao Sardoal no seu estudo “A Extremadura Portugueza – O Ribatejo”, publicado em 1908.

Estas fotografias do início do século XX estão pouco divulgadas e julgamos que são, se não todas, pelo menos uma grande parte da autoria do senhor Francisco Dionísio.

A transcrição segue a ortografia da época. Não foram corrigidos erros ortográficos ou históricos.

PORTUGAL PITTORESCO E ILLUSTRADO
A EXTREMADURA PORTUGUEZA
POR
ALBERTO PIMENTEL
PRIMEIRA PARTE
O RIBATEJO

Capa do livro

Sardoal

Esta povoação foi elevada á categoria de villa por mercê de D. João V.
É cabeça do concelho do seu nome no districto administrativo de Santarem.
O concelho, com uma população de 5.816 habitantes, compõe-se de duas freguezias: Sardoal, (oragos Santiago e S. Matheus) com 4.761 almas, e Alcaravella (Santa Clara) com 1.055.
A villa está assente em terreno pouco accidentado, seis kilometros ao norte da margem direita do Tejo, e na margem direita da ribeira do Sardoal.
O aspecto da povoação é gracioso e alegre. As suas casas, muito brancas, rutilam á luz do sol «como um sonho de noivado», segundo a expressão feliz do dr. Cunha Bellem.
O Sardoal fica a nornórdeste de Abrantes, na distancia de onze kilometros.
Do castello d’esta ultima villa avista-se o Sardoal em tal posição que, nos dias claros, a luz do sol a mette em foco.

Sardoal visto da Lage

Pelo que os abrantinos costumam dizer ironicamente: — Lá estão os lagartos ao sol.
No plano superior da povoação ergue-se a igreja parochial com a sua fachada singela, a sua torre quadrangular, de cúpula esguia, e o seu airoso adro sombreado de arvores.
Tem o Sardoal varias ruas, que se denominam — de Serpa Pinto, Avellar Machado, Simões Baião, Geraldo Costa, Vasco Homem, e do Salgado.
Na rua Serpa Pinto, que a nossa estampa representa, alinham-se algumas casas de bom e até nobre aspecto.
Ha uma praça, que se intitula — do Conselheiro João Franco.
A camara municipal de 1879, tomando a peito o abastecimento de agua potavel, fez acquisição de um manancial, que foi canalisado para a villa na distancia de três kilometros.

Rua Serpa Pinto

E, para facilitar o consumo publico, mandou collocar alguns marcos fontenarios nos logares mais centraes da povoação, sendo um d’estes a praça.
Antigamente o Sardoal era commenda da ordem de Christo, pertencente á casa de Cadaval.
Diz o Padre Carvalho, na Corografia, que esta villa tinha muita nobreza, e uma collegiada na igreja parochial.
A collegiada, extincta ha seculo e meio, compunha-se de coadjuctor, thesoureiro, e quatro beneficiados.
O hospital de Santo Antonio passou, depois da extincção das ordens religiosas, para o edifício que foi convento dos frades menores da província da Soledade.
Dois sacerdotes, o conego Francisco Manuel de Mendonça e o padre Gregorio Pereira Tavares, beneficiaram largamente este hospital.
O primeiro, sendo provedor, comprou a cerca dos frades, e doou-a á Misericordia.
A santa casa do Sardoal foi fundada no seculo XIV e confirmada em 1554 pelo papa Innocencio VI, com o titulo de confrades de Santa Maria do Hospital.
Rege-se actualmente por um estatuto approvado pelo governador civil de Santarem em alvará de 14 de abril 1875.
A sua receita annual pouco se eleva acima de 1:000$000 reis.
Soccorre os doentes no hospital e nos domicilios; e tem banco para curativo.
A igreja da Misericordia merece especial referencia pelo seu aspecto antigo e o seu portal de volta redonda, para o qual se sobe por dez degraus de cantaria.

Nascente das aguas ferreas

Ha no Sardoal uma abundante nascente de aguas mineralisadas pelo carbonato de ferro. O sitio da nascente é muito pittoresco.
A agua vem conduzida para um chafariz de construcção elegante, e ahi corre livremente.
A «ponte velha do chafariz», com os seus dois arcos engrinaldados de parietárias, também é logar muito aprazivel.

Chafariz das aguas ferreas

Pinho Leal fala de minas de chumbo, ferro, cobre e prata no concelho do Sardoal.
Effectivamente, ha em S. Domingos minas em exploração, sendo a principal a do «Pôço de Santo Antonio», cujo manifestante foi José de Almeida Rocha.
Possua a villa duas escolas para um e outro sexo. Apenas a do masculino funcciona em casa própria. Mas já em maio de 1904 se procedeu á escolha e medição de terreno para um edificio commum a ambas as escolas.
Tem duas philarmonicas, ali denominadas — do Carapau e dos Ciganos.
Falta ainda theatro e club.
A villa não estacionou em melhoramentos materiaes: desde 1880 até hoje teem sido construidos cerca de quinze predios, dois dos quaes são importantes.
Uma das festas mais concorridas e apparatosas do Sardoal é a do bodo do Espirito Santa. Dura três dias.
Faz-se uma procissão, como em Thomar, sendo as fogaças conduzidas á cabeça pelas raparigas da terra, vestidas de branco.
A villa engalana-se por esta occasião, estando as ruas do transito ornamentadas com bandeiras que pendem de cordas suspensas entre dois mastros.

O Bodo no Sardoal

Relativamente a julho de 1906 o programma dos festejos dizia assim:
Dia 8 apresentação do gado pelas ruas da villa.
Dia 9 matança do gado pelas 6 horas da manhã, sendo em seguida distribuidas as miudezas aos pobres que se apresentarem. De tarde começa a distribuição de rações aos mordomos de fora.
Dia 10, distribuição das rações aos mordomos da villa, sendo a distribuição feita por 4 raparigas que vistosamente se apresentarão trajando todas de branco.
Alem das rações de carne aos mordomos, teem mais estes vinho e pão bento.
Dia 11, conducção do pão de differentes casas para a igreja do Divino Espirito Santo pelas raparigas d’esta villa e aldeias circumvizinhas. Ao anoitecer procissão, sendo conduzida a imagem do Divino Espirito Santo para a igreja matriz.
Dia 12, festa de igreja e procissão, percorrendo as principaes ruas da villa, e bodo geral, constando d’um pão a todas as pessoas que se apresentarem a recebelo. Alem d’esta parte obrigatoria dos festejos, havera mais, tanto no dia 11, como no dia 12, arraiaes muito concorridos e diversas danças populares.
Toma parte em todos estes festejos a velha Sociedade Fraternidade Sardoalense.
A tradição do Bodo aviventa-se de anno para anno, ao passo que a romaria do Senhor dos Remédios tende a decahir.
Ultimamente faz se também com grande pompa a festividade do Coração de Jesus, devoção, aliás, muito generalisada na provincia da Extremadura.
As mulheres do Sardoal usam saia curta, debruada em diversos gostos, casaco justo, com enfeites, e lenço; os homens, jaqueta á campina, calça de bocca de sino, cinta, e sapatos de couro, brochados.
As danças populares são os bailes de roda, a polka e o fandango.
Os povos do Sardoal parece terem uma tradição de alegria folgazã entre os outros do Ribatejo. Pelo menos a tinham no século XVI, como se reconhece por mais de uma passagem de Gil Vicente.

Igreja da Misericordia

Na tragicomedia pastoril da Serra da Estrella:

Serra — Sois vós de Castella, manos,
Ou lá de baixo do extremo?
Jorge — Agora nos faria o demo
A nós outros castelhanos:
Queria antes ser lagarto,
Pelos santos evangelhos.
Serra — Donde sois? Jorge — Do Sardoal;
E ou bebê-la, ou vertê-la,
Vimos cá desafiar
A toda a Serra d’Estrella
A cantar e a bailar.

Na farça do Juiz da Beira o bailador alardea os seus méritos profissionaes alegando que já bailou em Santarém perante a corte, e também no Sardoal por ser, ao que parece, povoação de entendidos:

E bailei no Sardoal,
E de contino me vem
Bailar sem haver alguém
Que me ganhe em Portugal.

A villa podia estar mais florescente se passasse pelo centro d’ella a estrada districtal de Castello Branco ou se a linha da Beira Baixa se lhe avizinhasse.
O concelho do Sardoal recolhe vinho, trigo, centeio e milho.
Comtudo a sua principal riqueza agricola consiste em azeite, cuja producção anual está avaliada em trinta e cinco mil decalitros.
Ha feira de anno a 28 de outubro, e mercado no segundo domingo de cada mez.
O facto da freguezia do Sardoal ter dois oragos, Santiago e S. Matheus, procede de lhe haver sido annexada a antiga parochia d’esta ultima invocação.

Hospital de Todos os Santos

Em 1866 foi agraciado com o titulo de visconde do Sardoal o sr. José de Figueiredo Frazão, titulo renovado na pessoa de seu filho em 1878.
No Sardoal nasceu o Padre António de Carvalho de Parada, que compoz varias obras, entre ellas uma Arte de reinar, dedicada a el-rei D. João IV.

Praça Conselheiro João Franco

Santa Clara de Alcaravella, a outra freguezia de que se compõe o concelho, dista da villa do Sardoal 5 kilometros para nordéste. Está situada junto de uma ribeira que é affluente do Tejo. Recolhe centeio, azeite, e algum trigo, pouco. Tem uma escola parochial para o sexo masculino.
O concelho do Sardoal faz parte da comarca de Abrantes e da diocese de Portalegre.