A pretexto dos limites territoriais do concelho de Sardoal, publicamos uma carta do Juiz Ordinário do Julgado da Vila do Sardoal, escrita em 13 de Novembro de 1847 e dirigida a Sua Majestade a Rainha Dona Maria II. Esta carta é elucidativa sobre os aspectos históricos que relacionam os lugares de Casais de Revelhos e Sentieiras com a vila e Concelho de Sardoal, embora o objectivo da carta seja pedir o esclarecimento de uma disputa de jurisdição sobre a Quinta do Pouchão:
Senhora: António Metello de Villa Lobos Vasconcelos, Juiz Ordinário do Julgado da Villa do Sardoal, comarca de Abrantes no distrito de Santarém, em justa defesa de direitos de sua jurisdição postos em dúvida e conflito pelo Doutor Juiz de Direito da mesma Comarca, vem respeitosamente apresentar a Vossa Majestade o seguinte:
Situada a Quinta do Pouxão na distância apenas de um quarto de légua da mencionada Villa de Sardoal, em todo o tempo os moradores da dita Quinta têm sido considerados como paroquianos da freguesia da mesma vila, exercendo ali para com eles constante, pacífica e livremente o Pároco respetivo actos de jurisdição concernentes ao seu ministério, como se mostra pelo documento n.º 1.
Por decreto de 6 de Novembro de 1836, arredondados os dois concelhos de Abrantes e Sardoal, para execução do mesmo decreto desmembradas do primeiro daqueles concelhos e anexadas ao segundo as duas freguesias de S. Sebastião das Mouriscas e de S. Silvestre do Souto, entrando também na mesma anexação como concelho a Quinta do Pouxão e os dois Povos de Casais de Revelhos (denominação própria que significa um povo só e não muitos casais) e Centieiras, cujas três últimas entidades tendo pertencido sempre como freguesia à vila do Sardoal, era uma irregularidade e confusão estarem pertencendo como concelho a outro julgado a que se atendeu e providenciou no citado Decreto, ficando por isso em tal ocasião o concelho do Sardoal das quatro freguesias completas de S. Tiago e S. Mateus do Sardoal, de Santa Clara de Alcaravela, S. Sebastião de Mouriscas e S. Silvestre do Souto.
Pela Lei de 12 de Junho de 1837, em virtude de reclamações dos moradores das duas freguesias de S. Sebastião das Mouriscas e de S. Silvestre do Souto, desmembradas do concelho de Abrantes, ou por força de outros motivos, foram as duas mencionadas freguesias mandadas reverter ao seu concelho primitivo, o que assim se praticou, ficando por este modo reduzido nessa ocasião o concelho de Sardoal às duas freguesias completas de Santa Clara de Alcaravela e S. Tiago e S. Mateus de Sardoal, conservando-se por isso na última a Quinta do Pouxão e os dois Povos de Revelhos e Centieiras que sempre fizeram parte da mencionada freguesia, respeitando-se deste modo a doutrina consignada no Decreto da Reforma Judicial de 29 de Novembro de 1836, enquanto no art. 6º § 2º do Título 1 determina que a freguesia toda pertencerá ao Julgado em que estiver situada a Igreja Paroquial.
Desejos permanentes e diligências ulteriores das autoridades Civis de Abrantes vieram produzir nova desmembração no concelho de Sardoal, em relação aos dois povos de Revelhos e Centieiras, mas desta vez, para se salvar o já citado preceito do Decreto de 29 de Novembro de 1836 de dever pertencer a freguesia toda ao julgado em que estiver situada a Igreja Paroquial, foi preciso que só os mencionados povos de Revelhos e Centieiras fossem desmembrados também como freguesia da freguesia de S. Tiago e S. Mateus da Vila do Sardoal e anexadas como tais à freguesia de S. Vicente Mártir da vila de Abrantes, o que assim foi determinado na Carta de Lei de 17 de Abril de 1838, como se mostra no documento 2.
Desde então quiseram as Autoridades Civis de Abrantes ter pretensões de jurisdição sobre a Quinta do Pouxão, pelo único fundamento de a julgarem como pertencendo aos dois povos desmembrados, quando em vista da situação topográfica da Quinta é tão clara como a luz do meio dia; que ela se deve considerar como pertencendo a povoação alguma no sentido rigoroso da palavra por se achar a mesma Quinta no meio de um campo sem ligações imediatas de vizinhança, ou então a fazer parte de alguma povoação outra não pode ser senão a aldeia de Valhascos da mencionada freguesia do Sardoal, a que a mesma quinta fica fronteira e próxima. Mas tendo a quinta em questão pertencido sempre como freguesia à vila do Sardoal e nunca dela fora desmembrada, nem se pode dizer que o seja pela redita Lei de 17 de Abril de 1838, pois esta como ali é exposto só manda desanexar da freguesia do Sardoal os dois povos de Revelhos e Centieiras, confirmando isto mesmo o Prelado Diocesano quando em execução da citada Lei transmite ao Pároco de S. Vicente de Abrantes a jurisdição paroquial dos dois mencionados povos que estavam debaixo da jurisdição do Pároco do Sardoal, como se vê na pastoral do mesmo prelado (documento n.º 3), dirigida para esse efeito aos dois mencionados párocos. E tanto isto é assim que a Quinta do Pouxão ou os seus moradores não cessaram de estar e ainda hoje estão debaixo da jurisdição do Pároco da Vila do Sardoal, circunstância esta que por aí só era bastante para dever pôr termo a todas as dúvidas e controvérsia a semelhante respeito suscitadas; por isso que na falta de outras razões, se as houvesse, subsiste a clara e determinante doutrina do já duas vezes citado Decreto da Reforma Judicial de 29 de Novembro de 1836.
Porém não acontece assim. Falecido em 19 de Outubro último o dono da mencionada quinta do Pouxão, António Carlos de Cordes Brandão Macedo e Ataíde, tendo ele sido encomendado pelo seu legítimo Pároco Vigário da Vila do Sardoal, sepultando-se seu corpo dentro dos limites da mesma freguesia, sendo requerido posteriormente ao suplicante, na qualidade de Juiz Ordinário que é do Julgado do Sardoal, actos de posse dos bens do casal por parte de um dos herdeiros do finado, a que o suplicante dúvida alguma teve em anuir indo ali para esse efeito exercer sua jurisdição, como as mais vezes exercera e seus predecessores em virtude das disposições do Decreto de 6 de Novembro de 1836 nesta parte subsistentes.
Quando por haver uma filha menor do falecido António Carlos, o suplicante em virtude de suas obrigações orfanológicas se dispunha a dar princípio ao inventário do casal e mais actos de seu dever e jurisdição, foi então que o Doutor Juiz de Direito da Comarca se antecipou indo ali e dando começo àquele acto que só devera pertencer ao suplicante por todas as razões e motivos que deixa produzidos.
É nesta conjuntura, Senhora, que atendendo o suplicante aos males que podem nascer de um precedente como o que acabo de expor a Vossa Majestade, vem submisso aos pés do Trono suplicar que dignando-se Vossa Majestade mandar proceder às averiguações necessárias em relação a este gravo conflito, seja Vossa Majestade servida em sua alta sabedoria e Justiça indefectível resolver a semelhante respeito o que estiver em harmonia com as leis e com os direitos de jurisdição que o suplicante na força dos fundamentos em que se firma não pode deixar de se considerar ofendido pelo Doutor Juiz de Direito da Comarca de Abrantes enquanto se meteu a exercer actos de actividade que pertenciam só ao suplicante, como juiz ordinário que é do Julgado da Vila de Sardoal.