O Dr. Gustavo de Matos Sequeira (1880-1962) cadastrou minuciosamente o património do distrito de Santarém no “Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Santarém”, numa edição da Academia Nacional de Belas Artes de 1949. O concelho de Sardoal está representado com um sucinto mas completo e interessante inventário do seu principal património artístico. Pelo seu valor histórico, e com a devida vénia, o conteúdo respeitante ao concelho de Sardoal encontra-se integralmente coligido nesta página, incluindo as fotografias e ilustrações que o acompanham.
(Nota: para algumas correcções a este inventário, consultar a revista “Zahara”, editada pela Associação “Palha de Abrantes” – N.º 6 – Novembro 2005.)
O Jornal de Abrantes de 11 de Junho de 1939 noticiou que o Dr. Gustavo de Matos Sequeira esteve no Sardoal por esses dias, de que recolhemos também o lisonjeador artigo que então escreveu para o jornal “O Século”:
Dr. Gustavo de Matos Sequeira, que, como noticiámos, esteve há dias entre nós em missão de organizar o inventário artístico nacional na área da província do Ribatejo, visitou o Sardoal, dessa visita colheu o ilustre arqueólogo a boa impressão que lhe surgiu a interessante crónica que, com a devida vénia, transcrevemos do jornal “SÉCULO”, do dia 5 do corrente.
Ao fazermos esta transcrição queremos consignar o prazer que sentimos com tão agradável referência á florescente vila nossa vizinha.
É que no Sardoal aqui temos dito e nunca é demais repetir, é das terras mais progressivas do distrito de Santarém, onde a ideia nacionalista foi posta ao serviço da grei com o mais elevado sentido patriótico, sem atropelos, perseguições nem vexames e onde impera apenas o espírito de bem servir com honestidade e lealdade.
Jornal “SÉCULO” – O Custo da Vida
Quis o acaso que nos deparasse em comprida viagem, agora começada por terras estremenhas, uma novidade e uma surpresa que não devem passar sem comentário de “Louvor”.
Essa novidade e essa surpresa deu-no-la o Sardoal, vila ridente e acolhedora fresca e cheirosa como um ramalhete de goivos, aninhada entre formaturas de oliveiras e maciços pinhais, num cômoro que lhe serve de alegrete.
Raras vezes se topa povoado tão limpo e tão composto, tão risonho e tão atraente por terrenos arredios fora de grandes vias de ligações.
O Sardoal é um sorriso, porém, apesar de sobrecarregado de paisagem envolvente.
Casas exemplarmente caiadas, beirais vermelhos, tudo pintado, alinhados, concertado e maravilha de cor e de graça, flores por toda a parte, dos poiais bordando as ruazinhas em canteiros, dos muros, dos quintais, das grades das sacadas, das varandas e dos terraços, podendo os peitoris das janelas, nas soleiras das portas, em alpendres, trepando, rastejando, espreitando, aqui debruçando, além fazendo negaças, sardinheiras, rosas, malvas, anémonas, maravilhas, malmequeres, surgem numa pirotécnica estranha.
As casas do Sardoal desentranham-se em flores… Há um jardim em cada janela, um alegrete em cada recanto… Velhos e modernos azulejos ajudam a compor os cenários floridos, a enquadrar as fontes, a arruinar as fachadas.
Ama-se verdadeiramente a flor nesta vilazinha estremenha. Ricos, pobres e remediados lutam à compita no ornamentar das casas… e porquê?… esta batalha de flores?… vão ver como é simples a causa, como é altamente civilizadora a razão ordinária do prélio florido que enriquece uma povoação e a faz diferente de todas as outras e mais belas que todas mais.
É que a Câmara do Sardoal resolveu há tempo constituir uma série de prémios e em vez de esmolas que podem humilhar, dá brindes a quem ornamentar melhor as janelas e quem mais opulentamente as souber florir.
Toda a pobreza concorre e, para a estimular, os remediados e os abastados acompanham-na.
Todos os anos, quinhentos escudos são destinados para prémios, e por tão escassa quantia os edis do Sardoal conseguem enriquecer, civilizar e tornar simplesmente bela a simpática vila.
Honra e louvor À Câmara do Sardoal… Pois não será interessante que as cidades (e porque não Lisboa) aprendessem neste exemplo… Aqui fica a ideia.
Deitem-na fora se não gostarem, mas o que lhe afirmamos é que jamais vimos conseguindo tanto com tão pouco dinheiro.
Matos Sequeira
ACADEMIA NACIONAL DE BELAS ARTES
INVENTÁRIO ARTÍSTICO DE PORTUGAL
DISTRITO DE SANTARÉM
POR
GUSTAVO DE MATOS SEQUEIRA
III
LISBOA
1949
17) CONCELHO DE SARDOAL
FREGUESIAS:
SARDOAL
Antiga povoação de que eram donatários os duques em 1532, tendo tido foral, dado em 1313, pela rainha Santa Isabel. Assenta numa baixa entre campos férteis, ricos de olivedos, e o seu aspecto dá-lhe a categoria de uma das mais bonitas terras da região. Por uma feliz disposição municipal que concede prémios anuais aos que caiarem e florirem as suas casas, a vila oferece um espectáculo risonho e florido aos seus visitantes sobre o espectáctulo das suas apreciáveis belezas monumentais.
Igreja Paroquial de S. Tiago e S. Mateus
Edifício quinhentista, modificado por sucessivas restaurações. Portal formado por dois delicados colunelos capitelizados, onde a ornamentação vegetal se associa a dois rostos humanos, um masculino e outro feminino, o primeiro com a fronte coroada. Rosácea, de estilo flamejante, apertada num colunelo, e, entre este e a ponta de lança do portal, janelão moderno de tipo profano. O templo tem mais duas portas laterais, de arco de ponta e de lavor simples. A torre foi acrescentada no século XVII, obliterando a empena de bico da fachada.
Interiormente possui três naves, com arcos de volta redonda, em cinco tramos. O coro ocupa o tramo junto à porta de entrada. Tectos de madeira de três planos, no corpo do templo, onde há quatro altares de pedra da Batalha, do fim do século XVI. O primeiro deles, do lado do Evangelho, foi modificado para Capela funda, dedicada ao Coração de Jesus. Os dois altares colaterais têm retábulos de pedraria, e a capela-mor ostenta um rico retábulo de talha, de seiscentos, formado por colunas salomónicas, e reveste-se de azulejos (pintura a azul sobre esmalte branco). Dois quadros cerâmicos – S. Tiago aos Moiros e a Aparição da Virgem aos Cavaleiros de S. Tiago – ocupam as paredes laterais. Estão datados de 1701, e são de feitura holandesa, ou influenciados por obras cerâmicas neerlandesas. A face do arco-mestre está igualmente forrada de azulejos, mas estes são do tipo «padrão», azuis e brancos, do fim do século XVII ou princípios do XVIII. Ao alto está um Crucificado, entre S. José e a Virgem, sobre uma mísula, esculturas de pedra do fim do quinhentismo, e em outras duas mísulas que ladeiam o arco, vê-se uma Piedade, escultura de pedra quatrocentista, belo exemplar, pintado e estofado posteriormente, medindo 0m,700 de alto, e um Santo António, de madeira.
Os retábulos das capelas do cruzeiro, lavrados em pedra da batalha, são de imitação tardia da Renascença.
O tecto é de abóboda de berço, pintado modernamente.
Num nicho sobre o arco de uma capela do lado do Evangelho, há outra escultura de pedra, quinhentista, figurando a Virgem.
No pavimento do templo, há várias campas brasonadas, com os relevos muito gastos.
Numa das modernizações deste templo, os fustes e capitéis das colunas das naves, foram encascados em estuques pintados.
A pia de água benta, quinhentista, gomeada no bordo inferior, e guarnecida de botões na cinta superior do cális, é de feição original.
As mais belas peças desta igreja são, porém, as tábuas que constituíam, talvez, o primitivo retábulo, e que se guardaram, depois, na Casa da Irmandade do Santíssimo, que fica debaixo da capela-mor. São sete pinturas a ólio sobre madeira de carvalho, representado o busto de Cristo, o busto de S. Paulo, o busto de S. Pedro, a Virgem da Anunciação, o Anjo Anunciado, S. João Baptista e S. João Evangelista. Estas quatro últimas tábuas medem 1m,470 × 0m,900, a primeira 0m,635 × 0m,785, e as terceira e quarta 0m,645 × 1m,070.
As pinturas do Mestre do Sardoal, que já se tem querido identificado com o pintor manuelino Miguel Nunes, suposto autor do retábulo de Montemor-o-Velho, pelo indício das iniciais M. N., que estão no ladrilhado da tábua do Anjo da Anunciação, revelam uma forte personalidade de artista, no tratamento largo das figuras, nas dobragens dos panejamentos, nas intenções fisionómicas (menos feliz a da Virgem) e ainda na capital importância dada às figuras, embora sem prejuízo das decorações envolventes e acessórias. Pintura caracterizadamente portuguesa, e é de prever, portanto, de oficina provincial, mais fora dos influxos do flamenguismo, estas tábuas, documentam, com outras da série organizada pelo Dr. João Couto (Celas, Montemor e a Assunção da Virgem do Museu Machado Castro) a melhor pintura portuguesa do período manuelino. O naturalismo do desenho das mãos, a suave expressão dos rostos, e a unção posta nos olhares das figuras, dão um interesse pictural notável a esta série de pinturas, agora restauradas e respostas no seu lugar, depois de figurarem na Exposição dos Primitivos Portugueses, em 1940.
Igreja da Misericórdia
Edifício do século XVI, com algumas modificações posteriores. Portal de pedra de estilo renascentista, de uma linda cor doirada, guarnecido de medalhões entre a curva do arco e a arquitrave, com lavores no friso e nas faces das pilastras. Composição arquitectural mais segura e melhor modelada do que a do portal da Misericórdia de Abrantes. Junto à base e ombreira do lado direito há infiltrações de salitre. Sobre o portal, amparado por anjos, avulta um édículo de coroação com o painel da Misericórdia.
Superiormente há dois óculos de iluminação.
A porta lateral, de arco de volta redonda, tem o último moldado acairelado de seis lóbulos ornamentais.
Há ainda uma esbelta fresta, lateral, muito interessante como composição, no estilo renascentista do Porta-Ólios do Baptistério da igreja da Atalia.
No exterior do templo, vê-se ainda um painel de azulejos modernos, da autoria do pintor Gabriel Constante, representando a rainha D. Leonor, e um letreiro que diz ter sido o edifício reparado em 1931.
Interiormente é uma nave coberta de tecto de madeira, sendo o arco triunfal, lavrado em estilo Renascença e apoiado em capitéis com figuras. Na empena há um revestimento de azulejos do século XVIII, azuis e brancos, e, ao alto, uma cruz e um calvário, pintados a cor de vinho. No corpo do templo, silhar de azulejos, da mesma época e cores, sendo a capela-mor também forrada da mesma decoração cerâmica, de padrão e figuras, com janelas e portas fingidas, a cor de vinho, e nos vãos vasos floridos. Do lado da Epístola há um painel central com a cena do lava-pés, fronteiro a um altar que ocupa o lado do Evangelho. No altar-mor está um Cristo, escultura de madeira do século XVII.
Hospital de Nossa Senhora da Caridade
Instalado no antigo convento dos Franciscanos da Soledade. O hospital fôra fundado em 1400, e confirmada a instituição da confraria hospitalar em 1554. Desde 1854 que está ocupando o antigo convento, fundado em 1571, no local onde existia uma ermida de N. S. da Caridade, com a protecção de D. Lopo de Almeida, conde de Abrantes e de outros fidalgos da povoação, e a capela-mor reedificada, no último terço do século XVII, pelo arcebispo da Baía, D. Gaspar Barata de Mendonça, a cuja família pertence o padroado da igreja.
A igreja é de uma só nave, de abóbada caleada, com altar-mor e duas capelas laterais. Na abóbada do berço da capela-mor está pintado o brasão do arcebispo da Baía, com as armas, esquarteladas, dos Mendonças, Vasconcelos, Mouras e Baratas. O retábulo do altar é de talha do século XVII. Do lado da Epístola há um arcossólio que abriga o mausoleu, no feitio clássico de urna, do prelado reedificador, com larga inscrição na face da arca, assente sobre três leões, e o brasão familiar ao alto. No altar colateral, do lado da Epístola, está um retábulo-relicário, decorado, na parte superior, com três pinturas sobre tela, representando Santa Clara, Santa Isabel e a aparição da Virgem a S. Francisco, obras do século XVII.
O altar colaterar do Evangelho é dedicado a N.a S. a da Esperança, imagem que nele está entre outras duas, de jaspe, figurando S. Pedro e S. Paulo. No retábulo estão encaixilhadas sete pequenas pinturas sobre tela, com a Visitação, a Anunciação, a Adoração, o Presépio, dois Anjos e ainda outra composição indeterminada. Na parte baixa do altar está encaixado um oratório-armário (trabalho indo-português, de xarão), dado a este altar por D. Jerónima de Parada, viúva de Gaspar de Sousa de Lacerda, que está sepultada aos pés do mesmo altar. A dávida, conforme o letreiro posto sobre o oratório, foi feita em 7 de Setembro de 1670. Na galilé da igreja, à direita, está a capela do Senhor dos Remédios, decorada com um silhar de azulejos azuis e brancos (século XVIII) com figuras ornamentais e quatro painéis com os passos de Cristo.
A sacristia é uma construção típica do princípio do século XVIII ou fins do anterior, coberta com um tecto pintado em 1720, no estilo dos tectos de ornatos em caixotões do seiscentismo. Sobre o arcaz, ergue-se uma construção de caixilhos de talha opulenta, com pilastras e frisos decorativos, emoldurando pinturas sobre tábua, seiscentista, figurado o Bom Pastor, a Adoração, S. Jerónimo e ainda duas imagens de santos indeterminados, e formando um conjunto magnífico efeito.
Há ainda sacristia um lavabo de faiança portuguesa do século XVIII. O depósito deve ser da Fábrica do Rato, e a bacia de outra fábrica e de época posterior.
No exterior da fachada principal do templo, sobre o terraço da galilé, há um nicho com um S. Pedro (escultura de pedra, quinhentista) entre dois medalhões, em relevo, de estilo Renascença.
No pavimento da galilé, está a sepultura brasonada de Bento de Moura Mendonça, comendador de Casével, fidalgo da Casa Real e cavaleiro de Cristo, nascido em 23 de Julho de 1769, falecido em 14 de Setembro de 1843. No interior da igreja há várias lajes sepulcrais.
Casa Grande
É o solar da família Moura Mendonça do Sardoal. Vasto edifício do século XVII, redificado posteriormente, e que hoje pertence a mais de um proprietário. No recheio desta casa, há a registar vários móveis apreciáveis, uma «coiffeuse», uma cómoda de barriga, uma banca de cabeceira, com guarnições de bronze, um armário, baixo, de canto, de madeiras embutidas e tampo de mármore, e um belo lampião de ferro. A galeria de retratos de família tem interesse decisivo. Registaram-se os seguintes:
- Retrato de corpo inteiro de um Coronel do Mar, da família Moura Mendonça. Pintura a ólio sobre tela, do princípio do século XIX. Pertence ao sr. Jaime Leal, residente em Viseu.
- Retrato (busto) de um fidalgo trajado à moda da primeira metade do século XVIII; pintura a ólio sobre tela. Pertence ao sr. João Pereira de Matos, residente em Viana do Castelo;
- Retrato (busto) de uma senhora trajada à moda do princípio do século XVIII. Pintura a ólio sobre tela. Pertence ao mesmo;
- Retrato (busto) de um fidalgo, trajado à moda do tempo de D. João V. Pintura a ólio sobre tela. Pertence ao mesmo;
- Retrato (busto) de um fidalgo trajado à moda do final do século XVII, com meia armadura. Pintura a ólio sobre tela. Pertence ao mesmo;
- Retrato (busto) de um fidalgo trajado de meia armadura, à maneira do final do século XVII. Pintura a ólio sobre tela. Pertence ao mesmo.
A ermida do solar, é consagrada a N.a S.a do Carmo. Tem uma bonita imagem da Virgem, escultura de madeira do século XVIII.
Ermida de S. Sebastião
No termo do Sardoal. Templo de arquitectura vulgar, onde há apenas a notar um púlpito de madeira, de cálice, sobre um colunelo de pedra. A imagem do orago, é uma escultura de pedra quinhentista, medindo 0m,680.
A ermida da Senhora da Lapa, junto à Ribeira de Arcez, de que fala o Santuário Mariano, com encarecimento, e outras que se citavam na vila e termo, arruinaram-se ou foram profanadas.
ALCARAVELA
Igreja Paroquial de Santa Clara
É um templo moderno construído há pouco mais de vinte anos que substituiu a antiga capela. Apenas a notar uma cadeira de presbitério, de espalda e fundo de coiro, do meado do século XVIII.
SANTIAGO DE MONTALEGRE
Igreja Paroquial de Santiago de Montalegre
É um templo moderno sem qualquer interesse de carácter artístico.
VELHASCOS
Ermida Paroquial de Nossa Senhora da Graça
A actual é sucessora do antigo templo que desaparece e que tinha alpendre, um revestimento de bons azulejos antigos, casas para ermitão e para os romeiros. Não tem qualquer interesse arquitectural. A imagem de N.a S.a da Graça, escultura de pedra, quinhentista, medindo 0m,800, de alto, e outra de S. Lourença da mesma época, medindo 0m,700, ficaram da antiga ermida.
No Concelho do Sardoal, existiam muitas ermidas, que se arruinaram e foram profanadas, tendo-se perdido a memória da maioria delas.