Chamava-se exposta, ou enjeitada, à criança que era abandonada normalmente na roda.
Em Portugal, a assistência aos expostos foi realizada pelos concelhos (para os quais era considerada obrigatória) e também pelas Misericórdias. Os Alvarás régios de 22 de Agosto de 1654 e de 22 de Dezembro de 1656 confirmaram a obrigatoriedade de exercerem a Câmaras essas funções.
Por todo o país havia “ermitões” e “ermitoas” que se dedicavam a recolher “meninos perdidos”. Para que se cuidasse da protecção às crianças concorreu, decerto, o facto de nascerem bastantes filhos de amores ilícitos de senhoras fidalgas e de freiras. O abandono das crianças fazia-se nos adros das igrejas e nas portarias dos conventos. Havia aí as célebres “rodas”, que eram cilindros giratórios de eixo vertical, abertos em parte, de alto a baixo, onde se punham os objectos destinados a passarem para o interior do edifício. A pessoa encarregada de depor a criança abandonada colocava esta na parte aberta da roda e tocava uma campainha, o que chamava a atenção da irmã rodeira. Esta acudia, fazia girar a roda e recebia a criança, sem que visse quem estava do lado de fora. Pina Manique, o Intendente Geral de Polícia no tempo de D. Maria I, reconheceu oficialmente a prática do sistema de “rodas”, na circular de 24 de Maio de 1783. A favor da instituição alegava o crescente número de infanticídios que se verificavam a cada ano. No tempo de Pombal providenciou-se acerca do destino dos expostos quando atingiam a idade de tomar ofício. Eram enviados para oficinas de diversos misteres a fim de aprenderem uma profissão. Pina Manique deu prosseguimento a essa prática. Ao fundar a Casa Pia pensou em dar educação não só aos expostos, mas aos órfãos, igualmente.
Pelo seu interesse, cita-se o artigo “Crianças e jovens em risco nos séculos XVIII e XIX. O caso português no contexto europeu”, de Maria Antónia Lopes, publicado em 2002 na Revista de História da Sociedade e da Cultura:
Uma mulher permaneceria continuamente na casa da roda a fim de receber as crianças e cuidar delas imediatamente. Depois de baptizados, os expostos eram entregues a amas que, a troco de um salário, os criavam em suas casas até à idade de sete anos. As instituições responsáveis pelos enjeitados (câmaras municipais e misericórdias) eram obrigadas a remeter para Lisboa listas anuais das entradas e óbitos. Atingidos os 7 anos, as crianças ficavam sob a alçada dos juízes dos órfãos. Começavam então a trabalhar a troco de alimentos, vestuário e alojamento, passando a receber salário aos 12 anos. Não se apresentando ninguém interessado em contratar os expostos, o juiz procedia a um leilão, entregando a criança a quem oferecesse maior salário, o que praticava com expostos e com órfãos filhos de gente trabalhadora.
O mesmo artigo refere depois um médico do Sardoal, Francisco Xavier de Almeida Pimenta que, em 1815, no Jornal de Coimbra, escreve: “é costume introduzido em muitos Juízos de Órfãos arrematar estes miseráveis como quem vende uma besta em praça pública”. A carta completa, publicada no Jornal de Coimbra, número 41 (1815), páginas 245-246, é publicada de seguida:
No arquivo da Câmara Municipal existe uma circular do Governo Civil de Santarém que faz a distribuição das rodas no distrito, cabendo uma ao Sardoal. Esta circular é dos primeiros anos do século XIX. Da época posterior existem diversos registos da actividade da Rodeira com autos de recolha de crianças na Roda. As crianças eram recolhidas no interior do edifício pela rodeira, que lhes prestava os primeiros cuidados de alimentação e higiene. A última rodeira no Sardoal chamava-se Maria Joaquina.
Os bebés eram normalmente deixados num cestinho e faziam-se acompanhar do respetivo enxoval. De acordo com o respectivo registo de baptismo, a última criança que terá sido exposta na Roda do Sardoal, em 1860, a que deram o nome de Aurélia, tinha “os seguintes signaes: huma touca preta, e outra branca; duas camisas, huma de paninho, e outra de fio d’algodáo, hum apertador de pelucia, hum vestido tãobem de pelucia, hum coeiro de lanzinha preta, e huma fralda branca, tudo isto já uzado;”
Essas crianças eram normalmente entregues a famílias da Vila que delas tomavam conta, recebendo para isso um subsídio da Câmara Municipal.
No Sardoal, a Casa da Roda esteve em funcionamento até 1860. A abolição da roda de admissão anónima foi fixada por Decreto de 21 de novembro de 1867, assim como a sua substituição gradual por hospícios com admissão controlada, destinados a crianças indigentes, expostas e abandonadas.
Para lá de 1860 há ainda no Sardoal registos de crianças expostas, encontradas à porta de algumas pessoas ou abandonadas na rua. Já no século XX, em 7 de Fevereiro de 1924, encontra-se registada numa acta uma curiosa deliberação sobre uma criança exposta, cujo teor é o seguinte:
IRENE CELESTE – Tendo o cidadão Amílcar Lopes de Andrade requisitado a menor Irene Celeste, exposta, a cargo de Mariana de Jesus, dos Andreus e subsidiada desta Câmara, com a importância mensal de quinze escudos, para sua casa, a título de criada e companheira de sua filha, foi a dita Mariana intimada a apresentar nesta Câmara a criança Irene. Em vista do pedido da referida Mariana para a criança continuar em seu poder e dos rogos aflitivos da pequena que não queria separar-se da sua mãe adoptiva e porque esta se comprometeu sem subsídio algum a promover a educação e sustentação da menor, esta Comissão resolveu deferir-lhe o seu pedido comprometendo-se esta a cuidar da menor como até aqui e ficando a Câmara de intervir em caso de necessidade.
Segundo a tradição oral, a Casa da Roda no Sardoal situava-se nas imediações da Capela de Sant’Ana. Por sua vez, o Dr. Manuel José de Oliveira Baptista (Boletim Informativo da Misericórdia de Sardoal, n.º 7 e 8, Fev./Mar. 1984) refere que a Casa da Roda funcionava na Misericórdia, primeiro quando as suas instalações eram, ainda, nos anexos da Igreja do mesmo nome e depois, a partir de 1834 com a extinção das Ordens Religiosas, no Convento Franciscano para onde foram o Hospital e as restantes dependências da Santa Casa.