A saudosa Doutora Maria Judite Celeste Serrão de Oliveira Andrade, Directora do antigo Externato Rainha Santa Isabel, de Sardoal e minha Professora de História e de outras disciplinas durante cinco anos, quando se lhe pedia uma definição de “História”, costumava usar uma expressão engraçada e curiosa que ainda recordo passados quase quarenta anos, e que era a seguinte: “A História é uma sucessão sucessiva de sucessos que se sucedem sucessivamente sem cessar”.
Há também quem diga que a História não se repete, o que não invalida que seja verdade que da História se podem colher lições importantes para que determinados acontecimentos não se repitam ou que, pelo menos, não se cometam os mesmos erros.
Vem isto a propósito do período pré-eleitoral que vivemos, na preparação das Eleições Autárquicas que se vão realizar no próximo dia 16 de Dezembro, mas o que vou transcrever é uma correspondência emanada do Sardoal e publicada no “JORNAL DE ABRANTES”, em 23 de Outubro de 1904, com o título “O Sardoal navega às cegas”, onde se definia um conjunto de regras que ao seu autor, que escrevia sob o pseudónimo “Um Sardoalense”, deviam definir as condições para a escolha dos homens públicos.
Para mim, noventa e sete anos depois, aquela correspondência está perfeitamente actual e deve ser objecto de reflexão por parte de todos os que se interessam pelos problemas da sua terra, nomeadamente no que respeita à escolha de individualidades para o desempenho de cargos públicos, sejam eles de natureza autárquica, associativa ou outra.
Então, escrevia assim o referido Sardoalense:
“A mais nobre regalia de um homem de bem-sustento dos povos e das nações, é a fidelidade ao dever. E quando se está revestido de autoridade, corromper ou sofismar os nossos deveres é uma profanação, é um sacrilégio. Há momentos em que o dever parece confundir-se com o interesse. Mas essa ideia é sobremaneira grosseira e não pode basear-se em actos dignos. Daqui resulta:
1.º – Devem estar à testa dos negócios públicos cidadãos de reconhecida dignidade e moralidade;
2.º – Os lugares de eleição não são hereditários, nem se conquistam por assalto;
3.º – Devem expulsar-se dos lugares públicos os enfatuados, que à força de se engrandecerem, caem no ridículo;
4.º – Aceitar a camaradagem de pedantes ou imbecis, cooperar com eles, é pertencer ao seu número;
5.º – Os favores recebidos não podem abafar a voz do dever, o grito da consciência, base do bem-estar social;
6.º – O bem de um povo não pode depender de caprichos e inconstâncias daqueles que o dirigem.
Um Sardoalense”
No primeiro domingo de Novembro de 1904 realizavam-se eleições para a Câmara e os reflexos do acto eleitoral aparecem no “JORNAL DE ABRANTES” de 13 do mesmo mês, que se refere às eleições no Sardoal, com um excelente e curioso naco de prosa, de que, por ser bastante extenso, apenas transcrevo um pequeno extracto [nota: ver este texto completo e mais informação sobre as eleições de 1904 em Sardoal com Memória]:
“Não foi só em Abrantes que a eleição tomou um carácter pessoal, tornando-se luta violenta entre os contendores. Em Sardoal aconteceu outro tanto. Aqui, porém, sem programa próprio, sem promessas de escola secundária, de luz eléctrica, de reformas de calçada que bem precisas seriam e até sem reforma do talho, que, afinal, está a pedir asseio, etc. etc. Portanto as baterias assentaram contra este cavalheiro.
Isto de dizer que venceram os progressistas, é história. Eles sabem lá o que sejam progressistas ou regeneradores! O que querem é pagar menos. Isto a maioria. A minoria, o que pretende é ver-se livre do grupo Salgado. Conjugados e aproveitadinhos estes desejos, não foi difícil a vitória, conquanto exigisse muita propaganda. (…)”
Nesse tempo pontificavam na política nacional homens como João Franco e Hintze Ribeiro e, em termos locais, Bivar Salgado, Dr. Víctor Mora, João Saldanha, Padre Silva Martins, Francisco Augusto Simões, entre outros. Para além do Partido Progressista e do Partido Regenerador, começava a ganhar força o Partido Republicano, que chegou a ganhar eleições no Sardoal, antes da implantação da República, em 1910.
Sardoal, 26 de Outubro de 2001