Políticas municipais no campo da História Local/Património

O conceito de História Local é indissociável do de Património Cultural, entendidos, ambos, nas suas diversas vertentes e são sem qualquer dúvida o fundamento da memória colectiva de uma comunidade que define e sustente a identidade cultural de uma região, município, freguesia ou simples lugar.

Mesmo assim, só há alguns (poucos) anos se começou a dar, em termos locais, alguma atenção a esta problemática, primeiro na área do Património e, depois, mais timidamente, na área da História Local.

No que é mais visível em termos de Património Cultural, na definição de uma política municipal nesta área é preciso ter presentes três realidades distintas.

A primeira, no que diz especialmente respeito ao património edificado, é a de que, segundo a actual lei orgânica do IPPAR, todos os monumentos classificados propriedade do Estado passam a estar afectos ao IPPAR, o que significa dizer que a propriedade não deixa de ser do Estado – dentro do Estado quem tem a propriedade é o Ministério das Finanças -, mas a responsabilidade passa a ser da entidade a que está afecto; responsabilidade pela conservação, manutenção, recuperação quando for caso disso, e pela gestão. E esta situação tornar-se-á mais complexa com a prevista fusão do Instituto Português de Arqueologia (IPA) e importa ter em atenção as competências atribuídas ao Instituto Português de Museus (IPM) e à Direcção – Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN).

A segunda é a de que os bens culturais de carácter religioso constituem o sector mais extenso do universo patrimonial português. Segundo um relatório apresentado há breves anos pelo Ministério da Cultura, admite-se que esse conjunto venha a corresponder a cerca de 75% de todo o património conhecido. A Conferência Episcopal Português, por seu turno, aceita um valor ligeiramente inferior, ao redor dos 70%.

A terceira tem a ver com questões financeiras, uma vez que a maioria dos municípios portugueses não dispõe sequer de meios financeiros para investir nos elementos patrimoniais classificados que são propriedade municipal.

A Lei n.º 107/2001, publicada no Diário da República (1.ª Série), de 8 de Setembro, estabelece as novas bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural, reconhece o papel decisivo da sociedade civil na defesa, enriquecimento e animação do património cultural, abrindo o caminho à acção organizada dos cidadãos, preferentemente sob a forma do associativismo patrimonial, que é posto a par do associativismo ambientalista. Mesmo assim, subsistem certas incongruências, particularmente na área da inventariação e dos deveres e direitos dos proprietários, a que se aplica frequentemente a expressão algo equívoca de «detentores» como se existisse da parte do legislador certa dificuldade em aceitar que um «particular», pessoa singular ou colectiva, possa ser proprietária em sentido pleno, de um bem cultural. Em suma, encontramo-nos perante um sector ainda em aberto, em que se torna necessário aprofundar linhas de reflexão que possam iluminar uma futura praxis.

A Arte apanha grande parte dos bens culturais – arquitectura, pintura, escultura, ourivesaria, paramentaria, mobiliário, mosaico e azulejo, música, etc. e obriga a que o património seja utilizado no respeito pela sua natureza e funções, colocando-se alguns desafios contemporâneos, de que se destacam os seguintes:

  • restaurar, guardar/defender, conservar, catalogar e inventariar;
  • educação para o conhecimento, a compreensão, a valorização, a salvaguarda, o bom gosto e a criatividade;
  • potenciar sinergias materiais, técnicas e humanas, pela cooperação institucional, com vista à conservação, inventariação, catalogação, formação de pessoal, etc.

A grande preocupação de fundo, porém, consiste em procurar assegurar condições de acessibilidade e acolhimento ao número crescente de visitantes que procuram o Concelho de Sardoal e não conseguem entrar nos seus monumentos religiosos, batendo frequentemente com «o nariz na porta». Mas a intensificação da actividade dos «amigos do alheio» levou ao abandono da prática secular da «igreja de portas abertas» e tornou inviável esta hipótese, pelo que hoje são muitos os templos que só abrem para os actos de culto, o que cerceia enormemente a possibilidade de serem visitados.

O dilema em análise só se resolverá de modo satisfatório com a existência de um serviço de atendimento, assegurado por pessoas que, além do trabalho de vigilância propriamente dito, saibam acolher os visitantes com correcção e, se necessário, encaminhá-los e informá-los. Uma palavra simpática, um sorriso, uma informação prestada com solicitude (e veracidade) movem montanhas.

Porém, as nossas paróquias não dispõem de meios suficientes para contratar colaboradores permanentes e esta dificuldade só poderá ser ultrapassada através de uma articulação entre as paróquias e o município e os seus serviços de cultura e turismo.

Não é difícil avançar-se no campo da valorização desde que se disponha de um acompanhamento especializado. Os visitantes ficam reconhecidos se se partilhar com eles a informação sobre a situação passada ou actual do imóvel e dos projectos para o futuro, tal como vibram se lhes forem dados a conhecer aspectos do espólio que habitualmente não são visíveis. Um dos melhores instrumentos de que temos lançado mão neste domínio consiste na organização de exposições temporárias, para cuja repercussão muito contribuiu a excepcional riqueza e diversidade dos acervos dos templos do Sardoal (da Paróquia de S. Tiago e S. Mateus e da Santa Casa da Misericórdia de Sardoal).

Em suma, Câmara Municipal de Sardoal encontra-se empenhada, dentro das muitas limitações com que se confronta, em garantir a preservação do formidável conjunto patrimonial, essencialmente de inspiração religiosa, existente no Concelho, que depois de décadas e décadas de abandono, começa a ser entendido pela maioria das comunidades, como um instrumento cultural de grande importância, que deve ser criteriosamente conservado, valorizado e transmitido às gerações vindouras. Daí o papel cada vez mais determinante que cabe ao correcto uso da herança histórica e artística como fonte de riqueza, em todo o sentido da expressão: riqueza material, enquanto recurso que permita, dentro da dimensão que lhe compete, a mobilização de meios para o preservar e facultar; mas sobretudo riqueza de vida, afirmação de identidade e testemunho de abrangência espiritual – lição de equilíbrio entre o homem e a natureza, entre a sociedade local e o mundo. Abrir este fecundo corpus de valores ao serviço das nossas populações e de quem nos visita, tendo como pano de fundo a própria afirmação de uma «imagem de marca» do território, é um repto que encaramos com entusiasmo, na certeza serena de que o nosso futuro passa também por aí.

Para que todo este modus operandi funcione no dia-a-dia torna-se necessário introduzir um novo modelo de gestão descentralizada que assegure, em cada monumento integrado no projecto, as sinergias indispensáveis à sua abertura, manutenção e valorização, envolvendo para isso os agentes locais, introduzindo a tão reclamada prática de consultas prévias, de decisão consensual e, até, de diálogo interdisciplinar, que pode evitar graves atentados à integridade dos bens culturais.

Para atingir estes objectivos foi criada no quadro de pessoal da Câmara Municipal de Sardoal, a Secção de Acção Social e Cultural que engloba seis sectores, de que se destacam, neste âmbito, o Sector de Arqueologia, Arte e Restauro, onde já se encontram ao serviço um Engenheiro Técnico de Restauro e um Licenciado em História, e o Sector de Turismo, que para além de garantir o funcionamento do Posto de Turismo, dispõe de pessoal que está a ser devidamente preparado para garantir o acompanhamento de visitas guiadas à Vila e ao Concelho de Sardoal.

Através do Sector de Arqueologia, Arte e Restauro tem sido estabelecida uma excelente colaboração quer com as Paróquias do Concelho, quer com a Santa Casa da Misericórdia de Sardoal, com o estabelecimento de parcerias, tituladas por protocolos de colaboração, na área da conservação e restauro e, bem assim, da inventariação do riquíssimo acervo patrimonial das referidas Instituições.

Abordando, agora, a problemática da História Local, começo com uma citação do Professor Oliveira Marques, recolhida do seu “Guia do Estudante de História Medieval Portuguesa”: “Sobre cidades, vilas e aldeias, são numerosas as monografias e artigos de carácter histórico, arqueológico, etnográfico, geográfico ou pitoresco. Redigidos, na sua quase totalidade, por amadores bairristas, ignorantes da metodologia científica, a grande maioria desses trabalhos é destituída de interesse histórico. O estudioso pode encontrar, não obstante, disseminados por uma babel de factos, anedotas e lendas, alguns pormenores que lhe sejam de utilidade.”

Esta afirmação feita por um dos maiores historiadores portugueses da segunda metade do século XX, sendo verdadeira, não deixa de ser também injusta para todos aqueles que ao longo dos anos, de forma desinteressada, mas apaixonada, investigaram com os meios e conhecimentos de que dispunham, a história e as raízes culturais das suas terras, impedindo que se perdesse um manancial de informação que em muitos casos se teria eclipsado irremediavelmente.

A realidade é que os temas que podem ser objecto de estudo no âmbito da História Local, são de tal modo vastos que não existe ninguém que isoladamente os possa abordar na totalidade, porque acabam por ser os mesmo, ainda que em escalas diferentes, que se estudam na História de Portugal ou na História Universal.

A problemática da história varia de época para época, consoante o prisma sob o qual se encarem os diversos assuntos. Este prisma é, por sua vez, consequência dos interesses e das preocupações do historiador, variáveis com a evolução das sociedades. Há cem anos, por exemplo, considerava-se tema importantíssimo da História de Portugal a discussão do milagre de Ourique; mas desprezava-se por completo a análise do comportamento dos preços ou dos salários após a Peste Negra de 1346. Hoje em dia, pode julgar-se mera bizantinice o averiguar se Egas Moniz foi ou não de baraço ao pescoço até junto do Rei de Leão, mas discute-se seriamente o problema da existência de formas de pré-capitalismo nos empreendimentos comerciais dos séculos XIV e XV. Pode alegar-se que, no entanto, surgiu a história económica como ramo bem definido da análise histórica; como surgiu a história demográfica ou a história das técnicas, difíceis de conceber para um homem dos meados do século XIX.

Os aspectos da vida quotidiana interessam cada vez mais o historiador, preocupado com a captação total do homem do dia-a-dia. Como se alimentava? Como se vestia? Onde habitava e como decorava a casa? Cuidava da saúde, obedecia a hábitos de higiene, divertia-se e tinha fé na sua complexa religião? O seu ritmo quotidiano diferia do nosso: trabalho e ócio alternavam-se segundo fases de duração e intensidade diferentes. Sentia problemas como o do custo de vida e aspirava por melhorar um nível de vida nem sempre favorável.

Não constitui objecto desta comunicação a sugestão de regras de planeamento em obras históricas nem a defesa das normas válidas que devem informar um simples artigo ou mesmo um trabalho de maior fôlego,

Citando Halphen, “a ciência histórica nada ganha em se envolver de mistério e a economia efectuada pelo uso imoderado que certos eruditos fazem de um sistema complexo de sinais, de abreviações convencionais raramente compensa os inconvenientes da obscuridade que daí resulta.”

O investigador de História Local deva pôr-se em guarda contra a tendência para a dispersão e a pouca clareza da exposição que constituem infelizmente apanágio de muitos trabalhos publicados. Deve pôr as qualidades de entusiasmo, sentido de compreensão global dos problemas e capacidade de os tratar, sob o ponto de vista humano, que em geral o caracteriza, ao serviço de uma estrutura lógica e de um rigor científico que tende a desprezar. Deve preocupar-se com a simplicidade do estilo, base de uma autêntica elegância formal, evitando os barroquismos de linguagem, as orações imbricadas, os períodos longos, a adjectivação pleonástica. Seria bom que todo o aprendiz de historiador começasse por ler obras de grandes escritores portugueses da segunda metade do século XIX e princípios do século XX: não apenas romancistas mas sobretudo ensaístas, jornalistas, polígrafos, historiadores menores até. Porque foi possivelmente o período em que melhor se redigiu nesta terra.

Mas como conciliar a vastidão dos temas que podem ser investigados em História Local, com a complexidade da ciência histórica, englobando nesta as ciências auxiliares da História?

No âmbito da História Económica e Social, encontramos várias sub-divisões de grande interesse, tais como Economia, Demografia, Vias de Comunicação e Transportes, Técnicas, Nível de Vida e Custo de Vida, Sociedade, Judeus e Mouros, Vida Quotidiana, Assistência e Beneficência, etc.

Importa também considerar a História das Instituições, a História Religiosa, a História da Cultura, a História da Arte, a História Política, a História Biográfica, etc. e dentro das ciências auxiliares da História, a Paleografia, a Diplomática, a Numismática, a Esfragística ou Sigilografia, a Cronologia, a Arqueologia, a Epigrafia, a Iconografia, a Heráldica, a Genealogia e a Geografia.

É preciso ter a consciência de que em termos de História Local, no que diz particularmente respeito ao Concelho de Sardoal está quase tudo por fazer, pese embora o esforço desenvolvido nos últimos anos, através da publicação de alguns trabalhos de investigação histórica. A nossa grande preocupação é, para já, a da preservação e protecção das fontes históricas, nomeadamente, através da reorganização do Arquivo Municipal e da sua instalação em condições adequadas que garantam a correcta conservação dos documentos e a acessibilidade dos documentos aos investigadores que os pretendam consultar.

Pretende-se avançar, a curto-prazo, com o processo de elaboração da Carta Arqueológica do Concelho de Sardoal e continuar a formação de um Fundo Fotográfico Municipal.

Apesar de poder, aparentemente, fugir ao âmbito da História Local, consideramos muito relevante, o estudo e divulgação da Gastronomia Tradicional e da Etnografia e Folclore e da recolha de informação sobre as Tradições, Usos e Costumes do Concelho.

Abrantes, 23 de Maio de 2003

Quinta do Pouchão – Disputas de jurisdição entre Sardoal e Abrantes

A pretexto dos limites territoriais do concelho de Sardoal, publicamos uma carta do Juiz Ordinário do Julgado da Vila do Sardoal, escrita em 13 de Novembro de 1847 e dirigida a Sua Majestade a Rainha Dona Maria II. Esta carta é elucidativa sobre os aspectos históricos que relacionam os lugares de Casais de Revelhos e Sentieiras com a vila e Concelho de Sardoal, embora o objectivo da carta seja pedir o esclarecimento de uma disputa de jurisdição sobre a Quinta do Pouchão:

Senhora: António Metello de Villa Lobos Vasconcelos, Juiz Ordinário do Julgado da Villa do Sardoal, comarca de Abrantes no distrito de Santarém, em justa defesa de direitos de sua jurisdição postos em dúvida e conflito pelo Doutor Juiz de Direito da mesma Comarca, vem respeitosamente apresentar a Vossa Majestade o seguinte:

Situada a Quinta do Pouxão na distância apenas de um quarto de légua da mencionada Villa de Sardoal, em todo o tempo os moradores da dita Quinta têm sido considerados como paroquianos da freguesia da mesma vila, exercendo ali para com eles constante, pacífica e livremente o Pároco respetivo actos de jurisdição concernentes ao seu ministério, como se mostra pelo documento n.º 1.

Por decreto de 6 de Novembro de 1836, arredondados os dois concelhos de Abrantes e Sardoal, para execução do mesmo decreto desmembradas do primeiro daqueles concelhos e anexadas ao segundo as duas freguesias de S. Sebastião das Mouriscas e de S. Silvestre do Souto, entrando também na mesma anexação como concelho a Quinta do Pouxão e os dois Povos de Casais de Revelhos (denominação própria que significa um povo só e não muitos casais) e Centieiras, cujas três últimas entidades tendo pertencido sempre como freguesia à vila do Sardoal, era uma irregularidade e confusão estarem pertencendo como concelho a outro julgado a que se atendeu e providenciou no citado Decreto, ficando por isso em tal ocasião o concelho do Sardoal das quatro freguesias completas de S. Tiago e S. Mateus do Sardoal, de Santa Clara de Alcaravela, S. Sebastião de Mouriscas e S. Silvestre do Souto.

Pela Lei de 12 de Junho de 1837, em virtude de reclamações dos moradores das duas freguesias de S. Sebastião das Mouriscas e de S. Silvestre do Souto, desmembradas do concelho de Abrantes, ou por força de outros motivos, foram as duas mencionadas freguesias mandadas reverter ao seu concelho primitivo, o que assim se praticou, ficando por este modo reduzido nessa ocasião o concelho de Sardoal às duas freguesias completas de Santa Clara de Alcaravela e S. Tiago e S. Mateus de Sardoal, conservando-se por isso na última a Quinta do Pouxão e os dois Povos de Revelhos e Centieiras que sempre fizeram parte da mencionada freguesia, respeitando-se deste modo a doutrina consignada no Decreto da Reforma Judicial de 29 de Novembro de 1836, enquanto no art. 6º § 2º do Título 1 determina que a freguesia toda pertencerá ao Julgado em que estiver situada a Igreja Paroquial.

Desejos permanentes e diligências ulteriores das autoridades Civis de Abrantes vieram produzir nova desmembração no concelho de Sardoal, em relação aos dois povos de Revelhos e Centieiras, mas desta vez, para se salvar o já citado preceito do Decreto de 29 de Novembro de 1836 de dever pertencer a freguesia toda ao julgado em que estiver situada a Igreja Paroquial, foi preciso que só os mencionados povos de Revelhos e Centieiras fossem desmembrados também como freguesia da freguesia de S. Tiago e S. Mateus da Vila do Sardoal e anexadas como tais à freguesia de S. Vicente Mártir da vila de Abrantes, o que assim foi determinado na Carta de Lei de 17 de Abril de 1838, como se mostra no documento 2.

Desde então quiseram as Autoridades Civis de Abrantes ter pretensões de jurisdição sobre a Quinta do Pouxão, pelo único fundamento de a julgarem como pertencendo aos dois povos desmembrados, quando em vista da situação topográfica da Quinta é tão clara como a luz do meio dia; que ela se deve considerar como pertencendo a povoação alguma no sentido rigoroso da palavra por se achar a mesma Quinta no meio de um campo sem ligações imediatas de vizinhança, ou então a fazer parte de alguma povoação outra não pode ser senão a aldeia de Valhascos da mencionada freguesia do Sardoal, a que a mesma quinta fica fronteira e próxima. Mas tendo a quinta em questão pertencido sempre como freguesia à vila do Sardoal e nunca dela fora desmembrada, nem se pode dizer que o seja pela redita Lei de 17 de Abril de 1838, pois esta como ali é exposto só manda desanexar da freguesia do Sardoal os dois povos de Revelhos e Centieiras, confirmando isto mesmo o Prelado Diocesano quando em execução da citada Lei transmite ao Pároco de S. Vicente de Abrantes a jurisdição paroquial dos dois mencionados povos que estavam debaixo da jurisdição do Pároco do Sardoal, como se vê na pastoral do mesmo prelado (documento n.º 3), dirigida para esse efeito aos dois mencionados párocos. E tanto isto é assim que a Quinta do Pouxão ou os seus moradores não cessaram de estar e ainda hoje estão debaixo da jurisdição do Pároco da Vila do Sardoal, circunstância esta que por aí só era bastante para dever pôr termo a todas as dúvidas e controvérsia a semelhante respeito suscitadas; por isso que na falta de outras razões, se as houvesse, subsiste a clara e determinante doutrina do já duas vezes citado Decreto da Reforma Judicial de 29 de Novembro de 1836.

Porém não acontece assim. Falecido em 19 de Outubro último o dono da mencionada quinta do Pouxão, António Carlos de Cordes Brandão Macedo e Ataíde, tendo ele sido encomendado pelo seu legítimo Pároco Vigário da Vila do Sardoal, sepultando-se seu corpo dentro dos limites da mesma freguesia, sendo requerido posteriormente ao suplicante, na qualidade de Juiz Ordinário que é do Julgado do Sardoal, actos de posse dos bens do casal por parte de um dos herdeiros do finado, a que o suplicante dúvida alguma teve em anuir indo ali para esse efeito exercer sua jurisdição, como as mais vezes exercera e seus predecessores em virtude das disposições do Decreto de 6 de Novembro de 1836 nesta parte subsistentes.

Quando por haver uma filha menor do falecido António Carlos, o suplicante em virtude de suas obrigações orfanológicas se dispunha a dar princípio ao inventário do casal e mais actos de seu dever e jurisdição, foi então que o Doutor Juiz de Direito da Comarca se antecipou indo ali e dando começo àquele acto que só devera pertencer ao suplicante por todas as razões e motivos que deixa produzidos.

É nesta conjuntura, Senhora, que atendendo o suplicante aos males que podem nascer de um precedente como o que acabo de expor a Vossa Majestade, vem submisso aos pés do Trono suplicar que dignando-se Vossa Majestade mandar proceder às averiguações necessárias em relação a este gravo conflito, seja Vossa Majestade servida em sua alta sabedoria e Justiça indefectível resolver a semelhante respeito o que estiver em harmonia com as leis e com os direitos de jurisdição que o suplicante na força dos fundamentos em que se firma não pode deixar de se considerar ofendido pelo Doutor Juiz de Direito da Comarca de Abrantes enquanto se meteu a exercer actos de actividade que pertenciam só ao suplicante, como juiz ordinário que é do Julgado da Vila de Sardoal.

Nascimentos e localidades da freguesia do Sardoal – 1862 a 1910

Os livros paroquiais (baptizados, casamentos e óbitos) são uma das fontes mais importantes dos estudos genealógicos, permitindo também retirar outro tipo de dados que traçam a história de uma freguesia, de um ponto de vista mais global. Neste artigo olhamos para os Livros dos Baptizados da Freguesia de S. Tiago e S. Mateus da Vila do Sardoal, para tentar obter, de forma sistemática, os seguintes dados:

  • Lista das localidades que compõem a freguesia, tal como registadas pelos párocos, e que deviam corresponder aos nomes correntes então usados.
  • Evolução das formas toponímicas, tanto do ponto de vista ortográfico como de outras alterações mais de fundo.
  • Evolução do número de baptizados por ano e localidade. O número de baptizados permite ter uma ideia relativa da grandeza da freguesia e das dimensões de todos os povoados que a compõem. Como nota comparativa, referimos a população na freguesia de acordo com os censos de 1890 (4266), 1900 (4749) e 1911 (5194). Os baptizados deverão também corresponder à maior parte dos nascimentos da freguesia.

Os livros paroquiais da freguesia do Sardoal existem desde 1558. Este primeiro olhar diz respeito ao período que vai de 1862 a 1910, ficando para uma próxima análise anos precedentes.

Este estudo compreende uma janela temporal de 48 anos e, tanto quanto o nosso olhar conseguiu contar, existiram pouco mais de 6000 baptizados nesse período.
A data extrema final tem apenas que ver com a proclamação da República em 1910, quando o Registo Civil passou a ter primazia sobre a versão religiosa. Nessa altura os livros paroquiais foram todos entregues às Conservatórias do Registo Civil, que passaram a ter a responsabilidade destes registos. O último baptizado nos livros paroquiais do Sardoal é de 26 de Março de 1911 (correcção do sr. António G. Pereira, que agradecemos: “Essa é a data do último batizado que consta nos livros de batismo que foram confiscados pela 1.ª República no dia 1 de Abril de 1911. Depois dessa data as paróquias continuaram a registar os batizados em livros que ainda se conservam nas Igrejas ou Arquivos Paroquiais.”).
O plano inicial deste trabalho era começar o levantamento em 1860, por razões de organização dos próprios livros, a pretexto do Decreto de 19 de Agosto de 1859 que reconheceu a vantagem de manter o registo paroquial e que definiu uma estrutura uniforme para este. Começamos afinal em 1862, porque em 1860 e 1861 são referenciados inúmeros sítios e lugares da freguesia que merecem uma análise própria e separada.

Pormenor da capa do Livro dos Baptizados de 1867

Recordamos que neste período a área da freguesia do Sardoal incluía as localidades que viriam mais tarde a fazer parte da freguesia de Santiago de Montalegre, a partir de 1928, e da freguesia de Valhascos, a partir de 1949, ambas desanexadas da freguesia do Sardoal.

Entre 1862 e 1910, as unidades territoriais de espaço usadas nos Livros Paroquiais da Freguesia do Sardoal são, grosso modo, as seguintes: Vila, Aldeia, Lugar, Casal e Quinta. Note-se que nesta freguesia as aldeias eram povoações mais importantes e maiores do que os lugares, o que não era regra administrativa, mas apenas prática local.

Evolução do número de baptizados na Freguesia

Vila

A Vila (ou villa, como aparece quase sempre designada) é a sede da Freguesia e da sua Igreja Paroquial – também designada de Matriz. Em números totais, é a localidade que regista mais baptizados neste período (1316).
Por vezes os nomes das ruas onde a criança nasceu, ou onde os pais moram, estão indicados nos assentos, e muitas dessas designações toponímicas são ainda usadas na actualidade. Algumas das ruas que vimos são as seguintes: Rua do Vale, da Estalagem, da Amoreira, das Caldeiras, Velha, Ladeira, Amoreira, Bogalhinho, Portela de Baixo, Pouço dos Açougues, Misericórdia, Olarias, Clérigos e do Poço da Ratinha.

Aldeias

Existiam 5 localidades designadas de aldeias: Andreus, Cabeça das Mós, Entrevinhas, Valhascos e São Simão.

Andreus: Totaliza 664 baptizados.
Cabeça das Mós: Também designada de “Cabeça das Moz”. Totaliza 903 baptizados.
Entrevinhas: Também designada de “Entre-vinhas”, “Entre-as-Vinhas” e “Entre Vinhas”. Totaliza 357 baptizados.
Valhascos: Em diversos anos teve mais baptizados do que a própria Vila. Totaliza 1286 baptizados.
São Simão: É desde 1862 quase sempre designada por “São Simão de Alferrarede”, sendo em 1872 que essa designação aparece pela última vez. Totaliza 195 baptizados.

Evolução do número de baptizados por década na Vila e Aldeias
 18601870188018901900
Sardoal185225257312337
Valhascos187230248265356
Cabeça das Mós140165174197227
Andreus112101114174163
Entrevinhas5666708184
São Simão1545424053
Evolução do número de baptizados por década na Vila e Aldeias

Lugares

Os lugares principais da Freguesia (critério: mais de 5 baptizados no total) são os seguintes: Amieira, Codes, Foz da Amieira, Lobata, Lomba, Mivaqueiro, Mogão, Mogão Cimeiro, Mogão Fundeiro, Montalegre, Palhota, Porto de Mação, Salgueira, São Domingos, Tojal, Valongo e Venda Nova.

Amieira: 67 baptizados.
Codes: É o lugar com mais baptizados (197) – portanto de dimensão semelhante à aldeia de São Simão. Também aparece designado de “Códes”.
Foz da Amieira: Ou “Foz d’Amieira”. Totaliza 39 baptizados.
Lobata: Ou “Lobatta”. Totaliza 62 baptizados.
Lomba: Totaliza 9 baptizados, em 1871, 1873, 1883, 1884, 1886 (2 vezes), 1903 e 1904.
Mivaqueiro: Aparece sempre como “Mimvaqueiro” ou “Minvaqueiro”. Totaliza 104 baptizados.
Mogão: Também designado de “Mógão”, “Mogãos”, “Mogans” – aparece quando o pároco não indica se se trata do Cimeiro ou do Fundeiro. Totaliza 105 baptizados.
Mogão Cimeiro: Também “Mogam Cimeiro” e “Mogão Simeiro”. Totaliza 112 baptizados.
Mogão Fundeiro: Também “Mogam Fundeiro”. Totaliza 80 baptizados.
Montalegre: Também “Mont’Alegre” e “Montealegre”. Totaliza 149 baptizados.
Palhota: Aparece algumas vezes como “lugar da Palhota de Entrevinhas”. Totaliza 27 baptizados.
Porto de Mação: Também designado de “Portomação”. Algumas vezes, em vez de lugar, é designado como azenha. Tem baptizados em 1863, 1866, 1881, 1883, 1886, 1887 e 1890.
Salgueira: Totaliza 63 baptizados.
São Domingos: Em 1882 aparece pela última vez como “São Domingos da Roda”, sendo que desde 1862 até esse ano essa designação é a mais frequente. Alguns dos baptizados são de habitantes da freguesia do Souto, Concelho de Abrantes, que eram portanto paroquianos da freguesia do Sardoal.
Tojal: Totaliza 27 baptizados.
Valongo: Também designado de “Vallongo”. Tem baptizados em 1897, 1899, 1901, 1902, 1904, 1907 e 1909.
Venda Nova: Também designado “Venda-Nova”. Totaliza 53 baptizados.

Evolução do número de baptizados por década, em 7 lugares (parte 1)
Evolução do número de baptizados por década, em 7 lugares (parte 2)
18601870188018901900
Codes2134254572
Montalegre2821203545
São Domingos1216263739
Mogão Cimeiro1728183811
Mogão14134074
Mivaqueiro910172840
Mogão Fundeiro142614215
Amieira9852421
Lobata99171611
Salgueira16482213
Venda Nova10121489
Foz da Amieira9114213
Tojal07758
Palhota44577
Evolução do número de baptizados por década nos lugares mais expressivos

Existem alguns outros lugares de menor expressão (menos de 5 baptizados no total): Caldeiras, Sombreireiro, Codes Cimeiro, Outeiro da Lobata, Fontinha, Outeiro, Horta do Ferraz, Queixoperra, Azenha da Serra, Chão das Maias, Portela, Vale de Carvalho e Codes Fundeiro.

Azenha da Serra: Um baptizado em 1894.
Caldeiras: Totaliza 4 baptizados, em 1889, 1899 (2 vezes) e 1900.
Chão das Maias: Um baptizado em 1889.
Codes Cimeiro: Totaliza 3 baptizados, em 1887, 1890, 1899.
Codes Fundeiro: Um baptizado em 1874.
Fontinha: Totaliza 2 baptizados, em 1865 e 1866.
Horta do Ferraz: Um baptizado em 1909. É possível que se tenha tratado mesmo de um nascimento numa horta.
Outeiro: Um baptizado em 1910.
Outeiro da Lobata: Também designado “Outeiro da Lobatta”. 2 baptizados, em 1865 e 1868.
Portela: Ou “Portella”. Um baptizado em 1882.
Queixoperra: Tem um baptizado em 1897. Pertence, na verdade, à freguesia do Penhascoso (ou Panascoso à época), que em 1895 passou a fazer parte do concelho de Sardoal até 1898. Tratando-se de uma freguesia autónoma, há um único batismo registado neste período nos Livros da Freguesia do Sardoal, que é de uma criança exposta.
Sombreireiro: No limite da Venda Nova. Totaliza 3 batizados, em 1902, 1904 e 1907.
Vale de Carvalho: Azenha em Andreus. Tem um baptizado em 1876.

Casais

Demos conta de apenas dois casais: da Cordeira e dos Pombos.

Casal da Cordeira: Também designado “Cazal da Cordeira”, na Cabeça das Mós. Totaliza 3 baptizados, em 1871, 1873 e 1877.
Casal dos Pombos: Ou “Casais dos Pombos”. Há 2 baptizados, um em 1903 e outro em 1908.

Quintas

Apontámos a existência de nascimentos em 11 quintas no período em estudo, que são as seguintes: Quinta da Sequeira, Quinta da Zambujeira, Quinta das Gaias, Quinta das Madalenas, Quinta das Terras, Quinta de Arecês, Quinta de S. Bruno, Quinta do Pouchão, Quinta do Telheiro, Quinta do Vale da Gala e Quinta do Vale da Louça.

Quinta da Sequeira: Na Vila. Tem 1 nascimento em 1902.
Quinta da Zambujeira: Totaliza 7 nascimentos, em 1864, 1866, 1869, 1872, 1873, 1876 e 1890.
Quinta das Gaias: Tem 1 nascimento em 1898.
Quinta das Madalenas: Também designada de “Magdalenas”. Totaliza 5 nascimentos, em 1888, 1901 (2 vezes), 1903 e 1908.
Quinta das Terras: Totaliza 4 nascimentos em 1867, 1872 1876 e 1893.
Quinta de Arecês: Também designada por Quinta “d’Arrecez”, “da Recez”, “da Arcêz” e “d’Arcês”. Totaliza 9 nascimentos, em 1863, 1865, 1867, 1874, 1876, 1879, 1880, 1883 e 1904.
Quinta de S. Bruno: Tem 2 nascimentos em 1906.
Quinta do Pouchão: Também designada de Quinta do “Pouxão” ou “Pouxam” e fica no limite da freguesia. Totaliza 7 nascimentos, em 1865, 1878, 1885, 1890, 1892, 1897 e 1904.
Quinta do Telheiro: Tem 1 nascimento em 1886.
Quinta do Vale da Gala: Também designada de “Quinta do Valle da Gala”. Tem 3 nascimentos, em 1878, 1881 e 1899.
Quinta do Vale da Louça: Tem 2 nascimentos, em 1862 e 1865.


Autoria: Tiago Gonçalves (Julho de 2020)

Panfleto Anónimo: O Serrote (1927)

Ano I
Sardoal, 31 de Agosto de 1927
N.º 1 – Incógnitos, Desconhecidos e Misteriosos

Não temos repórteres – mas tudo sabemos. Do que se oculta – tudo nós vemos. Em que nada se fala – tudo dizemos. É veneno que não mata, chinó que se descobre, careca que se pôe à mostra.

Não temos política – mas fazemos chicana. Queremos ordem – mas fazemos bulha! Salvé rapaziada, mas olho vivo, senão…

-$ Um Futuro Risonho $-
Diz-se à boca fechada que a gentil freira do Convento da Avenida será a única herdeira do Estabelecimento Medicinal no Adro. Se é certo, lá vamos ter o barbeiro de D. Afonso elevado a dentista e laureado pela Faculdade Medicopofónica.

—: Touros de Morte :—
Consta que um distinto alfaiate maneta, cá do burgo, não assiste a touradas com touros de morte porque lhe causa certamente uma grande impressão nervosa o triste fim dos cornúpetos.

Era uma Vez…
Certo PÁSSARO, de agulha e tesoura, o qual teve uma aventura que merece ser contada aos da nova geração, para ripostarem aos moralistas que noutros tempos faziam ainda pior. Estando esse homenzinho apaixonado pela filha de um conceituado comerciante, quis aventurar-se… e combinou com ela ir fazer-lhe de noite um raid pela casa do que veio a ser seu futuro sogro. A pequena era quem triste e sozinha fechava a porta do estabelecimento. Eis quando certa noite, o pássaro já bisnau, poisou atrás duma porta que dava acesso ao ninho. Passadas algumas horas e minutos, quando a Lua já ia altana mansão celeste e a Rua se encontrava no mais profundo silêncio, mas não deserta de todo abre-se a janela e o passarinho num voo rápido e decisivo, aparece um pouco exausto, alcançando o fim desejado… A Rua! O que se teria passado antes, não o sabemos. O que se sonha d’ahi para o futuro é que sem asas também se voa!

– Ouro Ferrugento???
Ingenuamente mais uma vez se pergunta o que teria sido feito ao ouro de que ficou fiel depositário certo artista em folha de Flandres. Como já foi há tanto tempo é provável que já esteja ferrugento. Sim, porque o ouro velho para alguns… cria ferrugem…

– Lavrador e Filósofo –
Lúcio, O GRANDE lavrador há muito preocupado na forma de evitar o roubo das azeitonas, teve um sonho de Nureka: Ora tomando eu conta da fábrica… a azeitona que se rouba, iria lá ter, sem que eu tivesse necessidade de a mandar apanhar e quando acordou nunca mais pensou senão em tornar esse sonho na realidade.

E ficamos hoje por aqui
Qual rapazes de uma cana
Do muito que há para dizer
Fica algum para a semana!

Sardoal – 1999: Jornadas Vicentinas

Apresentação

Em 1988, o GETAS – CENTRO CULTURAL DE SARDOAL, desenvolveu a sua actividade em torno de um projecto denominado «SARDOAL – 88 / Ano de Gil Vicente», que mereceu o reconhecimento de «manifesto interesse cultural», por despacho de 15 de Abril de 1988, da Secretária de Estado da Cultura, Dra. Maria Teresa Patrício Gouveia.

Na época em que foi desenvolvido tratou-se de um projecto inovador, que envolveu um considerável esforço financeiro para as disponibilidades do GETAS, cerca de 800 contos, e teve então como objectivo primordial associar o Sardoal à vida e obra de Gil Vicente, através das referências que o Autor faz a esta terra em, pelo menos, dois dos seus autos, vincando a relação afectiva e efectiva que há muitos anos perdura entre as gentes sardoalenses.

Foi, então, encenado um espectáculo designado genericamente «AUTO DA ÍNDIA E OUTRAS REPRESENTAÇÕES», sendo este Auto a sua estrutura central, completado com uma colagem de quatro textos, extraídos do «Auto do Juiz da Beira» e da «Tragicomédia Pastoril da Serra da Estrela», obras em que o Autor refere concretamente o Sardoal.

Poder-se-á dizer que eram dois espectáculos num só;

  • Em palco decorria o «Auto da Índia”;
  • A cenografia desta representação pretendia sugerir o painel em azulejos, evocativo de Gil Vicente, colocado na parede sul da Capela do Espírito Santo, por iniciativa da Câmara Municipal de Sardoal, por volta de 1933/34.
  • Noutros pontos estratégicos da sala de espectáculos decorriam as restantes dramatizações, através de cenas de rua, com pastores e elementos do povo, que ressaltavam o espírito alegre e folião das gentes do Sardoal;
  • As representações eram encadeadas e integradas umas nas outras, através de uma narrativa teatral plausível e ritmada;

Porquê assim?

Porque com o «Auto da Índia» se pretende invocar (homenagear) o iniciador do Teatro Português, através de uma obra em que as memórias das navegações/descobrimentos são analisadas (humanizadas), para lá dos mitos e da institucionalização de uma verdade histórica factual;

  • Navegações que levaram (também) muitos homens do Sardoal para os sete-mares, andarilhos do destino, em busca de fortuna e aventura. Ou, talvez, em busca de si próprios…;
  • Com as dramatizações do «Auto do Juiz da Beira» e da «Tragicomédia Pastoril da Serra da Estrela», o objectivo era a ligação efectiva/afectiva de Gil Vicente ao Sardoal.
  • Em linguagem simbólica, o palco era uma maré de histórias vivas, recordaçõesdo passado/presente de uma memória colectiva, o promontório onde o povo anónimo, observa o mar da sua Esperança;
  • As dramatizações complementares, pretendiam significar o quotidiano de um país (de uma terra – o Sardoal), na sua complexidade de alegrias e tristezas, nas vagas da sorte e do azar.

Porquê as «JORNADAS VICENTINAS», no Sardoal, em 1999?

Onze anos depois, entendemos que continuam válidos os objectivos de 1988, podendo, no entanto, ser alargado o seu âmbito de acção.

Gil Vicente é, sem qualquer dúvida, um dos maiores vultos da Cultura Portuguesa de todos os tempos. O estudo das suas obras é fundamental para compreender a estrutura e funcionamento da sociedade portuguesa no período dos Descobrimentos, tanto mais que a permanência quase constante do Autor na Corte de D. João II, D. Manuel I e D. João III, o coloca numa posição de observador privilegiado dos mais importantes acontecimentos políticos e sociais que determinaram os novos rumos da Civilização, decorrentes da expansão ultramarina conduzida naquela época, essencialmente, pelas Monarquias Peninsulares.

No entanto e apesar do reconhecimento da importância da obra de Gil Vicente na cimentação de uma cultura genuinamente portuguesa, a divulgação popular dessa obra tem sido insuficiente, resumindo-se a algumas abordagens nos programas escolares e a algumas montagens teatrais dos Autos mais significativos ou de colagens de textos, não existindo um trabalho organizado e sistemático que evidencie, claramente, a profunda influência que teve e continua a ter na nossa Cultura e na percepção de uma época feita de glórias, mas também de fracassos. Para essa percepção muito pode contribuir uma análise sistemática dos diversos aspectos do quotidiano de Quinhentos, para o que a obra de Gil Vicente se torna um contributo inestimável.

Os aspectos cénicos, como em 1988, continuam a ser relevantes e devem ter o seu lugar de destaque no projecto que, ora, se apresenta.

O GETAS – Centro Cultural de Sardoal, pode e deve voltar a levar à cena o Teatro Vicentino. Por outro lado, justifica-se que possam ser realizados no Sardoal alguns espectáculos, eventualmente por Companhias de Teatro profissionais, subordinados à mesma temática Vicentina.

Mas, é de extrema importância para o desenvolvimento cultural do Concelho de Sardoal que sejam feitas outras abordagens, através dos seguintes vectores complementares e de outros, que venham a ser considerados relevantes e que, de momento, não nos ocorrem:

  • O património histórico/arquitectónico/artístico do Sardoal, cenário de uma História que nos pertence;
  • A Vila de Sardoal, como reflexo de espaços temporais distintos, unidos pela abertura a culturas diferenciadas;
  • O papel da Igreja, das Ordens Religiosas e das Misericórdias, na difusão cultural no século XVI;
  • A influência dos Descobrimentos Portugueses e da Expansão Ultramarina no desenvolvimento do Sardoal no século XVI.

Uma iniciativa deste tipo recomenda a criação de uma Comissão Executiva que planeie e coordene todas as actividades a desenvolver e promova uma gestão financeira equilibrada do acontecimento.

Esta Comissão Executiva deve ser integrada por personalidades oriundas das forças vivas do Concelho e deve criar condições para incentivar a participação das Escolas, das Associações Culturais e de outros agentes da política sócio-cultural (nomeadamente das Paróquias e da Santa Casa da Misericórdia de Sardoal), para que possam assumir um papel de relevo e parceria em todo o processo.

Enquadramento:

  • Dar a primazia a acções/eventos culturais que promovam a ligação Escola/Comunidade, envolvendo os Professores, Alunos, Pais e Encarregados de Educação e a população, em geral;
  • Promover acções que permitam a recuperação do património arquitectónico e artístico do Concelho de Sardoal (neste âmbito julgamos que a situação do pórtico da Igreja da Misericórdia pode ser um bom motivo para uma campanha de sensibilização das autoridades competentes);
  • Promover uma ampla discussão sobre o desenvolvimento estratégico do Concelho de Sardoal, nomeadamente no que concerne às opções de desenvolvimento económico, requalificação urbana da sede do Concelho, ao ambiente, à qualidade de vida dos seus habitantes e das pessoas que nele trabalham.

Eventos:

  1. Acções de promoção da Leitura – Parcerias entre a Biblioteca Fixa Calouste Gulbenkian, Escolas do Ensino Básico e Jardins de Infância do Concelho, Escola E.B. 2, 3 de Sardoal, Ensino Recorrente, etc.;
  2. As Festas Religiosas do Concelho de Sardoal na perspectiva do seu enquadramento histórico e da sua tradição: Procissão dos Santos Passos, Semana Santa, Festa do Bodo do Espírito Santo e Corpo de Deus, entre outras;
  3. Realização de espectáculos de Teatro Vicentino quer através de trabalhos do GETAS, quer com recurso a Companhias de Teatro profissionais;
  4. Realização de concertos musicais com obras do século XVI;
  5. Realização de Conferências e Seminários sobre os diversos aspectos da temática Vicentina;
  6. Realização de visitas guiadas ao património artístico da Vila de Sardoal, com destaque para o património artístico de inspiração religiosa, com vista à sua divulgação e, também, à sensibilização para a necessidade da sua defesa e preservação;
  7. Realização da promoção dos eventos culturais do Concelho e edição de livros e brochuras temáticas;
  8. Definição das linhas gerais da vertente cultural da Carta Estratégica do Concelho de Sardoal;
  9. Realização de outros eventos/acções cuja oportunidade se venha a determinar com o desenvolvimento do processo.

Sardoal, 1999

Limites territoriais do Concelho

Na sequência da elevação do lugar de Sardoal à categoria de vila, por carta de D. João III, dada em Évora, em 22 de Setembro de 1531, determinou aquele Monarca que fosse demarcado um novo termo para a Vila de Sardoal, mais consentâneo com a sua nova categoria, termo esse que se encontra detalhadamente descrito numa outra carta de D. João III, dada em Lisboa a 10 de Agosto de 1532.

Esse termo manteve-se até 1836, ano em que por decreto de 6 de Novembro (“Nova organização dos distritos Administrativos do Reino”), foram anexadas ao concelho de Sardoal, as freguesias de S. Sebastião de Mouriscas e de S. Silvestre de Souto, tendo entrado também na mesma anexação a Quinta do Pouchão e os lugares de Casais de Revelhos e Sentieiras. Em termos paroquianos estes três lugares já pertenciam antes à freguesia do Sardoal, apesar de fazerem parte do concelho de Abrantes.

Excerto do decreto de 1836

Abrantes alegou reclamações dos moradores, que se recusavam a obedecer ao concelho de Sardoal, motivo que levou a que a Câmara do Sardoal se queixasse por diversas vezes junto do Secretário da Administração Geral de Santarém, incriminando a Câmara de Abrantes de apoiar a desobediência, de tal modo que as populações se “amararam contra os oficiais deste concelho que lhes têm ido levar ofícios, chegando a rasgar uns e a calcar aos pés outros, e ameaçando com a morte os mesmos oficiais”. Pelo Decreto Real de 12 de Junho de 1837, publicado no Diário do Governo n.º 141 de 17 de Junho, estas freguesias foram devolvidas ao concelho de Abrantes.

Excerto do decreto de 1837

Na freguesia de S. Tiago e S. Mateus do Sardoal conservaram-se a Quinta do Pouchão, e os lugares de Casais de Revelhos e Sentieiras, respeitando-se deste modo a doutrina consignada no Decreto da Reforma Judicial de 29 de Novembro de 1836, publicada no Diário do Governo n.º 292 de 9 de Dezembro de 1836, no art. 6.º §. 2.º do Título 1, que determinava que “a freguesia toda pertencerá ao Julgado em que estiver situada a Igreja Paroquial”. Contudo, diligências posteriores das autoridades Civis de Abrantes vieram produzir nova desmembração no concelho de Sardoal, em relação aos referidos lugares de Casais de Revelhos e Sentieiras, que foram incorporados na Freguesia de S. Vicente de Abrantes, pelo Decreto Real de 17 de Abril de 1838, publicado no Diário do Governo n.º 93 de 20 de Abril de 1838, onde consta o seguinte:

Excerto do decreto de 1838

A Quinta do Pouchão, não estando referida no decreto de 1838, manteve-se em termos paroquianos como pertencendo à freguesia do Sardoal. Os Julgados de Abrantes e Sardoal vieram mais tarde cada um a alegar direito de jurisdição sobre a dita quinta, como é possível ver numa carta de 13 de Novembro de 1847 que o Juiz Ordinário do Julgado da Vila do Sardoal dirigiu à Rainha Dona Maria II.

Em 1895 a freguesia de Penhascoso foi desanexada do concelho de Abrantes e anexada ao concelho de Sardoal, por Decreto Real de 21 de Novembro de 1895, publicado no Diário do Governo n.º 267 de 25 de Novembro.

Excerto do decreto de 1895

Menos de 3 anos depois, por Decreto Real de 13 de Janeiro de 1898, publicado no Diário do Governo n.º 11 de 15 de Janeiro, a freguesia do Penhascoso passou a pertencer ao concelho de Mação.

Excerto do decreto de 1898

Constituído, desde a sua fundação, por duas freguesias: Sardoal e Alcaravela, só no século XX foi alterada esta situação de forma duradoura.

A freguesia de Santiago de Montalegre foi criada pelo Decreto n.º 15 132, publicado no Diário do Governo n.º 55/1928, Série I de 8 de Março de 1928, tendo sido desanexada da freguesia de Sardoal.

A freguesia de Valhascos foi criada pelo Decreto-lei n.º 37 555, publicado no Diário do Governo n.º 203 de 15 de Setembro de 1949, tendo sido também desanexada da freguesia de Sardoal.

Em 1930 foi desenvolvido um forte movimento cívico (denominado de Pró-Sardoal!) para que o concelho de Sardoal voltasse a ter maior expressão territorial, mas que não conseguiu fazer prevalecer as suas pretensões – pode ler mais em Sardoal Com Memória.

Pretensões da área a anexar, pelo movimento Pró-Sardoal, por volta de 1930

Algumas séries de postais

Edição: António Carvalho Tramella (Made in France)
Fotografia: Pedro Barneto Nogueira
Anos 20 do séc. XX

Edição: António Carvalho Tramela (Herdeiros), Lda
Oficina Gráfica de «O Comércio do Porto»

Edição: Câmara Municipal de Sardoal
Fotografia: Paulo de Sousa
1991

Edição: Região de Turismo Templários (F.C.A.)
Fotografia: Serviços de Cultura – Câmara Municipal de Sardoal
Fevereiro 1998

Moinhos de Entrevinhas

Um dos moinhos de Entrevinhas (2020)

Sobre os aspectos técnicos e construtivos destes moinhos, principalmente do que se encontra totalmente recuperado, aconselho a leitura de um extracto do livro “Sistemas Primitivos de Moagem em Portugal – Moinhos, azenhas e atafonas – II”, da autoria dos Professores Jorge Dias, Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano, editado em 1959 pelo Instituto de Alta Cultura – Centro de Etnologia Peninsular, que é o trabalho de investigação académica mais completo que conheço sobre esta matéria.

Recomendo também um texto que escrevi há algum tempo, com o título: “Os caminhos da modernidade. Tão longe e… tão perto!”, com algumas memórias e testemunhos deste espaço e da sua ruralidade, ainda tão presentes na minha memória.

“Moinho de Entre-Vinhas.” Do livro “Sistemas Primitivos de Moagem em Portugal – Moinhos, azenhas e atafonas – II”. A) Corte e planta do moinho; B) Rebordo de pedra mostrando um dos tacos (a), e um rasgo vazio onde eles se encaixam (b); C) Perspectiva do capelo e disposição do barrotamento com a janela; D) Interior do rés-do-chão, vendo-se o urreiro com as pontas escondidas nos maçiços; E) Raposa firmada pela escora; F) Carrete; G) Moega com o arrocho de regular a quelha (d) e o cordão de levantar o chamadouro.

Sempre que regresso ao Alto dos Moinhos de Entrevinhas, percorre-me um frémito de emoção, como se fosse possível viajar no tempo e recuar mais de quatro dezenas de anos, quando ainda funcionava o moinho que agora, se o vento o permitir, volta a funcionar, quando o seu moleiro era o Sr. Joaquim dos Santos Baptista ou o seu filho Tiago, que também eram os donos da azenha no Porto de Mação.

Meio dos anos 90 do séc. XX, quando estavam em ruínas

Nasci a pouco mais de trezentos metros daqui. Por aqui cresci, brinquei e trabalhei. Aliás, era aqui que nos finais dos anos cinquenta se juntavam os rapazes da aldeia de Entrevinhas para disputar renhidos desafios de futebol com bolas de trapos, descalços, para não estragar os sapatos e em que quase sempre acabávamos com os dedos dos pés esfolados e/ou com grandes nódoas negras. Era também aqui que se vinha buscar uma espécie de argila amarelada (ocre) que misturada com a cal servia para pintar as barras das casas.

Em 1999, quando foram recuperados de acordo com as características originais (incluindo o telhado de duas águas, que lembrava um “barco de quilha para o ar”, e que fazia destes moinhos um caso único no país). Numa recuperação de 2012, foi colocado o tradicional cone que se vê em todos os demais moinhos de vento, como é possível ver na primeira foto da página.

Quanto à paisagem envolvente, basta que a olhem com atenção. E ainda que a altura dos primeiros pinheiros impeça uma maior abrangência do horizonte que se abre, especialmente a sul e a poente, podemos ver algumas casas de Cabeça das Mós e de Mouriscas, a Vila do Sardoal e algumas casas de Carvalhal. Se a limpidez da atmosfera o permitir, vemos também a cidade de Abrantes, que invejosa nos esconde as planuras da Lezíria Ribatejana. Na direcção das torres da Central Termoeléctrica do Pego, um elemento estranho à paisagem, que simboliza, para o bem e para o mal, a evolução tecnológica na produção de energia eléctrica, as planuras alentejanas, onde tantos homens da aldeia de Entrevinhas e de todo o concelho de Sardoal, no papel de «ratinhos», labutaram em longas jornadas de ceifas, trabalho e sofrimento. Para norte e nascente as agrestes serranias, que a pouco e pouco se voltam a vestir de verde, depois de percorridas por uma língua vermelha de fogo, nos escondem a Beira Baixa, cujas características já são evidentes na vizinha freguesia de Alcaravela, cujos limites daqui se avistam.

22 de Setembro de 2000

1905 – 1910: Um exemplo de polémicas nos jornais regionais

Este é um exemplo ilustrativo das polémicas nos jornais regionais no início do século XX.

Em 2 de Janeiro de 1905 o Padre António Joaquim da Silva Martins foi empossado como Presidente da Câmara Municipal de Sardoal. O Jornal de Abrantes contou então durante alguns meses com correspondência muito crítica de um sardoalense que assinava como Zaguncho e que se referia ao recém-eleito autarca como “caritatível e administratível do Sardoal”. Esse pseudónimo foi usado entre 6 de Agosto de 1905 e 15 de Abril de 1906.

Em Janeiro de 1910 aparece um novo correspondente em cena, cujo pseudónimo era Sandeman. Era presidente da Câmara nesta data o sr. António Carvalho Tramela, e Sandeman parece ser pró-município. Logo em Fevereiro, um tal de “Zaguncho Júnior”, dito sobrinho do Zaguncho original, entra em cena, com um tom que é mais uma vez crítico para a Câmara e também para Sandeman, mantendo-se a polémica entre ambos durante alguns meses.

6 de Agosto de 1905
Correspondência – Sardoal
Benditas Almas

O caritatível e administratível do Sardoal, muito boa pessoa, despende, diz ele, os chorudos ordenados e proventos correlativos em obras de pia cristã caridade, escondendo, por modéstia a boa é pouco, a bonitíssima acção nos olhos do vulgo, como os preceitos cristãos recomendam. E tanto na sombra procede, que ainda não houve estômago contemplado a arrotar de farto.

Será por o intento da pia de caridade exercida por grosso, que ele desdenha o pagamento de ordenados em miúdo?

Vejam como é a ingratidão de um povo, ingratidão!

E os clientes por aí aclamam por ele de graça, leva couro e cabelo, sim!

Oquenãoemalhos, vai em bugalhos: chibatos, galinhas, frangos, presuntos, chouriços e até patos. Não há dúvida que há muitos patos.

Casos e Casos de Moralidade

Os senhores sabem que um cavalheiro requereu à câmara autorização para ampliar um pequeno patim de uma casa que destinava a teatro numa rua bastante larga, mas de pouco trânsito e sem prejuízo deste: que a câmara vistoriando o local deferiu o pedido, mas que depois negara a deliberação coagida por advertências do recto (vírgula) e sábio (vírgula e meia) interpretador de leses cá do bairro, o cumulativo administrador que é, por tal sinal muito boa pessoa, mesmo muito boa pessoa, negou o deferimento, dissemos com o fundamento, que outro lhe fez vir, sobretudo as leses que havia “alienação de terrenos públicos”. Mas, a mesma câmara assim tão nobremente advertida, consentindo que “algum” se apoderasse, queremos dizer, beneficiasse o município dispensando-lhe o favor de se aproveitar de uma extensa e larga faixa de terreno junto á estrada do Sardoal à Arcez, ali nos subúrbios da vila no sitio de S. Sebastião, mesmo juntinho à horta do Salvé-Rainha, consentindo mais o bem das conveniências públicas que o curso de um ribeiro, que no Inverno toma bastante água, fosse desviado com mais que presumível prejuízo da estrada para a berma desta que nem ao menos foi revestida de parede, como a prudência aconselhava. Ora os senhores sabem bem que a horta do Salvé-Rainha, é hoje do menino Vitoso, o grande promotor de melhoramentos locais do Sardoal, sabem do caso, o maior e o mais grande, sendo aliás de pequena bitola dos beneméritos que aqui tem havido desde a Patoleia até esta melhorada época de melhoramentos “melhoraríeis” das pessoas e das coisas, e de direito já lhe pertencia quando a concessão de terrenos produziu, visto haver optado, por si ou pessoas da sua família (senhorios directos) na venda do domínio útil que o Salvé Rainha fizera em Fevereiro último a uns cavalheiros desta terra, como é público e notório e por tal sinal por mais do dobro do preço que o médico Vitoso agora comprou.

Tudo isto é inocente, inocentíssimo. Nós perguntamos e perguntam os senhores, que lhes interessa investigar e saber: haverá nesta autorização camarária alienação de terreno público, e, portanto prejuízo para o município ou naquela outra, que foi negado(a do partido) é que ele salta evidente?!

Bem vemos que é um caso de moralidade que vale a pena esclarecer.

O caritatível administrador, boa pessoa, mesmo muito boa pessoa, anda aflito, coitado!… Aquela boa alma cristã, sensível a “digestos alheios” nada pena de dores. Até passou um figo passado! E sabem porquê’ Por causa da demissão do António Henriques da Silva, tudo aquilo foi pelos modos obra da leses que apanharam o Silva de ricochete com mais uns anos que a conta por saber do seu ofício e bem desempenhar a contento das corporações que serve com habilidade, lisura., prontidão e tanto assim é, que para o lugar que exercia na câmara, foi convidado e rogado. Até os senhores da câmara sabem disso.

Aí têm porque a alma administrativa anda ratada de desgosto. Até o respeitável corpo não come senão quatro vezes ao dia, é verdade que o administrador disse há meses a mais que uma pessoa, sempre há cada linguareiro!… que o Silva não convinha na câmara porque era inconveniente para certos fins convenientes, notem isto meus senhores.

2 de Agosto de 1905

Zaguncho

13 de Agosto de 1905
Correspondência – Sardoal

Na sessão de 3 do corrente o administrador do concelho, que tanto impa de independência e de legalidade, mas que apesar da azedia dos arrotos e acumulador de empregos com ofensa grave da lei, camaleão político com créditos de desertor nos partidos que diz ter servido apreciou sem competência nem autoridade para o fazer ali, o requerimento em que o contínuo escrevente Silva, pedia a demissão do seu lugar para se poupar ao vexame de lhe ser imposta, comentando a seu modo que, como é público e notório, é aventando suspeitas insidiosas ao intento dos outros e fazendo de passar por aquilo que muito boa pessoa, mesmo muito boa pessoa, como todos sabemos, até aqueles que se dizem por coisas seus correligionários, que o conhecem e respeitam de ginjeira.

Na sua legalíssima e doutíssima doutrina nem já o impunuto e ofendido em seus direitos pode queixar-se de injustos graves, e na sua sapientíssima hermenêutica quer nos seus actos públicos que até aqui tem sido perseguições, explosão de gazes arrogantes e mal cheirosos e coisinhas tão mesquinhas que só o desprezo provocam se vejam e notam, diz ele, intentos e esforços de dotar o concelho com melhoramentos locais! Isto é reles mas reinadio.

Como melhoramento local devido à sua intervenção é mais que provada ignorância, temos a remodelação das ventuzas de abastecimento de água e outras obras necessárias, que o povo admira e agradece, em que sem aplausos, sem instruções técnicas desprezando e motejando-se conselhos de profissionais, foram água abaixo, os dinheiros municipais, como todos podem verificar se quiserem. Como obra da sua pensante e falante cabeça temos a demissão do secretário da administração, a premeditada do contínuo escrevente, como o atingido poderá provar e a perseguição ao recebedor do concelho.

Caos cagarretas, ficam de banda, como as piegas de pieguices da sessão referida.

Tenha o administrador ao menos a coragem da responsabilidade dos seus actos, cujo alcance todos conhecem, como conhecido é o seu íntimo quando aprecia o dos outros.

Saiu daqui para ser aplicado num partido médico municipal Sr. Dr. Menezes de Almeida. Consta que outro hábil o virá substituir em breve, embora, aqui como facultativo municipal o Sr. Dr. Oliveira Xavier, clínico competente e ilustrado. Mas ainda por cá está o médico cirurgião Victor Mora (com quem o povo não engraça muito) apesar de ser clínico gratuito, ele é feio (sem favor) mas é boa pessoa, muito boa pessoa, isto sem reclamo aos seus méritos esmoleres e físicos.

4 de Agosto de 1905

Zaguncho

13 de Agosto de 1905
Correspondência – Sardoal

Não duvidem.

A câmara de Sardoal estranhou que alguém em palestra com um titubeante vereador censurasse um acto da administração municipal, em que, pelos modos houve piparotes na equidade e a independência de um prego.

Apreciou e estranhou o caso em sessão, lavrou a sua censura e queixou-se ao administrador do concelho, que por sua vez, intimou a presença do censurante para responder na administração. Uns queridos propósitos pela câmara!…

Com que direito, com que autoridade se praticam estas prepotências? Como seria ridícula a vaidade e a necessidade, se estes aleijões não merecessem tamanho dó!… Mas, se tão furiosa é a câmara, porque não clama a dizer da sua justiça uma população inteira, lograda, indignada contra os disparates que se têm praticado com o abastecimento de águas, feito sem método e sem ordem.

A capacidade de um arquitecto de camaradagem ignorante e ousada, não há, duvida. Peça a briosa inspecção técnica as obras executadas e os erros mais crassos, mais grosseiros, vergonhosos até, serão mais evidentes, se preciso.

Ande, não se demore.

Que força e que arrotos de verdade

Zaguncho

20 de Agosto de 1905
Correspondência – Sardoal

Não nos resta dúvida alguma no que vamos escrever, para todos lerem, sobre certos e variados empenos incógnitos de personagem que, nós ao vê-las: dissemos são sadias e escorreitas de pé e não como em pêro marmelo, parecem não terem chagas e serem boas pessoas, ter mioleira, por ter cabeça que corresponde ao vulto, de que resultem bons efeitos de utilidade social e política. Aqui é que está o engano. Não é, pois, pelo bem posto dos tipos, pela esbelta figura, pelos luzentes olhos, pelos bem frisados bigodões e bem tonsurada barba à guizo que nós o devemos taxar de boas, santas e puras almas:

Temos em primeiro lugar, de vê-las marchar para lhe vermos os empenos físicos, se têm cócegas, boa postura, se nada lhe falta para à vista nua se conhecer se possuem os requisitos de serem uns bons dândis ou manequins, vê-los proceder para ver se são boas pessoas. Resta ainda referir às manias de birras que nem aos entendidos é lícito conhecer que só se dá por elas passados tempos.

Sendo os bons requisitos, além de outros, boca dócil, língua limpa, dente pouco ferino e apurado ouvido, aconteceu muitas vezes, que encoberto por manhas os defeitos destes auxiliares, com mais facilmente se escondem outros instintos ataques biliosos, raivas, cóleras e intermitências ferozes a desilusão faz-nos muitas vezes dizer: quem não te conheça que te compre.

Daí muitas vezes emanados pelas aparências, a simples vista atribui valores altos, a figurões quando em verdade não merecem mais que o reles de um estropiado sorriso typorio.

Deixemos, pois, que o dito fica e vamos ao que importa.

Os caros leitores têm lido os jornais, tais como o Jornal de Abrantes e notícias de Lisboa? Devem ter lido com certeza, e consta-nos com bastante interesse, porque verdade, verdade, nunca os sardoalenses contaram com a sua boa fé, e seu bem estar, o seu amor próprio, e fossem tão grosseira e barbaramente ludibriados por uns politiqueiros empenados e astutos em maledicência traiçoeira que os engana para fins perseguistas refocilando-se aquilo, à custa de ingenuidade de homens bons, fartos de massas e mais massas.

Aí tendes desde 2 de Janeiro de 1905 a praticar violências, com todo o descaro, contra homem mais bem nomeados do que eles julgam, tudo porquê? Para se administrar sem pagar uma de x ao estado e receber as seguintes bagatelas:

25$000 mil réis de administrador interino (ilegal) de emolumentos etc. 22$500 de ilegal subdelegado saúde, 4$166 réis médico de partido, 22$500, mestre escola de botica, mas não sabe preparar um emplastro vesicatório, 33$333, do justo sujeito, à sua ambição, e não à tabela camarária aos que botaram lista zero, dos mesmos em chibos, galinhas, frangos, cebolas, alhos, salsa, hortelã, nabos e outros aperitivos e ainda patos, e bem patos. 45$000 réis, presumíveis, e do hospital, 3$750, soma total de quantitativo que no fim de cada mês lhe vai para a pança, 161$249 mil réis! Pasmem senhores e caros leitores! Come mais que uma fera, não duvidem dos algarismos porque estão certos, e se não esse bolboso, esse 31 de janeiracio, esse patriota que enverga o barrete vermelho para depois o deixar tombar nas vagas como desertor venha demonstrar-nos.

Aqui tende caros leitores, sem fantasia, simples exposição de factos em linguagem pura e verdadeira que não podeis desentender e julgá-la clara porque claros são os factos.

Voltando aos empenados devo dizer-vos caros leitores, que o Tareco botou fala no D. de Notícias do dia 8, a respeito das águas, mas o arrogado é tão tosco e tolo que não vale a pena mexer naquilo, fede.

A razão é esta mexendo-se de mais exala porcarias.

A verdade é que a santa cambra vai fazendo limpeza às fezes que existiam na burra e ás que agora vai desviar da viação chiada carrada de resíduos no valor de réis 1200$000, aproximado. Um pau por um olho…

No resultado óptimo, em que o Tareco falar, eu já lhe conto a água entrou no depósito assoprada por canudos, em andadura de pilecas coxo e manhoso, com tal velocidade em que em dois minutos e treze segundos produziu às pinguinhas o dilúvio de 10 litros. E ainda haverá quem morra à sede?

Zaguncho

3 de Setembro de 1905
Sardoal – Correspondência

Mais melhoramentos locais. Em homenagem à vaidade.

Já aqui contámos que o município fora beneficiado com uma bela obra junto à horta do Salvé-rainha, aliás do administrador deste concelho.

Hoje falamos doutro importante melhoramento. A briosa câmara numa das suas sessões louvou de benemérito para riba o grande, com que o caritatível administrador dotou o cidadão alfaiate Joaquim Martinho, mano da criada Joaquina, perdão, o povo de Andreus e mais lugares circunvizinhos. Com a construção de um aqueduto, cuja despesa se elevaria a uns dezoito tostões menos cinco, resultante desta boa obra patriótica aproveitamento de terreno municipal para o referido mano da mana Joaquina, de valor superior ao dispêndio, para construir muro sem… coisas?…

Só deram por ele os logrados…

E a briosa, louvando a nobre acção, não andou à altura da sua independência moralista, e mais miudezas?… Está visto, está claro.

Ele há algumas almas que parecem de ferros velhos e afinal de contas são… de estanho. Dobram como o vime…

Dissemos, mal informados que o caritatível espalhava em melhoramentos locais e em grossas esmolas caritatíveis os grossos ordenados, além de seringar por aí de graça a sabedoria a quem dela uma só vez precisa de alívio das almorreinas, como é droga gratuita anunciada, no cartaz sem o esforço da cachimónia, colhendo-se proventos em presuntos, chibos, galinhas e… patos.

A maquia dos ordenados essa é outra no estimado e mais miudezas de criatura, “nessa não caio eu”, costuma ele dizer, esperto e vivan, tido como é, sem favor, e até, muito boa, boasinha pessoa que até parece mesmo ele a esbugalhar os olhos para aqueles que, no rol da roupa suja, estão apontados por não botarem lista por ele, quando o vão procurar, como especialista, para lhe receitar uns dez réis de basilicão para algum dente ou desencravar alguma unha.

Zaguncho

17 de Setembro de 1905
Correspondência – Sardoal

Mais uma vergonha atirada às faces dos sardoalenses.

A câmara em sessão tumultuosa o secretário retirou da secretariam, munícipes postos fora da sala pelo administrador interino do concelho.

Narramos o caso humilhante e vergonhoso ocorrido na sessão de 28 de Agosto findo. A câmara reunida com todos os seus membros e com a comparência administradora ilegal e ditador de intermez com a tolerância de quem se deixa amolgar como se fosse uma bola de borracha, às 10 horas e picos, mandou anunciar aberta a praça, digo, sessão, e depois da leitura da acta anterior e mais correspondência, foi chamado o zelador para explicação àcerca da multa ao Mamede dos Santos por transgressão do art.º 3º do aditamento às posturas, e Ana Pereira, viúva, da Salgueira, por se achar incursa na pena comunicada no art.º 74 do código das posturas, por contar na câmara, pelo mesmo zelador, que os multados estavam aconselhados pelo administrador a não pagarem. Conhecendo a câmara o correcto procedimento do zelador, mas não querendo ainda assim de deixar praticar um acto de justa moralidade, isto é, reconciliar, e de procurar os verdadeiros dados, sobre a questão e serenar os animais irritados, declarou o presidente que, achando-se na sala um genro de Ana Pereira, julgava conveniente que fosse ouvido pela câmara e administrador, e depois deliberar a justiça.

A esta resposta retorquiu o administrador “a câmara não pode pedir explicações, não pode interrogar ninguém sobre multas ilegais”. O presidente ponderou que cumpria à câmara o direito de procurar esclarecer-se de todos os assuntos de interesse e direitos municipais e depois de bem informado procede com acerto, e jamais, porque nos casos sujeitos se trata de penas combinadas para ofuscar as regalias dos consumidores e da propriedade, açambarcamento de frutos na praça(melancias) que o administrador disse, em defesa do transgressor, que foram compradas para o sustento dos porcos(textual) e invasão do gado numa vinha, e portanto competia-lhe obter datas seguras para fazer justiça. Constando particularmente ao presidente por declarações do genro da Ana Pereira, note-se isto, que realmente o gado da sogra havia invadido a vinha do queixoso, e que a este assistia o direito de fazer impor a pena, chamou-o à presença da câmara para mais provar quanto era justo a imposição da multa, o administrador, batendo o punho gritando arrogante, clamou rabioso não admito que esse homem fale, não tolero que lhe peçam informações, ponha-se na rua!… isto é tudo uma pouca vergonha!…

O presidente temeroso da atitude ferina arrogante e raivosa do administrador, levanta-se desnorteado e com ele os vereadores, assim desprestigiados, ofendidos e exausterados pelo prepotente administrador e recolheram corridos da secretaria, encenando-se ali, havendo saído o secretário, ao passo que o administrador continuando a barafustar, dando-se um espectáculo como truão de feiras, rugia ameaças e punha fora da sala das sessões aos berros, os munícipes que ali tinham ido, cuidar dos seus negócios!… arre que é pouca vergonha, regougava.

Não é fácil descrever aos nossos leitores o vergonhoso escândalo: só presenciando para a exautoração moral, de quem, louvado, baixou a praticá-los e também para quem, cabalmente deixa calcar os pés os seus direitos ao seu mandato. Se não houve ali justo esforço imposto por todos os deveres, se a câmara enérgica e briosamente como lhe competia, não lavou a afronta estúpida no seu pundonor, foi porque ali não há quem tenha a honestidade de reagir, quem tenha a coragem de ocupar-se e exercer a sua missão sem indiferença, proposto por um homem prepotente mas imbecil.

O administrador do concelho calca aos pés aquelas que, ludibriadas por ele e ainda em cima escarnecido, vivem como miseráveis subjugados autómatos com negros sob chicote, quando a sua missão deverá ser de se elevarem pela incerteza pela imparcialidade e pela justiça dos seus actos públicos.

E se não há dente ele que ache, diga frente a frente: para trás néscios, para trás, astutos, para trás tartufo.

Têm medo, coitados!…E medo, só medo do seu temperamento rancoroso e vingativo tem o pobre povo, Quem o estime como homem, quem o respeite como autoridade, quem o considere como clínico não há. Medo só medo. Há, porém, quem se não cobarde com as fervesses arremessos, quem não teima as prepotências, que só assustam os ingénuos que lhes despreze os reles propósitos e manejos.

Que desgraçado é o homem que tem que abusar da sua posição social para ser atendido com fingida consideração!

O mau, se não é respeitado é temido.

A minuta da acta da sessão de 28 de Agosto, lida em sessão de 4 do corrente, não é verdadeira. Não faz referência ao facto principal ocorrido, o encerramento tumultuoso daquela sessão com motivos que lhe deram causa.

Tudo isto é edificante conforme o bombástico programa soluçado pelo presidente da câmara (2 de Janeiro) no dia da posse desta. Bom seria também que a câmara em sessão, com a assistência do arquitecto vir explicar-se, para que o povo melhor saiba como e em que gastou o milhar de um conto de réis no alvar disparate do esbanjamento, digo, do abastecimento de águas de que, por desgraça não há gotas que fartem.

Não seja só perante o resumido auditório ingénuo arrotar arte, competências e sabedorias. Quanto é difícil os homens conhecerem-se.

Zaguncho

15 de Outubro de 1905
Correspondência – Sardoal

Inteireza, independência, economia e mais miudezas da câmara.

Temos aqui mostrado quanto a câmara é inteira e justa nas suas resoluções, permitindo a uns e a outros nega, ou recusa.

Assim, depois de haver diferido a um requerimento em que lhe pedia autorização para ser ampliado um pequeno patim, numa rua desta vila, sem prejuízo do transito e que realmente não havia negou-o depois amedrontada pelo hermeneuta equivoca de sábio legista deste concelho, façanhudo administrador Victor Mora, permitindo depois, que com prejuízo evidente de uma estrada municipal, alguém se aproveitasse de uma extensa faixa de terreno junto á horta do Salvé-Rainha, aliás do sábio legista. O administrador, que não reclamou esbravejando como que urso em jaula, é porque julgou a coisa jeitosa e legal.

Numa vergonhosa sessão de Agosto último a câmara que é toda inteireza, independência e uma realidade, o arroto é livre depois da meia noite consentisse que o administrador, libioso e fero, batendo o murro sobre a mesa das sessões, berrando como truão de feira a exautorasse na presença dos munícipes, na própria sala das sessões!… E é tão inteira, independente e puritana que nem sequer protesto lavrou!… Edificante… E tão puritana, económico e bem orientada, que tem tolerado que um vaidoso ignorante e tolo, arvorando-se em atrevido “engenhocas” para aí tenha pinoteado os mais ridículos e rugosos disparates a que por irrisão ou escárnio lançado aos munícipes se pretende chamar abastecimento de água, enquanto não é mais do que um esbanjamento delas e do dinheiro do povo, mais de um conto de réis!

E tão puritana, económica e bem orientada, que, com expediente disparates resolvem em seu betumo destruir um renque de frondosos eucaliptos, que sustem o aterro e aformoseiam a estrada, tornando aprazível e pitoresca, junto à ponte de S. Sebastião, ali defronte e bem pertinho da horta do Salvé-Rainha, virgula, do administrador do concelho Victor Mora, ora, quando os munícipes do país, o Estado e todas as corporações cuidam de fazer desenvolver as plantações de árvores em largas ruas, estradas e logradouros, como essencial à salubridade pública, quando a ciência demonstra positivamente que o eucalipto plantado próximo da corrente de água não as inquina, antes até melhora as águas potáveis e enxuga os pântanos, sendo salubre a sua sombra e restante aqueles plantados e vivendo majestosos e soberbos próximo de uma ribeira nos subúrbios da vila, sem corrente no estio, convertendo-se em charcos pantanosos as estagnadas águas para que a câmara, em desafio à revolta com os bons preceitos e com a ciência, se atreve acometer o ignaro e bárbaro vandalismo, é necessário que obcecada obedeça à razão tão … surdas que, só ela conhece.

Os eucaliptos salutares, ali só poderão prejudicar com a sombra o oásis seu vizinho e com as raízes as futuras couves gigantes, produto da horticulação fantástica, horticultura de um enxofrado saloroso mestre serradura, colega da mão esquerda, da manhosa dos fogueteiros de Valhascos.

Mas a dar-se o barbarismo de serem derrotados sem alma nem consciência aquelas formosas árvores, para que nos decepados troncos não possa tropeçar alguém, papéis untuosos de unguento com eles, mesmo um pequeno pardal lhes pode lançar o fogo, decerto ainda não esqueceu a lição de mestre.

Zaguncho

Correspondência – Sardoal

Bem sabemos que é bradar no deserto, ainda que a hora do tremendo ajuste de contas está próxima. A ousadia a par da má índole, contando com a tolerância do povo que ainda as sofre enquanto não se revolta, pendurando-os nos candeeiros, como aos seus falsos defensores têm acontecido nas revoluções populares, caminhar arrogante e atrevido.

Serve-se da intragável, da calúnia impudente, pretendendo abocanhar com baba raivosa todos aqueles, que, desprezando-lhe os manejos os não temem.

É uma honra se censurado por eles, como é uma ignomínia merecer-lhes aplausos.

Para isto, para o incenso do tributo dos seus louvores é necessário ser-se manequim, sabujo e cobarde com aqueles que, sem protesto receberam humilhados e rendidos quando, no pleno uso de um direito, exerciam um mandato, que deverá ser sagrado, a mais torpe e reles das exautorações!… E é este o excesso de zelo de que se sentem animados.

Farsantes!… Tartufos!…

A seu tempo as contas mais enérgicas lhes serão exigidas, de cara a cara, lealmente, que é assim que esgrimam os que não precisam de se emboscar em congorsas e vielas sujas para ferir uma sombra. O intrigante, o caluniador é o mais cobarde e abjecto do que o assassínio que anavalha à traição a uma esquina.

A câmara, na voragem da destruição não contente de haver desperdiçado o dinheiro do povo nesse mais que vergonhoso “esbanjamento de águas” não trepida em destruir sem alma nem consciência as frondosas árvores das estradas municipais. Este excesso de zelo, pela destruição que é instado por desequilibrado “Miguel de Vasconcelos” (que todos senhores sabem o que foi) que amedronta com a sua arrogante catadura, feia, raiventa, que, como os espantalhos só deverá assustar pequenos pardais. Se a câmara, pois é sugestionada por ele, procedendo automaticamente, dando-se ao povo no burlesco e deprimente espectáculo, que ainda está na memória de todos, o da ridícula e humilhante sessão tumultuosa de Agosto último e além de outras, maior responsabilidade lhe impede, mais frisante é a sua queda moral, mais rastejam abatidos a independência e hombridade, de que tanto se ufana na sombra sem que os seus actos correspondam à sua arrogância.

Mas, se a câmara não sugestionada por um vaidoso e mau, porque não procede como o seu mando autoriza?…

Que prove o povo com os seus actos que pode e sabe fazer alguma coisa a contento do concelho. Apreciaremos as promessas dos seus pomposos programas e com elas se tem desobrigado.

Fala em manjedoura, para ele, o Pita Bezerra, coitado.

Bate o Inverno à porta e lá para Fevereiro acaba-se-lhe a palha e ainda o vazis não produz erva bastante para encher aquele bandulho e poder escrever quem lhe passar a gampa.

Pegonga, astuto, moralidade, independência, isenção e mais miudezas, ele que é um ousado acumulador de ganhas equívocas um desertor de todos os partidos pífio. Mas haja dó daquela aberração.

Ele tem coiro, bojo e dentes vorazes para mais, para muito mais.

Pobre Pita Bezerra.

Zaguncho

5 de Novembro de 1905
Correspondência – Sardoal
Meu caro colega e compadre

Acabo de chegar a esta sua de Chão de Codes, e, apesar de estar apertado com uma coisa que ninguém pode fazer por mim, quero antes, que pese aos refilões de barriga, chegar ao fim desta cartinha por que o colega já deve estar ansioso. Não é para me gabar, mas o colega não tem um correligionário mais devoto que cá o Manuel. Eu lhe conto.

Há umas três semanas fui eu à vila, e, como é costume, fui apertar os ossos ao nosso Tramela. Este nosso correligionário estava pesando bacalhau e tão bom que nem conseguiu impingir um inteiro, de quatro quilos e meio, sueco, a doze vinténs o quilo, por ser cá para o sangrador. No Racha Pregos, ou no Batista custava catorze vinténs. Comi o belo peixe toda a semana, e, no domingo seguinte, pela manhã, antes de tornar a partir para a vila, bati-me com o resto, com o competente alho que me soube que nem nozes.

Mas o que vem a ser esta história do bacalhau!… vá lendo que é muito importante, lho digo colega.

Ele era todo muito bom, mas tão salgado que o poço que tenho no quintal que o colega conhece por já ter levado de cá alguns sapitos para a cura das sezões, ia ficando seco. Tanta foi a água que meti para o tripame.

No tal domingo, porém, ao chegar à vila, pedi água ao Raposo e ao Thomaz, mas, em vez de pinga ouvi uma gargalhada e isto, “Deus o favoreça homem de Deus e deles; isso acabou-se cá na terra”.

Não percebi o alcance da léria, e para não ouvir mais enigmas, dirigi-me à Preta para ali beber água à farta, sem ficar em agradecimentos a ninguém.

Mas ao chegar à porta da Maria Cunha, notei logo que alguma coisa de anormal se passava na fonte. Estavam nada menos de 20 mulheres para encher, em grandes ralhos, e aí uns quarenta malteses para beber, vi logo que não tinha vez e que me fez exclamar meio enfurecido: “Maldito bacalhau”.

Toda a gente gritava contra a câmara, contra o colega, contra todos os nossos que tendo gasto bons contos de mil réis para dar água á farta ainda não conseguiram fazer passar a Preta de indecente mijarete, que eu vi com os meus próprios olhos . Calcule quanto sofri de ver e ouvir aquilo tudo tanto mais que eu estava convencido que as obras das águas devia ficar de arromba por o Coxo assim me ter afirmado, baseado nas leis físicas.

Tive então uma ideia genial: botar a correr por esse mundo fora em procura de remédio para aquele empeno ordinário, que tanto estava aguçando a má língua contra o colega.

Dirigi-me ao nosso colega das Sentieiras, que me recebeu optimamente, como se eu fora o grande Elias: e, de eu lhe explicar ao que ia, saiu-se-me num pranto com esta: Eu já sabia dessa história das águas e bastante me tenho admirado que o nosso colega, que por lá mande naquela tropa toda, não tenha ainda dado com a cura, ele que tanto sabe de moléstias, graças ao livro de S.Cipriano. A coisa é fácil, arranja-se uma algália apropriada, mete-se na Preta e a água vem logo, porque aquilo o mal é da bexiga da Taberna Seca. Achei engenhosa a maneira , de resolver a coisa, mas não quis regressar a Chão de Codes, sem dar uma saltada a Chão de Maçãs. O nosso afamado colega de lá, que tem curado mais maleitas que o colega endireitando espinhelas, conhece a questão, e, bem, pelos jornais e pelas cartas que do colega. Este sim, este é que deu logo com a coisa: é tão infalível é o processo por ele inventado, que nem sei o júbilo com que lhe estou a explicar.

Archimedes, Pauster, Newton, Gama, Cabral, etc. nunca fizeram tão grande descoberta como o preclaro colega de Chão de Maçãs. Ora oiça bem.

Começou por me dizer que não era coisa de gravidade, antes pelo contrário, achava facílima a resolução. Botou mão de um baralho de cartas e, deitando-as como a gente sabe, veio num instante saber que na vila há um correligionário nosso chamado Tramela, também mestre de águas, que, pela sua pequenez, se pode perfeitamente embrulhar na pele de um rato regular.

Também pela maneira assanhada com que o valete de copas lhe saltou do baralho chegou à conclusão que havia na terra um gato bravo que, com algum cuspo e jeito, pode prestar-se ao que fosse necessário.

Ora sabido isto, nada mais simples:

Desonerado o Sr. Bernardes fez grossa economia de dezoito mil réis para equilíbrio daquele pequeno dispêndio do dinheiro do povo, um conto de réis de esbanjamento de águas.

Salvou as finanças, e à moralidade, se o seu excesso de zelo o não levou a mais largas independências e santíssimos vistos, andou bem, nem outra coisa havia a esperar da sua inteireza e hombridade e mais miudezas.

Questão de acertos e assuntos.

Para aferir tesouras mesmo a olho nu, diz-se que não há como a menina Maria a não ser que dentro dos paços municipais haja quem lhe dispute o jeito e habilidade.

Ele, o Pita Bezerra, barbudo façanhudo mas sempre pãozinho., deu-nos no dia da feira o espectáculo de polícia concelhia, comicamente armado de velhas caçadeiras. Parecia aquilo uma guerrilha de opereta: Ele passava impávido, carrancudo e atras um garoto assobiava-lhe num pífaro o Rasga, o que fazia rebolar os quadris em guinadas de pagodeira.

E o povinho ria a bom rir daquele entremez.

 Zaguncho

26 de Novembro de 1905
Correspondência – Sardoal

Achado, apareceu, arrastado pelas águas, um fardo de cobertores que haviam roubado a um negociante por ocasião da feira.

Encolheu a fazenda um pouco com a enxurrada e mais dois metros para o Sr. das diligencias policiais: orçada esta despesa em 2$00 réis pela tabela administrativa. O célebre repertório “Borda de Água” que previa chuva torrencial que de um aqueduto arrastou os cobertores roubados foi o único abente-policial, encarregado da investigação busca achado, motivo que pelo excesso de zelo administrativo o fez louvar e agraciar com uma carranca nova para o frontispício, cópia fiel mas sem reclamo, de outra carantonha feia, fera, ferina e feroz.

Assim se premeia o mérito.

Perdido perdeu-se a bem da salubridade pública um cirurgião gratuito, virgula, administratável farmácio, física, belicoso, enxofrado fogueteiro serradura e mais coisas etc. e tal etc.

Embora a humanidade enferma não desdenhe a ausência, e ele lá ao largo, seja necessário para servir de petisco, com os consequentes disparates dos chás, à rapaziada escolar, pede-se a quem o achar que o remeta a esta vila em precaução porque é bravio, pela falta que faz como intérprete cómico de cenas de entremez.

Receberá alvíssaras dois metros de fazenda para cobertores.

Varino

Lei e hermenêutica administrador e cidadão Victor Mora, ex-republicano, pseudo-progressista e perseguista médico municipal, administrador do concelho, mestre de farmácia em Coimbra, e muito boa pessoa. Legislou lá por Coimbra impor a um pobre vendedor ambulante, Sebastião Joaquim, a quem haviam roubado por ocasião da feira de S.Simão um fardo de fazendas para cobertores, que o meliante ou meliantes gatunos esconderam num aqueduto, cobertores que há dias apareceram arrastados pelas águas, o pagamento de dois mil réis para deixar em casa do administrador e na ausência do administrador(pois sorrateiro estava em Coimbra no desempenho das suas funções mestre escola de farmácia, e que o tema incompatível com exercício de empregos, que é ilegal exercer) dois metros de fazenda, o vencedor humilhado e falto de recursos, para poder receber o que era seu e ir cuidar da sua vida, sujeitou-se à vexatória imposição. Quando o administrador se lembrou de voltar de Coimbra (por sinal já se esgueirou outra vez) o Sebastião Joaquim foi procurá-lo queixando-se amargamente do inique procedimento com ele havido.

O administrador, de má catadura, respondeu ao pobre homem: retire-se, ainda foi pouco o que deixou, porque mais que isso gastei eu com o sustento dos preso arguidos por você como suspeito de lhe haverem roubado o fardo de cobertores!…o pobre homem retirou-se mais vexado e humilhado e todas as pessoas que encontrava lastimou a sua triste sorte, como é do domínio público. Não descemos a fazer comentários, comentem os nossos estimados leitores se não sentirem asco.

26 de Novembro de 1905

Zaguncho

3 de Dezembro de 1905
Correspondência – Sardoal

Da ambulância administrativa do concelho, o Zangão da arrastada colmeia municipal e mais cofres públicos, disparata atigrado de despachos em requerimentos nos dias em que a folhinha coimbrã atesta a sua paisagem nas ervagens de lá, sugando o ordenado e chateando os farmacêuticos vindouros, já enfrascados de requintados chás, com a cagaretica e da marmelada de citrato de magnésio, e da célebre pomada canforada composta. Encalhado no miserável cobertor do pobre Sebastião Joaquim, para querer os canos vulneráveis flageladas de tantos embates e martírios, convalesce dos ataques sofridos noutros tempos. Que está enfermiço coitado!…dizem as pessoas que o procuram na administração e não o encontram, mas, ao mesmo passo, os rapazes de farmácia em Coimbra dizem que ele está são e vivinho., que até parece ele, e cada vez mais reinadio e burlesco na cadeira de mestre a gaguejar sandices.

Embrulhado num cobertor, está gravemente suspeito enfermo, de suspeita doença enfermiça, um médico cirurgião administrativo. Na administração do concelho e na rua Serpa Pinto aceitam-se cumprimentos de interesse pelas suspeitas melhoras do suspeito enfermo e algumas mezialmos.

O administrador do concelho e médico municipal Victor Mora, tem estado ausente? Sendo público e notório que ele durante o corrente mês, fez duas visitas furtivas ao concelho. Perguntamos à câmara se mandaram pagar-lhes o acumulativamento dos ordenados?

E, sendo assim, em que lei se funde para o fazer.

29 de Dezembro de 1905

Zaguncho

10 de Dezembro de 1905
Correspondência – Sardoal

Tunf!!! Catrapus!!! Traz!!!

Bom! Bom!

D. Miguel chegou à barra… perdão, não é esta a solfa.

Chegou e está prestes a raspar-se o cirurgião administratável, aquele de “nessa não caio eu” do carcaz, que os senhores conhecem: é conforme, se não conhecem: cá está mal o cobertor e mal os 7$500 da vermelhinha, voltou melhor, coitado. No museu de Coimbra aplicaram-lhe um destes clisteres em seu sítio e pelos jeitos abriu da vista e aliviou das almorreinas.

Apesar de viajar incógnito no hotel Bragança de Coimbra, quarto 21, a reconhecida moléstia, digo moléstia do democrata cidadão levou-o a inscrever-se nos registos sob estes nomes e alcunhas. Fuão, Fuão, Fuão, boticário de 1ª classificado em 4ª cirurgia, ubicuo de medicina ambulante, enxertado em mestre de preparados herbáceos e artes correlativas, etc, sim senhores etc, e mais coisas acrescentar-lhe.

Bisonho perfeito dava-se todavia bem com as auras do Mondego e com as comedorias, aprendia alguma coisa com os rapazes de farmácia, fazia chi-chi à porta férrea, frequentava as lojas de barbeiros, ele não tem opinião, para se orientar de modernices que vão pelo mundo, ia vivendo enfim, resignado, civilizando-se, mas saudoso dos seus barbados e couves galegas , desafrontadas já dos eucaliptos, num engano de alma ledo e cego, que os “Campos” não deixam durar muito. Mas, como não há bem que sempre dure, ao cair do crepúsculo de uma tarde fria, sentiu, coitado, um susto e a respectiva revolta intestinal, uns arrepios na espinha, espasmos, engulhos que não cheirava assim a rosas lá no 21, dizia o criado quando retirou os sacos de bagagem escolástica.

Safou-se à francesa, chegou, armou em feira, arrebanhou as massas cumulativas e está melhor coitado.

Azedam-se as comadres.

O administrador do concelho e médico municipal, tem estado ausente para o desempenho dos seus variados cargos, mas presente para se locupletar com os ordenados. Tem estado em Coimbra regendo cadeira de farmácia na Universidade, mamando por lá mais umas tetas, os negócios administrativos, serviço conjuras por tal sinal que a respectiva junta nem sequer se instalou então como pode presumir-se de tanto excesso de zelo. O povo queixa-se com sobradas razões de tanto desleixo, o que conforme é voz corrente, animou tardiamente a câmara a lastimar a sua desdita ao senhor governador civil, e diz-se que em termos azedos para o administrador. Até que a azedia fez rebentar a bexiga, já há tantos meses inchada.

Na Cabeça das Mós houve grossa pancadaria. Os feridos, por que a autoridade estava ausente, não encontraram aqui quem lhes tomasse as queixas e ordenasse o corpo delito directo. Tiveram que se ir queixar às autoridades judiciais da comarca.

O indigitado agressor, que também está ferido, não achou quem se queixar e tomasse as devidas providencias.

Tudo isto é edificante.

6 de Dezembro de 1905

Zaguncho

31 de Dezembro de 1905
Correspondência – Sardoal

Diz-se que entre a câmara e o administrador do concelho lavra grossa biliosa intriga. O administrador, sem haver alijado ainda o célebre cobertor, alijou já a carga de médico do partido, com alívio da humanidade enferma em protestos choramingas e tarecos.

De alcaide não pede a demissão nem é preciso, porque dentro em pouco ela será anunciada de foguetes de três respostas. Esse será o dia de maior expansão e contentamento, para o povo da vila, vexados de tantas arbitrariedades e prepotências que o administrador lhe tem infligido. Este funcionário, filho desta terra e descendente de uma família respeitável pelos seus actos públicos, raivosos temperamentos e ânimo vingativo, conseguiu tornar-se odiado de todos.

Há também quem tenha verdadeiro dó do desgraçado, ilactivo.

Promete, de má catadura, raivoso e feroz desmascarar um outro magnate, que, segundo diz, é ainda mais boa pessoa que ele.

Será possível?

Ao recebedor deste concelho, funcionário probo e cumpridor dos seus deveres, aliando estas qualidades as de obsequioso com os contribuintes e afável para todos, o que lhe tem conquistado bastantes simpatias, foi ordenada a sindicância, a que se está procedendo baseada em gratuitas arguições, que á evidencia revelam o intento manhoso de quem a promoveu.

Estamos convencidos que a sindicância mais confirmará os justos créditos que o recebedor goza, e mais arrastará na lama a degradação de quem, cobarde e cavilosamente, procura reunir-se de indignos processos para conseguir intentos baixos e vis.

Diz-se que há quem, conhecendo-se a índole intrigante, o animo e fortalecer na asneira, o que deu causa a vergonhosa derrocada da tropa fandanga perseguista local. O moribundo bando, antes de espernear os últimos arrancos, agachando-se no soalheiro para pública exautoração.

Na sessão da câmara:

Na sinagoga da câmara cochicham-se as deliberações como em família mal unida para que os assistentes não conheçam o rol da roupa suja do que ali se faz estendal de contrabando.

É, higiénico que o pus das mataduras não venha a supuração, mas também é bom que se saiba o que ali se diz e se faz.

Não é mistério para alguém a guerra surda que lavra entre a câmara e o administrador do concelho.

A reacção já é tardia.

27 de Dezembro de 1905

Zaguncho

28 de Janeiro de 1906
Correspondência – Sardoal

Em poucas linhas.

A câmara sempre se resolveu a dar a demissão ao médico municipal Victor Mora, que este havia pedido para inglês ver, tanto barafustou e pinoteou raivoso quando conheceu o despacho do seu requerimento.

Andou bem uma vez, ainda que tardiamente, porque a repugnante ilegalidade sancionada pela câmara, consentindo que aquele Victor Mora acumule e sugue ordenados de lugares incompatíveis com o agravante de ser professor de farmácia em Coimbra, há muito que, por decoro da corporação, se impunha como um dever de consciência pôr-lhe cobro.

Mas foi necessário que o Victor Mora médico municipal, para fins ambíguos, se resolvesse a pedir a demissão esta ainda, porém, abusiva e ilegalmente, em exercício no lugar de administrador sempre de fato no cajado e de cobertor ao ombro a caminho de Sardoal para Coimbra e vice-versa, saindo e entrando furtivo como esperto contrabandista. O estado sanitário do concelho tem melhorado desde o dia 8 do corrente e em todos os rostos se vê expressiva alegria, como se a taluda houvesse contemplado esta região. Até já chegaram as andorinhas, mensageiras, como a pomba da arca Santa, de boa nova, que não se fará esperar…então o povo, que tem vivido escravizado e acorrentado ao medo é a expressão que o algoz seu patrício, exultará expansivo e liberto.

Consta que vai ser instaurado processo judicial contra um ex-empregado imbuído da administração do concelho, que deixando-se sugestionar pacoviamente por caviloso mandatário e conselheiro, procedeu, no exercício de fumaças, de forma pesarem-lhe tremendas responsabilidades. Pago o inocente pelo pecador.

Este, que se escapuliu pela porta falsa de sofisma tolo, muito do seu feitio, mas só aliás susceptível, de iludir papalvos, irá desaforado da grande partida. Assim cumpriu, como sempre, as promessas de gratidão.

24 de Janeiro de 1906

Zaguncho

15 de Abril de 1906
Correspondência – Sardoal
Mortus EST VICTURUS IN CASCA
(Asno morto, figueira ao rabo) tradução livre.

O rabioso cidadão, em prospectiva chaufer do murchouvel, segrega por aí alguns ingénuos, que, em Santarém lhe ofereceram o lugar de administrador do concelho na actual situação política, mas que se negara a aceitá-lo por não ser compatível com o seu temperamento exercer vingança como lhe exigiam.

Coitado. Agora nem o Toreca o aceitaria de bom grado como colega.

A fanfarronada lorpa, muito dos moldes do rabioso, além de ser insidiosa mentira, revela que é maleável aquela carnadura as questões de comedorias. O rabioso é, como político, palhaçado cabriolas em todos os partidos com esgares de truão, desertado de todos, por coisas intestinais depois de lhes haver sugado guloso, os favores: como autoridade ferina, feroz, ignorante, consegui arredar de si indignados, humilhando-os e vexando-os os próprios partidários e levantar contra a malcriada e ofensiva parcialidade com que exerceu o lugar, os justos protestos, o desprezo e o ódio gerais: como o Doutor Sangrador, e, depois da morte dos bons Tavares e Batista em casos ligeiros, assistente rural ambulante e gratuito, pela graça do corvaz, à míngua de clientes que lhe aceitem a sabença por dinheiro; e faz boa figura naquele meio…

Relaciona medicina, deprime abalizados clínicos, impondo-se como celebridade na asneira, saciando e palrando como um arraial de feira esperto charlatão. Como homem, dizendo que foi bonzinho, em pequeno e hoje é muito boa pessoa etc. e tal , três assobios com o nadinha do defeito de envenenar intenções, deturpar factos, aventar intrigas.

E tudo isto sem favor.

É absolutamente falso que alguém o tivesse convidado para administrador do concelho, e, portanto, é absolutamente falso que se lhe exigisse a prática de vinganças. Vinganças torpes, prepotências indignas, só próprias de baixos caracteres, foram praticados e se pretendem exercer aqui a torto e a direito na situação política caída. Na actual só poderia haver justa desafronta injustíssimos agravos. A manápula grosseira de lapuz malcriado, se oporá à bem alçada luva de homem delicado.

Do resto, não há mais humilde e grosseiro insolente de que sentir-se vencido pela correcção de bem educado.

Assim castigam-se e, se vingam os comedidos.

Zaguncho

30 de Janeiro de 1910
Pelo Sardoal

A nossa correspondência no Jornal de Abrantes do último domingo, jornal que tão lido temos visto ser nesta vila, causou como era de esperar diversas interrogações e apreciações mais ou menos cabidas, ácidas, nutras, etc.

Não importa.

Dentro algumas pessoas que isso faziam estivemos nós mesmo, e a ajudarmos como era razoável. Satisfaçam-se se quiserem com a leitura e não se importem com o pseudónimo do escrevinhador.

Mas vamos às notícias desta semana.

Parece um facto a criação da tal sociedade de artistas desta vila, a qual está já organizando o regulamento etc. constando-nos que, já pensa em nos divertir no próximo carnaval com uma mascarada que será convenientemente ensaiada. Se assim é louvamos-lhe o seu empreendimento pois nesses dias e últimos anos tem realmente feito sentir-se a falta de quaisqueres divertimentos.

Também nos consta que pelo lado do “grupo de amadores dramáticos” nesses dias realizaria uma receita própria da época.

Há dias ficamos surpreendidos ao dirigir-nos para o talho desta vila.

Chegados ali deparámos um grande quadro encaixilhado numa soberba moldura primorosamente trabalhada de pau de pinho da terra, parece que ensebado com sebo de carneiro… Aproximámo-nos e em letras maiúsculas lemos umas qualqueres corja de asneiras que ficámos estupefactos!…

O leitor não ignorará serem as carnes fornecidas por um contrato da câmara com um qualquer fornecedor a quem ela impõe as respectivas condições, além dessas, as que o código administrativo também regula.

Ora o letreiro em questão é uma ofensa ao município, no bem entender das coisas, classificadas de uma forma digna de censuras, não podemos deixar de formular esta pergunta. Mas em que terra estamos nós?…

Então a câmara e a autoridade administrativa tolera tal vexame?…

E… como agora a ocasião se proporciona perguntamos mais: qual é o assistente ao abastecimento das rezes no matadouro municipal?…

É nos concelhos onde o há isso de competência de veterinários municipais.

Mas a lei também prevê pela sagrada segurança da saúde pública e em circunstâncias idênticas às deste concelho a forma de remediar essa falta. O que aliás não pode ser, e que se deixe abater animais ao completo abandono de pessoas, já não seja esclarecida competência.

Para os factos expostos chamamos a atenção respectiva das autoridades que têm interferido no caso.

No passado domingo houve espectáculo na barraca circo pela companhia Roberto. Tiveram uma casa à cunha e, francamente a certa altura do espectáculo tivemos mais vontade de nos safar do que estarmos a presenciar um espectáculo deveras degradante para a autoridade administrativa e cabos de polícia, pelas quais autoridades era mantida a ordem, isto quando a certa altura uma porção de espectadores, alguns de reconhecida má criação, se lembraram de fazer um chinfrim de ensurdecer, assobiando, cantando, gritando e ainda como se isso fosse pouco, saltando para o meio da arena impedindo assim muitos espectadores da superior e geral não vissem uma fita de animatógrafo!

Isto é pasmoso!

Mas o caso não ficou assim, enquanto esses audaciosos até com bastante fanfarronice que vieram da geral invadir a superior, fazendo ali mesmo nas costas das autoridades administrativas uma chinfrineira doida!

Pois não ouvimos que as autoridades fizessem a bem ou a mal entrar aquela gentinha na ordem! Isto é pasmoso não há que ver.

Mas ainda nos constou que houve mais e melhor.

Enquanto isto se passava lá dentro, cá fora brigavam os cabos, isto é o mais pasmoso, mas é o que se passou, e que pessoa idónea nos conta.

Essas desordens parece terem sido entre Júlio Calceteiro e João empregado municipal, com o cabo da polícia, Joaquim da Leopoldina e Calisto Calceteiro com Miguel Mascarenhas, tendo o Calisto desrespeitado o regedor.

Ora isto não pode ser. Não pode a bem do decoro e bom nome desta vila.

Por estes edificantes factos toda a atenção será pouca do dirigente desta vila e concelho. Onde não há respeito não há disciplina.

E até para a semana.

Sandeman

13 de Fevereiro de 1910
Pelo Sardoal

Noue Y Voici.

Nas anteriores correspondências, fizemos eco de muitos habitantes deste concelho.

Não haja dúvida, as nossas correspondências não visam pessoas, mas sim as coisas.

E, como são tantas as coisas que precisam que nos tornemos eco, representado isso do sentir dos habitantes da terra e do concelho, especialmente da sede, que não nos podemos quedar.

Assim, pois, no nosso posto iremos cumprindo esse dever.

Estamos agora na expectativa esperando as atenções das respectivas autoridades para a exposição de factos apontados naquela correspondência.

Não pode ser absemce entiér pelas coisas.

À câmara e à autoridade administrativa cumpre velar pela segurança dos munícipes e administrados.

Au Revoir

Sandeman

27 de Fevereiro de 1910
Exmº Sr. Director do Jornal de Abrantes

Ainda em nosso peito existem fundadas saudades dos tempos em que auxiliávamos, apesar da exiguidade de recursos o nosso querido tio na compostura de várias correspondências da subida do valor local que ele referenciava com o pseudónimo de Zaguncho.

Essas correspondências eram semanalmente submetidas a apreciação dos seus muitos leitores deste jornal, obtiveram sempre uma bem fundada e geral apreciação, pois que nelas nitidamente se demonstrava quão prejudicial estava sendo para este concelho, não só a forma como se gastavam os dinheiros deste município, senão também os processos fraudulentos utilizados para tal fim, iludindo-se como ainda está sendo os poderes superiores.

Desejando nós seguir a mesma orientação do nosso tio, e, esperançado na bondade de V.Ex.ª, rogando a súbita honra de fazer publicar no seu jornal se assim o merecer esta e outras correspondências, que semanalmente lhe vamos enviar, nos quais com clareza e dados positivos, informaremos não só o nosso muito apreciado compadre Sandeman e leitores, senão também e muito principalmente, tocando no ferrolho das chefias superiores para em ocasião oportuna pedirei continhas a quem lhas dar.

O nosso compadre Sandeman envolvendo na melhor boa-fé, a câmara municipal, deste concelho, que graças a Deus nos governa até ao cometa, em uma rede que… orça por 400$00 réis, donde muito mal se poderá legalmente desembrulhar, diz nesse bem burilado período das sua correspondência do Jornal de Abrantes n.º 505 de 23 de Janeiro p.p. o seguinte:

Vai brevemente a actual câmara iniciar a iluminação pública a acetileno, estando quase concluído o gasómetro que é de uma grande capacidade. Diz-se que o seu custo e respectiva tubagem para ramificação para a vila, alguns tambores de carbureto, calculado ao preço de 40 réis o quilo, para gasómetro orça por 400$00 réis.

Diz assim tão publicamente que a câmara orça 400$00 réis para despesas com a montagem de luz retylene, é obra de acamados!

A actual câmara Exmº Sr. Sandeman, nada tem, nem pode ter em tal início pois que temos firmes e valiosos dados para dizer a V.Ex.ª e prezados leitores que nenhum orçamento ordinário, ou suplementar a autoriza a dotar no todo ou em parte, esta vila com luzentes de grandes dimensões gigantescas, tal obra municipal devemos nós e você conhecer se legalmente está descrita e documentada a devida despesa, visto, que poderes para tal não lhe foram confiados, salvo se o foram à porta fechada.

Em uma das sessões da câmara, celebrada aqui em Setembro ou Outubro do ano findo, e, em certa altura, diz-se na acta que a comissão da célebre escola de tiro, compareceu a oferecer a montagem da luz a acetileno pois que era para a vila um melhoramento sem igual, que poderia considerar-se um progresso da melhoria da luz e economia. Que a construção do gasómetro era cá, por serem baratos os salários dos artistas, etc. Que a luz será distribuída, pelas ruas da vila, Praça, Rua dos Clérigos, Chafariz da murteira, Rua António Duarte Pires, Rua Simões Baião.

A câmara muito reverente agradecida a oferta que foi feita pela comissão, que a própria câmara, e diz câmara (que é a comissão) sim senhores, nós aceitamos o grande alvitre e prometemos auxiliar tanto quanto for preciso, etc., etc.

Em vista do que aqui deixamos dito tal doação de lamparinas a quem deverá caber tão genial alvitre que custará sem resultados 400$00 réis?…

A nós quer-nos parecer que a câmara honras nenhumas lhe podem pertencer “legalmente” no grosso da despesa orçada em 400$00 réis, mas sim somente na cedência real para o assentimento da rede dos canudos, da cedência da parte dos paços do concelho, para montagem dos fornos de fundição de metais, da cedência da casa para as oficinas de serralharia e latoaria e ainda o seu oficial zelador que dia e noite excogitava ta-ta-chos e cal-cal-deiras para fundir os amarelos para o grande gasómetro.

Quanto à casa para recolher o gasómetro também a câmara pouco despenderá, apenas o terreno que estava servindo de vazadouro, dos gazes.

Ainda se nos afigura que a câmara quando, recostada nas suas cadeiras, ouvia o denso exórdio que, de pé, lhe pregava o Exmº Sr.Milheiriço, vogal da comissão da escola de tiro, e também vogal da câmara, acerca do genial invento da luz de acetileno que a Exmª comissão da escola de tiro se propõe estabelecer nesta vila, como consta numa acta, sem que do cofre do município foi como não podia deixar de ser em vista do que se está sabendo iludida no que lhe afirmava, gaguejando, o seu colega vereador farmacêutico, dizendo-lhe que os patriotas subscritores para a escola de tiro haviam dado 600$00 réis mas que eles tendo em muita conta os progressos desta vila, deixariam (mesmo nos senhores da câmara) as massas todas em proveito do novo invento da iluminação, e para o que vai a comissão da escola de tiro, enviar-lhe novas circulares, revestidas de mais tocantes lamúrias, para eles que não precisam de luz, caírem nas redes dos canudos.

Porém as circulares correram mundo, sem resultados práticos, obtido apenas 100 mil réis. Ora estando o grande início orçado em 400$oo réis, como diz Sandeman e havendo apenas 100$oo réis, donde virá o resto?…

Aqui é que está o gatarrão da esparrela em que caiu a câmara que está com toda a força a dar a maminha ao grande fenómeno sem saber que contas há-de dar quando lhas pedirem.

As honras vêm mais tarde. Até para a semana.

Fevereiro de 1910

Zaguncho Júnior

P.S.

Não nos parece que seja muito honroso para as nobres tradições políticas do Sardoal, associar-se a um partido que deve ter páginas da história manchada de sangue real.

Zaguncho Júnior

6 de Março de 1910
Correspondências de Sardoal

Com bastante actividade e sob o uso e direcção do Exmº Sr. Milheiriço, vogal em exercício da comissão da escola de tiro, e também vereador da câmara municipal deste concelho, terminaram os trabalhos da abertura dos caboucos executados pelo carpinteiro Joaquim da Forneira, com os seus homens, em cujos caboucos o eminente João das Águas, munido da sua oficina ambulante, devidamente auxiliado, assentam a primor, nas principais ruas da vila, os canudos que formam a grande rede onde giram os gazes, donde o nosso Apolinário muito lesto e contente de vara em punho com o seu acendedor na ponta, puxa a tramela da portinhola do candeeiro existar os gazes acumulados até ao pipo que ele chama o assobio, donde faz ressurgir de facto a luz de boa clareza que, segundo as profecias deverá dentro em pouco, parecer-se com o que sai do rabo dos pirilampos em noites de luar.

Com porém as despesas em tal obra, são já grossas, e como tudo que diz respeito a gastos de dinheiro tem sido misterioso para os munícipes, e que sendo o proveito total da subscrição para a instalação da escola de tiro 600$00 réis quantia esta que após o toque a rebate para cada subscritor levantar a sua quota, ficou reduzida à sexta parte(100$00 réis se tanto) e com despesas feitas até à semana finda de 27 de Fevereiro, devem atingir, segundo os cálculos na língua do Rui Sénior, em cerca de 400$00 réis, cumpre-nos com toda a honestidade e para justo fim de elucidar os nossos queridos leitores, visto que a isso nos comprometemos, procurar saber de que cofre sairão as restantes massagens.

Não nos será muito difícil a tarefa, é questão de tempo, pois conhecemos um pouquinho das manobras, assaz complicadas e misteriosas, que havemos trazer á tela para o efeito de bem poderem ser arrolados à forma e processo usados pela moralíssima câmara, que a seu belo talante tem dirigido os negócios deste município há perto de seis anos!

Verdade seja, caros leitores a câmara actual é composta de algumas vergônteas saídas da sua congénere , imediatamente anterior, e como tal enfronhada em manobras “moralísticas” de lesa tranquibérnia, desviando arbitrária e ilegalmente verbas que gasta vaidosamente sem o prévio assentimento das instâncias superiores, e até mesmo o que nos parece muito ilegal e grave sem deliberações para tal, ocultando assim tudo que a sua alta moralidade ordena.

Em vista do que deixamos dito cumpre-nos aguardar a devida oportunidade para evidenciarmos o que resta dizer de tanta “moralidade” das cinco chagas do Senhor amém! O seu a seu dono, antes que esqueça temos um dever a cumprir, o qual assiste em tecer muitos rasgados encómios ao Sr. Milheiriço, dispensando-lhe as honras de um benemérito que dotou a sua terra com música e muita luz, dote este que se fazia sentir, para que todos vejam, como lhe cumpre, o que têm que ver sobre o modo e os destinos que levam as receitas municipais.

Consta que a câmara deste concelho, apresentou ao governo nos termos da portaria de 5 de Janeiro passado, pedindo-lhe o subsídio de 500$00 réis para ocorrer aos estragos causados nos caminhos vicinais e estradas a seu cargo, pelos últimos temporais.

A quantia pedida já deu entrada no cofre da câmara. Porém não haja estradas a reparar, a câmara anda em romaria pelo concelho de “Norte a Sul” a excogitar aonde gastar os tais cinco cento de mil réis, contando talvez pôr em prática os seus processos usuais.

Com imensa satisfação registamos a organização de uma sociedade recreativa, preenchendo-se assim uma lacuna há muitos anos notada nesta vila.

Apraz-nos solidez infinda e grande progresso para glórias dos dignos iniciadores, dirigentes e associados.

Até para a semana.

Março de 1910

Zaguncho Júnior

Domingo, 13 de Março de 1910
Correspondências de Sardoal

Não resta dúvida alguma, segundo temos ouvido dizer, que as nossas correspondências têm produzido em certos gaiteiros… antecipando efeitos, aqueles, que as profecias do Bandarra, hão-de resultar do anunciado cometa, temos pena, mas…

Prosseguindo no caminho encetado, cumpre-nos registar para conhecimento de todos que, nesta vila, em harmonia com o programa, foi substituída a luz do petróleo pela luz de acetileno, em que abono da verdade, é muito mais brilhante, mas de pouca vitalidade, dizem os entendidos o que é pena.

A sua ramificação gazométrica conduz gaz que alimenta durante quatro horas imperfeitas, 15 candeeiros, reservando-se ainda para mais 17 bicos que se acham convenientemente distribuídos no frontispício dos Paços do Concelho, que hão-de ser acessos em noites de gala, datas gloriosas e ainda também a seu favor, no aniversário da actual e muito moralissima câmara que Deus conserva à testa dos destinos do nosso concelho para herança de todos.

A grande obra foi inaugurada, com visível gáudio da rapaziada, ao ver também nos bons efeitos dos 17 bicos destinados a festas, vociferava, saltitando como córeas, cantilenas, arrevessadas de ensurdecer.

Prestando nós todas as honrarias do grande homem muito dilatado e entendido em óptica, o que não admira atendendo que é exímio no fabrico do unguento basalicão, e já com experiência de bom êxito do seu aparelho donde faz seguir os canudos de gaz até à sua botica, rasgando por isso e sem prévia licença da câmara a rua do vale, o que tudo assim entra na conta da muita moralidade camarária.

Não menos razão para também elogiar o Exmº Tesoureiro da comissão da escola de tiro e também digno presidente da câmara pelo seu valioso auxilio pecuniário dispensado com o adiantamento, ao pessoal e director de obras, os dinheiros que semanalmente têm sido precisos até à data de 5 de Março corrente, como cláusula expressa de receber o seu dinheiro às quinzenas e da mão do cantoneiro encarregado dos serviços, cujos dinheiros saem do cofre da câmara desviados ilegal e abusivamente sem assentimento legal e ainda sem deliberação alguma colectiva, escondendo-se assim tudo num novelão de fumo espesso já produzido pelos gazes, para que os seus munícipes nada vejam!…

Haja em vista ao capítulo VII, artigo 1º, verbas 43-44 da gerência finda.

Na nossa correspondência de domingo, fizemos constar que no cofre da câmara deste concelho, dera entrada a quantia de 500$00 réis de subsídio que fora concedido pelo governo para ocorrer aos estragos causados nos caminhos vicinais e estradas a seu cargo.

Dissemos também que a câmara saiu, no dia 28 do mês findo, em romaria à procura de estradas para reparar. Procuramos saber o resultado da procura, obtivemos que dos forasteiros fizera parte um senhor Victor que puxando e revirando os cordelheiros empregando toda a sua valiosa astúcia se propõe fazer o estado de certos ramais que teriam por terminus a porta de J. Fernandes do Mogão, computado o seu dispêndio, mesmo a olhos vistos em 33$333 1/3 réis!

A câmara pasmada e coçando as orelhas fez simples gestos e que havemos de fazer? O patrão manda o povo do norte do concelho, sabendo de lugares que do logro que se lhe prepara não hesitou em se apresentar na passada segunda-feira em que a câmara anuncia as suas sessões oficiais, sim oficiais ( porque antes daquela sessão, há sessão do conluio, em que se deliberou no sentido de grandes empresas que só servem para autorizar a prática dos tais desvios) reclamam perante a câmara os seus direitos, alegando ser crasso e verdadeiro erro de lesa administração desviar-se sem direito a subsídio de 500 mil réis, concedido pelo governo ao povo do concelho. Que se a câmara atender de preferência os vaidosos e prepotentes desejos do Sr. Mora, com a continuação do ramal ou ramais que se diz partirem dos sítios da Lobata ou Valongo, ver-se-ão obrigados a pedir a intervenção das autoridades, a quem compete defender, em todas as ocasiões, os direitos, e vontade soberana do povo, quando como esta é justa!

Nós advertimos ao povo, não se deixem iludir, fiscalizem o que lhes pertence.

Teve lugar na pretérita terça-feira a reunião de grande número de sócios da sociedade que tem por título “Clube Recreativo Sardoalense” para o efeito de se proceder à discussão e aprovação dos estatutos e regulamento interno e bem assim à eleição dos corpos gerentes, que ficaram assim constituídos:

Assembleia Geral

Dr. José Gonçalves Caroço

António Carvalho Tramela

Manuel Lopes

Conselho Fiscal

João B. Saldanha da Fonseca Serra

Padre Joaquim Tomaz

António Dias Conde

Direcção

Júlio Ferreira de Matos

Abílio da Fonseca Matos Silva

Pedro Barneto Nogueira

João Pereira de Matos

Jayme Leal

Terminado o acto eleitoral o Sr. Saldanha brindou os dignos iniciadores e a direcção eleita.

Por hoje basta, até para a semana.

Maio de 1910

Zaguncho Júnior

Pelo Sardoal

Nas últimas correspondências de Zaguncho Júnior, trata ele da luz, da muita luz que é precisa aos munícipes. Os munícipes precisam de muita luz e de muita até verem o que se passa na apregoada câmara das moralidades.

Mas, diz Zaguncho a verba por nós orçada com gastos de luz, a qual confirmamos só um formal desmentido da câmara (mas em cifrão) nos poderá convencer do contrário, não estar autorizada superiormente.

Ora nós lhe diremos não acreditar em tal, pode lá ser o Sr. Presidente homem fino de sabedoria inigualável, o homem que faz andar tudo às direitas homem de moralidade, homem que queria por força a deslocação da professora de Cardigos, consentir um desvio de dinheiros de fundos municipais, para onde todos pagam, sem a respectiva autorização?

Olhe Sr. Zaguncho não esteja em erro, olhe que o Sr. Presidente tem lá um código, em casa, o tal código (quando do caso do Dr. Tamagnini) e talvez por ele pelos seus artigos e parágrafos… moralidade, o autor a isso, mas esta já vai longa e por último lhe direi, que eles massa andam à divina, nem cheta…

Mas você sabe que o grande empreendimento é obra do vereador Milheiriço, presidente Victor. É obra das três pessoas da Santíssima Trindade.

E agora que o caso vai bicudo: os gastos são muito superiores ao petróleo, isto só com gazes a funcionarem até às 11 horas, meia noite.

Assim vão os munícipes serem mais sobrecarregados com essa despesa e com a extraordinária de terem que depois da meia noite munirem-se de lanternas se quiserem ir para suas casas. E havemos de ver em breve uma resolução da câmara em que se diga como já em tempos o fez, visto não haver verbas suspendeu por três vezes a iluminação pública, Creia que não tardará.

Mas há mais, hoje já os candeeiros pareciam como Zaguncho bem calculou uns pirilampos.

O caga lume viu-se e desejou-se, e muito mais o presidente e vereador e o influente as três da Santíssima Trindade, mas por fim forneceram os gazes ao gasómetro e lá apareceram as luzes… foi constipação, é a primeira…

Ponto por hoje…

P.S.

Tem-nos constado, os 3 da santíssima querendo fazer arranjinhos para a eleição, aos incautos lhe falaram num ramal de Sardoal à Amieira, avisando-os de que os 500$00 réis, que deram entrada nos cofres da câmara são exclusivamente destinados a reparos em caminhos públicos que as últimas chuvas danificaram, e por isso têm o direito de todos os munícipes da sede e das aldeias a reclamar perante a câmara pelo concerto dos mesmos, sendo ela estritamente obrigada a atender, sem favor, esses pedidos não tendo mais que informar-se da veracidade deles.

Sandeman

20 de Março de 1910
Sardoal

Bem vindo seja Sr. Sandeman.

Por onde tem andado?… Ah!… seu ratão que se tem deixado dormir, mesmo com o fogo à porta, sem dar acordo de si, quando mais preciso era ao Zaguncho, o seu e muito valioso auxílio de defesa dos legítimos interesses dos povos do nosso concelho. Acordou, é certo, como se depreende da sua correspondência do domingo dia 13 (em referência à nossa) e esfregando os olhos viu luz, mesmo muita luz, não é verdade?… É para que saiba como tudo marcha às ordens dos tais calões da sabença inigualável que, na sua voragem e desperdícios de dinheiro do povo nessas mais que vergonhosas obras das águas que na estação chuvosa temos de consumir transformadas de enxurros, apesar de se terem gasto, sem peso nem medida, cerca de “sete contos de réis”, sendo avultados gastos sem darem contas a ninguém, e ainda estão dispostos, ser não levar o diabo antes da vinda do cometa a muito mais e maiores disparates, visto que o povo dorme!

Os tais senhores moralistas da câmara, que, se atreveram a vociferar que os munícipes são tolos e que nada percebem de manobras, algarismos rezados nas contas da câmara, aonde não contentes com tão grave processo de lesa administração que se tem feito reflectir nas finanças municipais, e ainda de nos haverem empenhado em 2.600$00 réis (para águas turvas) como se pendura no prego um par de botas, pretendem ainda auxílio pela vasta e maléfica astúcia desse bonzinho homem, mesmo bonzinho homem, aquele que o povo chama por erro claro Dr. Victorio, se agalanem mais uma vez iludir o bondoso e pacato povo de norte a sul do concelho, para cair no logro do desvio da quantia de 500$00 réis, concedida pelo governo, para ser aplicada numa vereda que só o tal Dr. Victória poderá aproveitar, para se furtar às visitas dos seus contrabandistas, que de cajado e cobertor às costas foge à fiscalização. Como se a câmara, na pessoa do seu presidente não está curvada e manietada, como as feras têm demonstrado, as manias e vontades do seu amo e Sr. Victor porque não se procede dentro dos limites de uma boa orientação, à reparação dos caminhos vicinais do concelho, como é de vontade do povo, desse bom povo, que ainda tolera e sofre enquanto se não revolta, pendurando nos candeeiros como aos traidores tem acontecido nas guerras populares? Que farsantes! Que tartufos! A seu tempo, talvez mais cedo do que julgares; contas enérgicas lhes serão exigidas , a lealdade, pois é assim que Zanguncho Júnior lhes fala, por não carecer de vielas para se refugiar como díscolo avariado da revolta de 31 de Janeiro!

Mais uma sangria de 100$00 réis aos fundos da viação, não é verdade senhores que apesar de estopados como diz o Sr. Presidente da Câmara, os 100$00 réis sacados no dia 14 do preterido mês, apesar da câmara dizer na sua acta que são destinados aos serviços da viação, são muito categoricamente destinados às mãos do Sr. Presidente da câmara, para deduzir ou talvez saldar, os tais adiamentos que se fez para o dispêndio do grande invento da luz de acetileno, e, para que tal a verba documentada para a ilusão das repartições tutelares, mande a câmara fazer quinzenas, das tais quinzenas em 18 a etc. etc. do mês tal, dos trabalhos feitos com o ensaibramento nas estradas de Valhascos, Cabeça das Mós e coisas e tal etc. Ah! Se o povo soubesse quando pode e vale onde iria parar!

Por hoje basta… Até para a semana.

Março de 1910

Zaguncho Júnior

27 de Março de 1910
Semana Santa

A Semana Santa é a da celebração dos soleníssimos e respeitosos actos religiosos que tem por símbolo a demonstração dos grandes e penosos martírios e atrocidades praticadas por uma grande catrefa de malvados, na pessoa do homem Deus! Não é verdade caros leitores?

Como tendes retribuído tão grandes sacrifícios para se salvar às fúrias de um grande número de algozes e facínoras que o algemaram rogaram pelas ruas e por fim o matarem e penduraram pregando-o na cruz para vos resgatar e fazer cristãos.

Nada tendes feito se não pecar e de modo algum sabeis como saldar o grande débito para com Jesus Cristo, e se algum meio há, queiram esses homens que pisam a terra, que exercem e proclamam a sua doutrina, ensinaremos a mais nobre e bem orientada forma de compartilharmos na sua grande dor e de obter o perdão de Jesus Cristo pelos pecados contra eles cometidos, não é verdade?

Mas não, não são eles capazes de o fazer porque também são pecadores, como vós, e portanto bem é que todos os seres vivam na grande ilusão, pois a que nenhum homem, (salvo alguma excepção) é dado a outros nos altos segredos do Grande Autor de tão belo maquinismo. Assim vós caros leitores do concelho de Sardoal viveis também na grande ilusão, ou antes não vos importeis dos destinos e desígnios dos dinheiros que vos perturbem e que tendes confiado á voragem desse s cruéis díscolos cambra… isto é de mais um vaidoso senhor que se lhe impõe como mestre, na cura de “almorreinas” e de seu amo!

Tudo ilusões, tudo vaidade avariada, como acontece com as águas, nos dias invernosos, assim como nos dizem que avariado está o circuito do gasómetro de grandes dimensões, por ter lugares a mais, achando-se por tal motivo muito mal mesmo muito mal, os fundos da viação pelo enfraquecimento de repetidas sangrias que lhe têm sido aplicadas para o fim dos tais empenhos e adiamentos muito ilícitos?…

Nós temos as nossas obrigações e crenças, havemos mantê-las firmes e vigorosas, portanto senão amanhã quinta-feira santa, dia em que temos de envergar a nossa modesta capa preta, símbolo da Irmandade da Misericórdia, e ainda porque desejamos assistir a todos os actos solenes da Semana Santa, vamos terminar a nossa modesta capa preta, símbolo da Irmandade da Misericórdia, e ainda porque desejamos assistir a todos os actos solenes da Semana Santa, vamos terminar a nossa modesta correspondência, cumprindo-nos antes de fazer agradecer não como um folar, mas com verdadeira estima o reconhecimento ao nosso prezado Director do Jornal de Abrantes , dispensa de um cantinho do seu jornal e dos serviços do seu digno pessoal da relação para a publicação das nossas correspondências, não esquecendo neste sincero agradecimento os nossos prezados leitores pela maneira como (ao romper do sol) procuram arrancar as mãos do rapaz, o seu predilecto Jornal de Abrantes, para possuírem e mostrar aos seus familiares e fazer-lhes saber quanto vergonhosa e sem nenhum valor material, tem sido o acto de lesa administração praticados pelas moralíssimas câmaras municipais do malfadado concelho de Sardoal, desde que a memorável data de 1905 (salvo erro e omissão) até à data!

Bem sabemos que é de bradar no deserto , ainda que a hora do tremendo ajuste de contas estará talvez muito próximo.

Com as suas ilustres famílias acham-se nesta vila a passar férias os meritíssimos e Exmos. Srs. Dr. Eusébio Tamagnini, com a sua ilustre esposa, lente na universidade de Coimbra, o Sr. Dr. Anacleto da Fonseca Matos e Silva, delegado procurador Régio em Santarém, bem como os nossos queridos meninos académicos Sr. Padre Luís Andrade e Silva, João Manuel, filhos do nosso velho amigo Manuel da Silva, Manuel e David Serras Pereira, filhos do Sr. João dos Santos Pereira, Dr. Armando Serrão Mora, Acácio Prior, e, ainda os nossos amigos Manuel Pires, professor em Pedreira, Tolar e José Júlio Pereira de Matos, empregado do comércio.

A todos saudamos e abraçamos pelas suas vindas.

Até para a semana.

P.S.

Na próxima correspondência havemos de dizer qualquer coisa acerca da licença pedida à câmara pelo Sr. Dr. Victor Mora, para a colocação de uma porção de pedra, em forma de parede no sítio do Outeiro da Velha, que moralíssimo homem, Santo Deus!

Zaguncho Júnior

HOMEM ENFORCADO

Ontem 24 do corrente, andou nesta vila mendigando um homem alto, cara cheia e rapada, que vestia calça clara de cotim, e que deveria ter 40 e tal anos de idade, munido de uma corda nova de linho que deverá ter 3 metros, dizendo então altivo, esta é que me há-de matar.

Porém, hoje pela 9,5 horas da manhã correu com rapidez a notícia, do aparecimento de um homem pendurado, já morto, numa oliveira do prédio do Sr. Neves, de Vila de Rei, junto ao cemitério municipal.

As autoridades locais, parecendo-lhe não haver crime, vão mandar proceder ao enterramento do tresloucado homem que, segundo dizem é dos sítios da Sertã.

Maio de 1910

Zaguncho Júnior

3 de Abril de 1910

Semana Santa

Terminadas as festividades da semana santa com a pomposa procissão da Ressurreição, domingo de Páscoa.

É bem sabido pelos actos festivos nesta vila, muito designadamente os dias da Semana Santa, são executados com verdadeiro amor, devido é certo será ainda respeitado e mantido nobres e antigos exemplos dos homens de valimento moral e pecuniário que legaram a seus sucessores os meios e deveres de prestarem a Jesus Cristo um exigno mais solene e respeitoso tributo de reverência pelos sacrifícios e martírios que por nós sofreu.

A concorrência do povo foi numerosa e soube manter-se no respeito para com Deus, e para os seus semelhantes.

Na passada terça-feira, 8 do corrente saíra desta vila às ordens do seu amo e senhor Victor Mora, os Srs. Presidentes de câmara com mais 2 atilados vereadores (o gaguejante e outro), devidamente munidos de grandes aparelhos, de ver ao longe, seguindo a linha central desta vila até aos confins do Codes, Foz da Amieira e revirando pelos Mógãos até que recolheram a penates já faros e cansados de tantas manobras e exigências do seu amo, à procura de pontos estratégicos que mais e melhor se prestam ás manigâncias e desvio da parte de 500$00 réis que pertencem à lubrificação dos caminhos vicinais do concelho!

No trajecto, aí por alturas da Salgueira, uma voz grave, saída das profundezas do peito de um ingénuo que ainda acredita em lobisomens suplica ao capitão-mor Victor que mande fazer alto à sua tropa fandanga.

Ele todo mestre e toleirão, estaca, arregala o olho do lado direito, obriga a sua montada de fazer uma pirueta, para as traseiras, maneja com arte e valentia a inça guerreira que ainda conserva como relíquia das suas façanhas, quando escondida de trás do cofre forte da câmara municipal do Porto, por ocasião da revolta de 31 de Janeiro, e em voz forte e altiva, devido ao seu génio e feitio grita: Alto frente! Alto aqui! E, interrogado o seu interceptor obtém em resposta, em fala meio amiolada, Bossa Soria, é que o Doutor Victor ele, ainda com o olho arregalado, chupando no seu paivante diz sim, todo tal e qual, que quereis? Tendes alguma unha encravada? Não é isso Sr.Dr. , eu ouvi dizer que bossa soria tem muito balar, bisto que trás bossa soria, a sora cambra, e como a povoação da Salgueira precisa aqui neste sítio, de uma abindinha falei com a minha Maria esta noite e ela o que me disse que bossa sorria passava hoje aqui com a sua câmara raspá-los dos 500$00 réis que bieram cá pro pobo não é assim Sr.Doitor? Ele, vendo que mais um é iludido, pois que dinheiro algum pode ser desviado daquele subsídio e jamais para fazer um serviço que pertence, segundo nos dizem, as obras públicas, visto que prejudicou a servidão do povo da Salgueira, respondeu: fica descansado meu rapaz, diz cá ao teu povo que está servido! Obrigado Sr.Doitor. Que grande pândego nos saiu o homem das larachas! Tomem conta caros amigos, olhem que ele não dá ponto sem nó, e como tal é capaz de lha pregar na menina do olho, para isso só basta puxar o cordelinho em que traz manietada a sua fiel câmara.

Os nossos leitores devem ainda estar lembrados que mãos criminosas, obedecendo a ordens do seu amo, cortou à serra, de noite umas oliveiras sitas no Outeiro da Velha, pertencente ao Sr.Salgado? Foi também sabido que sobre os cortes foi mandado despejar a papelada velha de certa botica cuja papelada o mesmo mandão conseguiu que certo pardaleco derrubado fosse cair no Outeiro da Velha, foi a mandado do Sr. Victor Mora, mudado justamente para o terreno onde ainda existiam os cepos das oliveiras já chamuscadas, o Sr. Salgado com direitos hereditários chamou a contas o Sr. Victor a responder pelos abusos não só de se querer assenhorar do terreno , senão também dos cepos chamuscados e vendo-se enlameado, com terra rebadeira, gritou pela sua santa e fiel câmara que obedecendo a ordens, tomou-lhe a defesa, alegando que tal mudança do caminho havia sido por ela autorizada, visto que o terreno era baldio!

Como não podia deixar de ser o Sr. Salgado fez embrulhar aquela moralíssima gente numa questão, mas Victor sempre destro e cavilar em artimanhas, obteve safar-se prometendo à sua câmara que pagava tais despesas, correndo a questão seus devidos termos foi a câmara condenada nas custas e a repor o caminho no seu antigo leito, etc. etc. afinal a câmara teve que “arrotar” e Victor manhoso nenhum de x lhe restitui, usando um bom acto moralíssimo!

Ainda não fica por aqui a história do Outeiro da Velha, o Dr. Victor é que explora um terreno confiante com o caminho do mesmo nome e azinhaga que conduz, com aquele, à eira Salgado, Sarabando, fábrica Moagens Matos Silva, e ainda com o pátio da casa da habitação de Francisco Maria, Neves, Cunha e outros.

É certo que tal terreno nunca foi marcado existindo algumas parcelas que pertencem à via pública.

O que fez o bonzinho do Sr. Victor para tornar maior o terreno que explora e para deduzir à miséria a via pública?… Fez, ali pelo mês de Fevereiro construir uma parede de pedra seca, regularmente construída como todos veem com 1 metro de alto e 15 metros de comprimento, justamente na bifurcação dos dois caminhos de forma que, vindo do lado do pátio de S. Senhoria de Francisco Maria, Neves e Cunha e outros, seja capaz de ali voltar.

Porém, com verdadeiro pasmo, vimos no resumo da sessão da “câmara” de 7 do corrente que Victor Mora requereu licença para colocar uma porção de pedra em forma de parede na parte norte do terreno que explora, junto ao caminho do Outeiro da Velha.

Tal requerimento foi, muito tardio, e como tal caviloso, por se pedir nele autorização para execução de um serviço feito e até então enfeitado de piteiras.

Para que procedeu assim seu grande manhoso?…Ah?… Seu doutor que foi para amparar as latadas e furtar-se no alinhamento devido, tornando assim a uma reles viela, um caminho que se houvesse sardoalenses teria sido devidamente cuidada para interesse geral e realce à vila, não só este como outros, e para mais uma vez ficarmos sabendo que V.Ex.ª e seus da câmara são… são muito boas pessoas!

Criaturas assim, caros leitores, são mais perigosos do que insectos vis e perniciosos que vieram ao mundo para fazer gelar a humanidade!

Pobres parvos são aqueles que acreditam nas maledicentes e perigosas cantigas desses anfíbios que nos Têm sacrificado quando ainda nos restava de bem!…

Esta vai um pouco fora da esteira, mas esperamos que por esta vez o Sr.Director do Jornal de Abrantes nos desculpe.

Até para a semana

Março de 1910

Zaguncho Júnior

10 de Abril de 1910
Correspondência do Sardoal

Não duvidem.

Com verdadeiro orgulho, caros leitores, cumprimos o dever de saber bem longe que a nossa câmara, é senhora e autora de maravilhosos inventos, sistemas deliberativos que têm causado assombro, às suas colegas de Venda Nova, Entrevinhas e Palhota!…

Ele, cumprindo rigorosamente o seu código de… posturas, única lupar onde se rege, reúne às segundas-feiras sob a presidência do homem de estatura mediana, do seu amo Victor, que, introduzindo-se na sala das sessões, munido do seu clarinete e seu colega gaguejante com a sua rabeca entre unhas e restantes vereadores com os seus timbales produzem, nas gaitas, tais sons que obrigam os munícipes envergonhados à debandada deixando-nos assim a sós.

A câmara reúne às segundas feiras para quê?… para sabermos pelos seus resumos que deferem o requerimento do Xico, para mudar um regato, o do João para construir uma casa, o Dr. Manuel para mandar o Zé pôr o caminho no seu antigo estado, e do seu amo Victor para poder fazer arrumação de pedra em forma de parede, a fim de lhe permitir ampliar à sementeira das batatas!

No seu resumo de 14 do mês findo lá vem coisa parecida a que antecede, o que tudo assim serve para iludir, com a tal música, o Zé pagante que não sabe ler salvo honrosas excepções para desviar verbas que deviam ser aplicadas em obras úteis tais como o empedramento do ramal dos Valhascos, etc.

Ainda no resumo acima referido se nota que foi deliberado o concerto das caçadas estragadas, com assento como o da luz e acetileno, quando é certo e sabido que tal estrago era necessário, se ao Zimbório do senhor gaguejante e comp. não subisse a ideia do grande invento de ser inutilizada em parte da modesta luz do petróleo para ser substituída também em parte , pela luz de acetileno que, apenas 15 bicos custaram ao município acerca de 15$00 réis, cuja quantia bem administrada, faria novas calçadas e uma boa reparação nas velhas, facultando-nos maravilhoso trânsito e evitando que, mesmo com luz de petróleo, déssemos os nossos trambolhões, visto que a calçada em toda a vila, estão em estado desagradável.

No supra dito resumo também se lê que vai ser adquirida canalização para conduzir as águas às portas para os contadores. Uma inocente interrogação? Onde foram empregados os canos requisitados pela câmara pelo mês de Outubro do ano passado, destinados segundo rezava a respectiva deliberação, sobre o mesmo fim que custaram os 100$00 réis, que ainda restavam de uns célebres 2.500$00 réis.

Se esses catões nos respondessem davamos-lhe um doce!

Partiram para Coimbra os Exmos. Srs. Dr. Eusébio Tamagnini, Dr. Armando Serrão Mora, Padre Luis Andrade e Silva, Manuel Serras Pereira e David Serras Pereira, Álvaro, João e Manuel Andrade e Silva.

Retiraram também o Exmo. Sr. Dr. Anacleto Matos Silva para Santarém, António Augusto de Campos para Penacova, Manuel Pires para Pedreira (Tomar), João José Pereira de Matos para o Porto, António Pereira de Matos para Lisboa e para Portalegre António Lopes. A todos muita saudade e prosperidades.

Abril de 1910

Zaguncho Júnior

17 de Abril de 1910
Correspondências de Sardoal

Recordam-se os nossos leitores do que escrevemos na nossa primeira e seguintes correspondências acerca dos processos usados por esta câmara, para executar os serviços que até hoje ainda não classificou de nenhum valor.

Foi justamente nessa primeira correspondência que evidenciamos quanto está mal administrado os dinheiros do município que devia ser aplicado em obras úteis, tais como reparação e conservação das estradas municipais de Valongo, Cabeça das Mós e dos Valhascos.

Bem sabemos que é de bradar no deserto, embora a honra do tremendo ajuste de contas esteja próximo, mas cumprindo a nossa exígua mas leal missão, registamos aqui o nosso processo para que bem longe se saiba que no passado se gastou 500$00 réis com um gasómetro que fornece 3 horas de luz a 17 bicos, mas temos uns caminhos e estradas em deplorável estado!…

Foi submetido à aprovação superior o orçamento suplementar ao ordinário corrente, balanceado em 500$00 réis destinados à reparação dos caminhos vicinais como já é de conhecimento público do concelho.

Realizou-se no pretérito domingo a festividade ao Senhor dos Remédios com bastante brilho e concorrência de forasteiros vindos de bastante longe.

O fogo feito pelo pirotécnico José Lourenço Galinha, dos Valhascos, agradou bastante com a especialidade de foguetes a cores.

Por último quando todos se retiravam para suas casas, o Sr. Administrador do concelho tocou a rebate no costado do Bentinho sacristão da freguesia, mandando-o em seguida para a cadeia a fim de ali orar por todos santos e santas da corte do Cél.

Abril de 1910

Zaguncho Júnior

Sardoal – Sinopse Histórica

É difícil, senão impossível, localizar no tempo a origem do lugar e depois vila de Sardoal, porque não se conhecem documentos ou vestígios históricos que permitam indicar uma data como provável.

No manuscrito “Memórias Restaurantes do Antigo Lugar e Vila do Sardoal”, Jacinto Serrão da Mota tece diversos considerandos que não são suficientes para se concluir algo de concreto, e alguns dos indícios por ele referidos são hoje difíceis de localizar, porque a erosão de mais de dois séculos e o tradicional desinteresse pelo património histórico já não devem permitir hoje um estudo dos indícios referidos.

Não deixaremos, no entanto, de transcrever parte dessas memórias, na esperança de que nem tudo esteja perdido e que os factos referidos venham a interessar algum especialista em arqueologia, que possa encontrar vestígios, artefactos e documentos que permitam refazer a história dos primórdios do Sardoal.

Refere Serrão da Mota: “…suposta esta, não fica difícil crer que entre os povos Tubucenses de que fazem menção a maior parte dos historiadores e geógrafos antigos, fosse o Sardoal um deles como maior dos da sua vizinhança. Isto devemos considerar antes da Época Terceira de que falam os referidos, porque no tempo dos Romanos, Godos e Árabes, não há historial que nos informe de outro lugar maior, mais próximo de Abrantes e dentro da sua comarca e suposto que deste, também, expressamente não falem, senão debaixo da universal palavra “povos Tubucenses” (…)

Enfim, como não há onde indagar mais claras demonstrações da antiguidade deste povo, poderá haver quem diga que ele não veio do tempo em que falamos, no lugar onde está e o comprovem, talvez, com as ruínas da antiga povoação que fora onde hoje chamam o Castelo de Arcez, que pela grandeza de seu âmbito denota não haver sido povoação pequena e nela se diz haver achado alguns tesouros e medalhas que eu nunca vi. (…)

No sítio do Sobral também dizem ter sido povoação antiga, mas ou deveria ser muito grande ou não era junta, pela diversidade de sítios onde se topam vestígios de moradores e se tem achado moedas de cobre, outros dizem de melhores metais, telhas, ladrilhos, moinhos de pão e coisas similares que denotam ter sido ali habitado

O mesmo dizem era nos Montes do Curral da Serra, onde se topam alicerces de muralhas, que mais denotam fortificação que lugar.”

Se traçarmos um paralelo com as origens de Abrantes, e ainda que não se pretenda localizar as de Sardoal na mesma janela temporal, não é também difícil aceitar que a zona do Sardoal fosse habitada nesse tempo. Acreditando no livro “Memória Histórica da Notável Vila de Abrantes”, esta cidade foi criada pelos celtas e não pelos romanos, como refere o Padre Luís Cardoso no seu Dicionário Geográfico. Os Celtas chegaram à Península pelo ano 308 AC, pelo que não é descabido que a região do Sardoal já era habitada nos séculos V e IV antes de Cristo, ou ainda antes, se nos recordarmos dos vestígios encontrados no alto de S. Domingos e Chão das Maias, particularmente alguns machados de pedra polida, naturalmente já do Paleolítico Superior.

A ocupação romana não deixou grandes vestígios, ainda que tenha deixado alguns. Da ocupação pelos Godos e pelos Árabes, não existindo vestígios visíveis, é da tradição popular referir a ocupação árabe e para designar muitos lugares utilizou-se a palavra “mouros”. No entanto sobre este assunto muito pouco se pode afirmar com o rigor e o grau de segurança que a disciplina da História exige.

Dos reinados de D. Afonso Henriques, D. Sancho I, D. Afonso II, D. Sancho II e D. Afonso III, não existem no Arquivo Municipal, nem temos conhecimento que existam noutro local, documentos que se refiram ao Sardoal.

O documento mais antigo que existe na Câmara Municipal, é uma carta da Rainha Santa Isabel, dada em Coimbra, em 11 de Janeiro de 1313, obrigando os passageiros que viessem da Beira e vice-versa, para Punhete (actual Constância) a deixarem a estrada e a passarem por dentro do lugar de Sardoal. Esta carta é importante para a história da antiguidade desta terra porque nela se vê que nessa data já tinha os seus Juízes e procurador.
Serrão da Mota (ibidem), refere uma outra carta da mesma Santa Rainha, que não encontrámos no Arquivo, dada em 20 de Abril de 1315, a requerimento dos juízes e moradores do Sardoal, em razão de o Alcaide de Abrantes não querer eleger alcaide no dito lugar, como era uso. Mandou-lhe Sua Magestade nomear alcaide que fizesse o que os ditos juízes lhe mandassem a bem da jurisdição, senão “…a vós me tornarei…” são palavras do mesmo alvará.
No Arquivo Municipal existe uma outra carta da mesma Rainha, quiçá a mais importante, dada aos moradores do Sardoal, em 20 de Setembro de 1318, para conservarem a antiga posse em que estavam de ter alcaide natural do mesmo lugar de Sardoal.
Alguns autores referem que o Sardoal teve foral dado pela Rainha Santa Isabel, em 1313, o que não sendo improvável, dado ser esta Rainha donatária deste lugar, não pode ser comprovado por inexistência ou desconhecimento do paradeiro do referido documento.

Do reinado de D. Afonso IV, não se conhecem documentos que refiram o interesse deste Monarca pelo Sardoal.

O mesmo não acontece no reinado de D. Pedro I, que em carta de 26 de Janeiro de 1364, dada em Abrantes (o referido Monarca permaneceu em Abrantes de 18  a 27 de Janeiro desse ano), Chancelaria de D. Pedro I – fls 92 e 92-verso, concede e confirma a jurisdição aos juízes do Sardoal, além dos seus antigos usos e privilégios. Nesta carta se vê que os moradores do Sardoal elegiam os seus almotaces e faziam as suas posturas, pertencentes ao governo civil e outras coisas mais, o que tudo denota antiguidade de povo nobre.
Em carta de desagravo de 2 de Abril de 1365, a favor do Juiz do Sardoal, Gil Esteves, contra o juiz de Abrantes, dada pelo mesmo soberano, por o juiz de Abrantes ter mandado soltar Martim Afonso, preso por ordem do Juiz do Sardoal. No ano seguinte, a 19 de Junho, o mesmo Monarca, por cata desagravo, dada em Santarém, contra o Conselho da Vila de Abrantes, “…por motivo de este os perturbar na posse antiga que estavam, de fazerem as suas posturas, de exercerem suas jurisdições e de se governarem e gozarem de suas antigas regalias, como um povo livre e independente.” Neste importante documento vem relacionada uma série de agravos feitos pelo Conselho de Abrantes aos moradores do Sardoal, de que estes se queixaram a El-Rei e de que foram providos plenamente por esta carta, sendo julgado por El-Rei o Conselho de Abrantes, por revel, por não ter comparecido ao chamamento de El-Rei, para dar razão aos agravos que fazia aos moradores do Sardoal.

Do reinado de D. Fernando, não conseguimos localizar grandes referências ao Sardoal. Apenas encontrámos uma Carta de mercê desta terra, dada em 2 de Setembro de 1373 (Chancelaria de D Fernando – Livro I – fls 118-v), a Vasco Peres de Camões, fidalgo e poeta galego, protegido da Dona Leonor de Teles. Na Guerra da Independência este fidalgo tomou o partido do Rei de Castelo, sendo-lhe confiscados todas as terras. Um filho deste senhor foi João Vaz de Camões, avô do Grande Poeta.

No reinado de D. João I aparecem diversas cartas, a primeira datada de 15 de Fevereiro de 1426, carta de sentença a favor dos moradores do lugar de Sardoal, contra os moradores de Punhete, por estes pretenderem esbulhá-los da posse imemorial em que estavam de vender vinhos de suas lavras em Punheta, sem estarem sujeitos a almotaçarias.  
Pela sua curiosidade, referimos uma ordenação do mesmo soberano a favor dos moradores do Sardoal, para poderem ser encoimados os porcos dos besteiros e todos aqueles que se encontrassem a fazer dano. Este documento deve ter dado origem a uma das mais antigas portugas do concelho. Este Monarca, em carta passada no arraial de Campo Maior a 25 de Novembro de 1426, confirma a antiga posse em que estavam os moradores do Sardoal, de suas jurisdições, isenções e regalias. Em outra carta de 23 de Outubro de 1431, D. João I, concede aos moradores do Sardoal o privilégio de não serem obrigados a assistir à festividade do Corpo de Deus em Abrantes, visto solenizarem com pompa esta festividade na sua igreja do Sardoal.
Serrão da Mota (ibidem), refere um privilégio do mesmo rei, em que confirma e faz guardar aos moradores do Sardoal, seus privilégios, principalmente os que lhe concedeu o D. Pedro I, de que não fossem constrangidos por Abrantes a levar presos fora deste termo, só os que passando por aqui fossem para a cadeia da Amêndoa.

O reinado de D. Duarte foi muito curto, pelo que poucas referências se encontram relativas ao Sardoal, mas apesar disso esta terra não deixa de merecer a atenção de tão insigne monarca. Por exemplo, um privilégio dado em 1435, em que isenta os moradores do Sardoal de serem obrigados a fazer e consertar caminhos fora dos seus limites de termo e julgado, porque os moradores de Abrantes os constrangiam a que ajudassem a consertar a Calçada de N. Sra. da Ribeira.
Um dos factos mais relevantes da história deta terra e que leva a concluir que era especialmente considerada pelos Reis de Portugal e até que estes nela tinham moradia própria, é o facto de ter nascido nesta Vila a Infanta D. Maria, filha de D. Duarte e da Rainha Dona Leonor, em 7 de Dezembro de 1432, tendo morrido no dia seguinte.

No ano de 1430, havia do Corregedor da Estremadura no julgado por sentença, que os moradores de Abrantes seriam obrigados a ajudar a fazer os caminhos do Sardoal. El-Rei D. Afonso V confirma a referida sentença no ano de 1442. Na Chancelaria de D. Afonso V constam quatro cartas relacionadas com o Sardoal:

– A já referida (livro XVI – fls 8 e livro da Estemadura – fls. 161-v).
– Uma carta de mercê de bens a Lopo Gonçalves (livro XIV – fls. 52-v).
– Outra de mercê de bens a Afonso Meira (livro XXVIII – fls 84).
– E uma carta sobre a festa do Espírito Santo (livro IV – Estremadura – fls 50).

Uma carta de D. João II, concede às justiças do lugar do Sardoal, jurisdição nos feitos cíveis e da almotaçaria e que os juízes possam condenar injúrias verbais e agravamento para os juízes de Abrantes, nos casos em que os houvesse de dar. Esta carta foi dada em Santarém em 1482 (livro IV de D. João II – fls 44).
Na chancelaria de D. João II, consta ainda uma carta aos moradores do Sardoal, para estarem sujeitos à jurisdição de Abrantes (livro 2 – fls 54) e uma outra carta sobre a administração do hospital (livro III da Estremadura – fls 201).

O Rei D. Manuel I, confirma a carta do seu antecessor, sobre a administração das justiças, em 1496 e no ano de 1507, concede aos juízes de Sardoal, jurisdição sobre casos de crime, obrigando que os da pena de morte ou talhamento de membros, sejam presos no Castelo de Abrantes, para maior segurança. E os de pena menor, como açoutes se executaria ao redor do Sardoal. Esta carta foi confirmada por D. João III, no ano de 1528.
Segundo Serrão da Mota (ibidem), o Rei D. Manuel I permaneceu algum tempo no Sardoal:
“…O Senhor Rei D. Manuel a enobrece, também, nos tempos em que ainda era lugar, com a sua pessoa assistindo, dizem que retirado por ocasião da peste ou suspeitas dela, persuadido, talvez, pelo Conde de Abrantes, por conhecer de experiência o bom temperamento dos ares e clima do Sardoal. Foi sua residência junto ao Espírito Santo, em uma das melhores casas daquele tempo, que fizera João Afonso, natural da Amieira, que aqui casara com uma pessoa nobre Constança Bernardes, de quem houve sucessão fecundíssima e nobre descendência, de que sei por um instrumento autêntico que pára em poder de António Rebocho, desta Vila. Dividem-se as opiniões sobre a certeza do lugar onde eram as ditas casas. Uns, por constar do juramento de uma das testemunhas no dito instrumento, em que eram junto ao Espírito Santo, querem que fossem as que pegam pela banda posterior com a dita capela. Outros, por constar de um testamento de um neto do dito João Afonso (…) Também é tradição que aqui lhe morreu uma filha e sem embaraço de que o cronista Frei Bernardo de Brito, diga que morreu em Abrantes, nada disto desfaz a tradição que temos, porque sendo o Sardoal termo daquela Vila, nada desconcorda a tradição com o dito cronista.

No Reinado de D. João III verificaram-se alguns sucessos da maior importância para a história deste Concelho.
Tendo sido coroado em 19 de Dezembro de 1521, logo em 1 de Agosto de 1523, escrevia de Tomar para o Regedor D. António, a fim de este tomar conhecimento da suspeição que os moradores do Sardoal puseram ao Juiz de Tomar, na causa que traziam com o concelho de Abrantes sobre a divisão do território, entre os dois concelhos limítrofes.
Em 5 de Novembro de 1528, era feita uma carta de confirmação por El-Rei D. Manuel, em que declarou a pedido dos moradores de Sardoal, qual o sentido que se devia aplicar a uma sentença do concelho de Abrantes, relativa aos tabeliães e pessoas que celebravam autos públicos.
Em 9 de Novembro do mesmo ano de 1528, El-Rei confirma as mercês de seu avô D. João II e de seu pai D. Manuel, fizeram ao concelho e moradores do Sardoal, concedendo-lhe jurisdição nos feitos Ceveis e de Almotaçaria.
Esta atenção do Rei D. João III, culmina no ano de 1531, a 22 de Setembro, com a elevação do Sardoal a Vila, por carta dada em Évora (Chancelaria de D. João III, Livro 50, fls 109 verso), que transcrevemos:

Dom João, pela Graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém mar, em África, Senhor da Guiné e da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, a todos os que esta minha carta virem faço saber que, vendo eu o grande crescimento que, louvores a Deus Nosso Senhor, se faz na povoação do lugar de Sardoal, termo da Vila de Abrantes e como se enobrece de fidalgos, cavaleiros, escudeiros e homens de criação e de pessoas de honra que nela vivem, os quais bem me poderão servir com armas e cavalos; e vendo também o muito povo pelo qual são feitas no dito lugar muitas benfeitorias de muitas e boas casas, e como dentro e fora dele (há) muitas herdades de vinhos e olivais e outras muitas benfeitorias, as quais cada vez mais fazem e crescem por estas coisas; e por esperar que o dito lugar vá continuando em muito maior crescimento e nobreza; e por o ter assim para muito meu serviço, eu, Rei, sem que os moradores dele, nem outrem por eles mo requeressem nem pedissem, de meu moto-próprio poder real e absoluto, desmembro e tiro para sempre o dito lugar do Sardoal do termo da dita vila de Abrantes, de cujo termo fazia parte até aqui, e mando que daqui em diante se chame VILA DO SARDOAL, e tenha a sua jurisdição apartada, por si e sem reconhecimento algum à dita vila de Abrantes, – tal como a têm as outras vilas dos meu reinos, e com o termo que lhe mandei passar, assinada por mim e selada com o meu selo. Desse dito termo quero e mando que use para seus logradouros, pascigos e montados e todas as outras serventias e cousas, assim e na devida e própria forma e maneira por que usam de seus termos as outras vilas dos meus Reinos – e sem reconhecerem, quer nisso como em nenhuma outra cousa de qualquer qualidade e condição que sejam, a dita vila de Abrantes, de cujo termo fora até aqui e da qual a desmembro para todo o sempre, como (já) ficou referido. De igual modo notifico assim a todos os meus moradores corregedores, aos juízes, moradores e ao povo da dita vila de Abrantes bem como a todos e a quaisquer oficiais e pessoas aos quais esta minha carta for mostrada e o conhecimento dela disser respeito e lhes mando que, daqui em diante, hajam (considerem) o dito lugar do Sardoal como Vila, com sua jurisdição apartada e deixem os moradores dela fazer suas eleições de juízes e vereadores, procuradores e outros oficiais do concelho, segundo a forma das minhas ordenações e regimentos. E que em tudo possa usar dos privilégios, graças e liberdades que usam as outras vilas do Reino ecomo de direito lhes pertencer e nele deverem usar. E assim no referente ao termo que por mim lhe foi ordenado e delimitado pela dita minha carta, sem que dúvida ou embargo algum nisso lhe seja posto. E mando aos moradores e povo do dito lugar que, daqui por diante, se chame VILA DO SARDOAL e em tudo usem como Vila que o faço, no modo sobredito. E em cousa alguma, nem por maneira alguma, reconheçam nem obedeçam à dita vila de Abrantes, porque assim é minha mercê. E, por certidão disso, lhe mandei dar esta carta, por mim assinada e selada com o meu selo de chumbo pendente. Dada em Évora, aos 22 dias de Setembro. Pedro da Alcáçova Carneiro a fez, no ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1531 anos.

No mesmo dia, D. João III, fez mercê do Padroado da Igreja do Sardoal a D. António de Almeida.
Em Novembro do mesmo ano o concelho de Abrantes protestava junto de El-Rei, pela criação da Vila do Sardoal e demarcação do respectivo termo, em carta que a seguir transcrevemos integralmente (Corpo Cronológico, parte I, maço 47, doc. 95):

Senhor. – Os juízes e vereadores desta vila de Abrantes beijamos as Reais mãos de Vossa Alteza a quem fazemos saber que vimos pela doação do Senhor Infante D. Fernando, como lhe dava a dita vila e tirava o Sardoal e o queria fazer vila e lhe dar o termo que lhe bem parecesse bem e porque Vossa Alteza nos agrava muito em apartar o dito lugar e tirar a dita vila que era a melhor coisa que esta vila tem. E el-Rei que Deus tem sempre folgou de nos favorecer e de nos não tirar nenhuma coisa da dita vila e de seu termo, beijaremos as mãos de Vossa Alteza de não nos quebrar nossas liberdades. E querendo fazer vila, não lhe dar outro termo, somente o que dantes tinha. Lá mandamos Joam Graces e Jusarte Soares a requerer a Vossa Alteza as coisas que a esta vila pertencem, a quem Vossa Alteza dará inteira crença do que por parte da vila requererem. Escrita na câmara da dita vila a biij de Novembro. Brás Dias, escrivão da Câmara dela pelo Infante D. Fernando, nosso Senhor a fez de bcxxxj (1531)- Ferreira Menaia – Estevão Lopo – Estevão Ferreira.

Apesar destas diligências por parte de Abrantes, em 10 de Agosto de 1532, foi dada em Lisboa, por El-Rei D. João III, a Carta de Demarcação do Termo, que se transcreve na íntegra, apesar de extensa, para que se conheçam os locais por onde passavam os primeiros limites do Concelho de Sardoal e muitos desses locais ainda manterem a mesma designação.

Dom João, pela Graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém mar, em África, Senhor da Guiné e da conquista, navegação e comércio, da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, a quantos esta minha carta virem faço saber que eu por alguns justos respeitos que me a isso moveram, houve ora por bem de fazer vila o lugar de Sardoal que antes era termo da vila de Abrantes, da qual vila do Sardoal fiz mercê a D. António de Almeida, filho do conde de Abrantes, que Deus perdoe, segundo mais é inteiramente declarado em suas doações. E para lhe redelimitar e dar aquele termo que conveniente e justo fosse, mandei acerca dele fazer certas diligências as quais vistas por mim e querendo fazer graça e mercê à dita vila do Sardoal e aos vizinhos, moradores e povo dela, tenho por bem e mepraz delhe fazer, como de facto por esta presente faço mercê e doação daqui em diante para sempre do termo seguinte, para além do limite que já tem e que tinha antes de ser vila, das vintenas de Alcaravela, Montalegre e Alferrarede, assim como estão limitados e da vintena dos Valhascos, será a aldeia com os seus rossios. Outrossim me praz que a dita vila do Sardoal, vizinha daqui em diante com a vila de Abrantes no portar e no uso da Junceira, como fazia antes de ser vila. O qual termo e limites pela dita maneira eu mandei divisar e demarcar por marcos e divisões para se em todo o tempo saber por onde e como parte e demarca e cometi a dita demarcação ao Doutor Diniz Roiz que a vivo lá enviei, o qual a fez com homens bons da terra e ajuramentados, na maneira seguinte: Demarcou a vintena de Alcaravela na ribeira de Arcez, da parte levante no cimo do pego do Açude do Moinho de Bandos, assim na gargant dele e onde está um espigão de pedra nacediça que é grande como fraga, no qual se pôs uma cruz com o rosto água abaixo e daí parte pelo cume do Cabecinho da foz dos Gabários e daí direito vai partindo ao cabeço que se chama das Seladas e daí à Cabeça Gorda, pelos cumes dos cabeços e daí parte dos cabeços à Barreira do Lobo, águas vertentes sempre por entre serras e na dita Barreira do Lobo se pôs um marco e do dito marco vai direito ao Cabeço dos Algares e daí foz da Ribeira do Salgueiro e daí vai partindo a um cabeço que chamam as Portas do Soão, sempre águas vertentes sobre a Alcaravela e do dito Cabeço das Portas do Soão vai partindo lombada abaixo até à Ribeira do Rio Frio e pela água do dito, acima até à foz das Fontaínhas até à foz do Vale do Freixo e daí vai partindo ao cume que está entre o Vale de Freixo e o Vale da Metade e daí vai partindo águas vertentes sobre as Lercas se vem direito à Portela da Lagariça e daí direito a uns cabeços que têm um vieiro de pedras nacediças brancas até onde está um monte de pedras que chamam o Peão, águas vertentes sobre Vale Formoso e daí direito a um peão que chamam de Queixa Perra e isto é sempre águas vertentes sobre o Vale de Ervedais e do dito peão direito às cimadas de Amieira Cova, onde chamam o Vale Longo e daí direito ao Cabeço de Vale da Figueira, sempre águas vertentes sobre Alcaravela e daí ao Serro Longo e do Serro Longo à ribeira do Codes, por cima do Casal de Jorge Anes, pela banda das terras do dito casal, onde se meteu um marco e o dito casal ficou dentro da vintena de Alcaravela e daí vai partindo águas do Codes abaixo até à foz da Besteira, que é uma ribeira que entra no Codes e aí acaba a vintena de Alcaravela e na foz da Besteira, torna a partir a vintena de Montalegre porque se juntam ambas e a dita vintena de Montalegre vai partindo águas do Codes abaixo até à foz do Codes, onde entra no Zêzere, abaixo das Cabeças Ruivas e dadita foz da Laceira que é um ribeiro que entra no Zêzere abaixo das Cabeças Ruivas e da dita foz sai a vintena de Montalegre, do Zêzere vai partindo pelo dito ribeiro acima até dentro de um abroteal que é um recosto onde está um marco que parte o casal da ordem que traz Fernão Jorge, com o casal que traz Roiz de Abrantes e indo pela demarcação dos ditos casais até à Portela do vale da Vermelha e daí torna serra acima à cabeça das Fontes, onde está outro marco que parte outros casais e daí vai partindo caminho direito pelo meio da Lombada até à foz do Baraçal e o ribeiro do Vale de Tábuas até à azenha de Parada, a qual azenha fica dentro da vintena de Montalegre e daí vai ao cimo dele e daí lombada acima pelo caminho até ao Vale da Sobreira e aqui saindo da lombada faz o casal de Vale de Tábuas uma chave e a dita vintena pela demarcação do dito casal e do Vale da Sobreira vai direito ao caminho de Vale de Tábuas que vai para Abrantes onde está um padrão e daí estrada direito até onde está uma cruz que se aparta do caminho que vai para Alferrarede, da dita estrada de Abrantes e pelo dito caminho de Alferrarede vai partindo águas vertentes contra Montalegre até à Portela do Pé do Nabal que é sobre Alferrarede, começando a dita Portela até onde nasce o ribeiro da Bica que é onde se chama as Cimalhas da Bica que é apegado nas costas das casas e daí vai pelo dito ribeiro abaixo, que vai pegando mas costas das casas, até dar na ribeira de Alferrarede e passa a dita ribeira pelo açude do Seixo auma pedra nacediça grande que está na garganta da levada onde se pôs uma cruz por marco e daí direito ao cabeço do Vimieiro onde entestano limite que dantes tinha a dita vila do Sardoal, vai partindo o dito limite do Cabeço do Vimieiro, águas vertentes sobre o Vale da Louça até ao Serro da Horta de Lopo Dias e do Serro para baixo das hortas e vinhas do Branquieiro e ficam as vinhas e hortas dentro do limite e daí à Barreiras Vermelhas que estão ao Vale Ruivo e vai direito ao lavradio de A. Alves e daí pelo vertente até à Cruz da Encuriscada onde está um marco e daí parte pelo meio do Vale abaixo direito ao pardieiro e daí pela vertente ao ribeiro do Almargis, ao porto dele e daí pelo cabo do mato e passa ribeira do Sardoal que se chama Cagavae, por onde estão dois penedos nacediços, um aquém e outro além e por aí pelo vertente da ribeira, águas vertentes contra o Sardoal até ao canto da vinha de Pedro Saramenho onde se pôs um padrão grande por marco e saindo deste limite para tomar a aldeia dos Valhascos, vai partindo pelo caminho que vai de roda da vinha até ao canto do valado dela e de um ferregial que está pegado com ela todo tapado e valado das vinhas do Sardoal até onde está um sobreiro onde se pôs um marco e daí pelos mesmos valados e vinhas, até à vinha de Álvaro Gonçalves Seixo que é a Terradeira, no canto da qual se pôs outro marco e daí a um arrife de pedras que estão no cimo do Sobral, onde está uma pedra alevantada nadível de seis palmos em alto sobre a terra e daí por baixo das oliveiras da Murteira, direito à fonte dos Valhascos e fica a fonte dentro da demarcação e daí vai direito ao rossio da aldeia a uma oliveira que tem três penedos nadíveis ao pé e daí por um arrife de pedras ao redor da casa dos herdeiros de Fernão Afonso e daí a outra oliveira mocha, onde chamam o Penedo e onde se pôs outro marco, que é na Portela do Mourisco e daí a outra olieira à Cabeça do Cavaleiro que está no caminho dos Corvões abaixo das casas dos Ferreiros e daí direito ao Ribeiro Travesso à foz do Vale de Carvalho e que entra na vintena de Alcaravela a qual vai partindo pelo dito ribeiro abaixo até à foz do Vale Saramenho e pelo dito vale acima até ao Castelo de Arcez, partindo com os herdeiros de A.Raposo e com Duarte Fernandes e daí pela ribeira de Arcez acima até ao pego do Moinho de Bandos à pedra nacediça onde sepôs a cruz que é onde se começou a demarcação. E para do monte dos Valhascos ir tomar água de Arcez, irá partindo da Portela do Mourisco, caminho de S. Lourenço até dar direito a Arcez, posto que dentro da demarcação fiquem três casais da dita vintena de Valhascos, porquanto hei por bem que fiquem no dito termo do Sardoal e sejam dele, além da aldeia e seus rossios que é concedida pelas quais divisões e confrontações se acham e afirmou partirem, demarcarem e confrontarem as sobreditas vintenas e limite do Sardoal e aldeia de Valhascos e se demarcou tudo por marcos e divisões na maneira sobredita segundo mais é contido e declarado nos autos de demarcação que o dito Doutor Diniz Roiz assim por meu mandado fez.. Por bem do qual e me praz que a dita vila do Sardoal, vizinhos e moradores dela e seu termo tenham, ajam e possuam daqui em diante para sempre o dito termo e limites pelas sobreditas demarcações e confrontações assim e da maneira que nesta carta são expostas e declaradas. E mando ao meu Corregedor da Comarca da Estremadura que lhe dê logo a posse do dito termo e limites segundo firma desta carta. E mando a todos os outros meus corregedores, desembargadores, ouvidores, juízes, justiças, oficiais e pessoas a quem o conhecimento dela pertencer que lhe deixe ter e usar do dito termo e limites e lhe cumpram, guardem e façam inteiramente cumprir e guardar esta minha carta como nela se contém, sem nisso lhe ser posta dúvida, embargo, nem contradição alguma, porque assim é minha mercê. E por firmeza de tudo lhe mandei dar esta carta por mim assinada e selada com o meu selo de chumbo. Bartolomeu Bivant a fez em Lisboa, aos dez dias do mês de Agosto. Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1532. El-Rei.

Em 9 de Abril de 1533, por carta de mercê de D. João III, a aldeia de Alferrarede, que correspondia à actual de S. Simão, continua a ter juiz com vara, como quando era termo de Abrantes.
Pela sua curiosidade, citaremos parte de uma carta de El-Rei D. João III, para o seu Corregedor com Alçada na Comarca de Abrantes, Mário Dias, de que existe cópia no Arquivo Municipal e a que chamaram “Regimento das Favas”:

“Eu El-Rei faço saber a vós Licenciado Mário Dias, meu Corregedor com alçada na Comarca de Abrantes, que considerando eu como pela forma que até agora teve no fazer das eleições que se fazem dos oficiais das cidades e vilas dos meus reinos se não podem evitar subornações que nisso se comete.(…) Segue-se o modo de fazer as eleições. Era uma eleição livre e popular em que não era preciso cota do censo para se votar; o povo era chamado por pregões e notificações para reunir no local aprazado para a eleição. Diz o regimento: E tanto que assim forem juntos os que se quiserem ajuntar e suas vontades sem outro constrangimento lhe notificareis que são aí chamados para fazer a eleição dos vereadores e procurador do concelho que na dita vila hão-de servir e para isso hão-de nomear pessoas tais de qualidade que são de andar nos ditos oficiais.

Segue-se o modo de votar por escrutínio secreto. Usavam-se então duas urnas, uma de barro e outra de madeira e ali deitava cada um dos votantes a sua fava branca ou preta, segundo aquele a quem dava o seu voto.
Em 31 de Março de 1536 o Corregedor Mário Dias mandava aos vereadores e mais oficiais da vila do Sardoal, que cumprissem e fizessem cumprir o Regimento das Favas.
No resumo dos livros de registos da vila do Sardoal, dos anos de 1534 a 1596, aparece com data de 11 de Fevereiro de 1536 uma sentença sobre o Poço da Ratinha, resultado de uma queixa a El-Rei D. João III. Pelo seu interesse, reproduzimos um resumo dessa sentença:

“…Queixando-se os moradores da Rua do Poço da Ratinha a El Rei D. João III, de que os oficiais da Câmara haviam vendido o chão em que estava o dito poço e que sendo este entupido lhes causava prejuízo porque abasteciam suas com água deste poço, mandou El Rei informar aos juízes e vereadores que responderam que era verdade a queixa dos moradores, porém que não eram eles que a haviam causado o dano mas sim os seus antecessores e o que visto por El Rei, mandou vir perante ele Diogo Gonçalves que havia comprado ao concelho o dito chão e lhe fez ver esta demanda e a necessidade deste poço e determinou a dita venda por nenhum valor e que o concelho torasse a abrir o poço. E conclui a sentença “…o que assim cumprireis e ali não façades”.

De uma relação de besteiros existente na Câmara Municipal e que pelo tipo de caligrafia deve ser do Reinado de D. João III ou de D. Sebastião, tentámos retirar uma ideia do esquema social da vila e da forma de ocupação dos seus moradores. Dos vinte e seis besteiros inscritos, 2 eram cutileiros, 2 alfaiates, 1 serrador, 1 mação, 3 sapateiros, 2 carpinteiros, além do Alcaide e do Anadel e outros de que não é indicada profissão.
Em diversas cartas e provisões reais encontram-se igualmente algumas curiosidades dignas de nota. Entre elas, uma provisão de D. João III, de 3 de Março de 1541, para o Corregedor de Abrantes e para os juízes e oficiais da vila do Sardoal, proíbe que se fizessem escadas nas ruas da vila, para não se danificarem as ruas direitas e estreitas.
Também uma outra provisão d’El-Rei, ordenando que os Corregedores e meirinhos da Comarca de Tomar tivessem aposentadoria, revela-nos a contribuição de cada concelho para este fim e por comparação ressalta a ideia de que o Sardoal era, em Junho de 155, uma vila importante. Senão vejamos:

Tomar1500 réis
Leiria1500 réis
Penela800 réis
Figueiró dos Vinhos550 réis
Pombal550 réis
Ferreira do Zêzere200 réis
Punhete500 réis
Vila de Rei300 réis
Malão300 réis
Ponte de Sôr200 réis
Sardoal800 réis

Se as contribuições de cada concelho forem calculadas em função da sua importância, teremos de aceitar ser nessa data o Sardoal uma vila relativamente importante, dado que em conjunto com Penela aparece imediatamente a seguir a Tomar e a Leiria.
Também muito interessante é uma provisão de El-Rei D. João III, de 11 de Abril de 1553, ordenando ao Corregedor de Tomar e para ser publicada nas vilas de Sardoal e Abrantes: “…que nenhuma pessoa, pelo tempo de três meses, leve ou mande levar às ditas vilas, lenha de sobro ou de carvalho, para queimar e tragam ou mandem trazer da terra de Mouriscas, onde a poderão arrancar, piorna, sob pena de prisão e multa de mil réis.
Esta provisão é completada por outra do mesmo Rei, em que se ordena que nenhuma pessoa possa cortar piorna nas terras de Mouriscas, com foice que não seja alferce (picareta), ou com outra ferramenta que estronque e arranque a piorna.

Do reinado de D. Sebastião, não encontrámos referências significativas que manifestassem algum interesse particular pelo Sardoal.

Da dinastia dos Filipes encontrámos alguns documentos, particularmente de D. Filipe II, documento referente à aquisição de novas casas para a Câmara, cadeia e açougues. Uma nota curiosa e importante da época de dominação espanhola, refere-se à permanência de alguns sardoalenses na corte de Madrid, por exemplo Francisco de Parada e seu sobrinho o Grande Paulo de Parada.

Ainda na dominação filipina, já no período final, devemos referir a adesão do Sardoal a uma revolta popular, na sequência das Alternações de Évora, na sequência de um aumento das contribuições, ordenada por D. Filipe IV, para recuperar metade da soma de um milhão de cruzados, destinados à defesa da Índia (Restauração de Ormuz. Esta contribuição, chamada o real de água, incidia sobre carne, peixe, vinho vendido a granel, etc. Por constar que estes impostos eram aplicados a outros fins e devido ao aumento dos preços, agravou-se o descontentamento popular e o povo começou a manifestar-se publicamente contra os fiscais, perseguindo-os com pedras, paus, azagaias…
Sardoal sublevou-se a 21 de Outubro de 1637, Mação na noite de 28 para 29 de Outubro e Abrantes a 21 de Novembro.
Referimos ainda que, já depois da Restauração, D. Filipe IV concedeu a D. Afonso de Lencastre, Marquês de Porto Seguro, o título de Marquês do Sardoal, que nunca foi reconhecido em Portugal sendo, portanto, apenas uma curiosidade histórica.

O período subsequente a D. João IV não foi ainda estudado por nós, pelo que referiremos apenas algumas curiosidades dispersas, deixando para estudos posteriores períodos importantes como as Invasões Francesas, as Lutas Liberais, a implantação da República e a aplicação da Lei da Separação.

As referências que a seguir apresentamos são curtas e, ainda que ordenadas cronologicamente, apresentam-se um pouco desconexas.

Por pretender que o Rei D. José I aderisse ao Pacto de Família, tratado concluído em 1761, entre os Bourbons de França, Espanha e Itália e declarasse guerra à Inglaterra e tendo-se o Rei de Portugal recusado, Carlos III de Espanha, de acordo com a França, mandou invadir Portugal. Como o exército português era indisciplinado, desorganizado e pequeno, foi convidado o marechal alemão Conde de Lipe para o reorganizar e comandar durante a guerra que resultou da invasão das tropas espanholas, o quartel-general das tropas Luso-Inglesas, mudou-se de Mação para o Sardoal, em 12 de Outubro de 1762 e permaneceu nesta vila durante dez dias.

Do período das Invasões Francesas, ainda hoje se encontra viva na memória de algumas pessoas mais idosas o que ouviram contar a seus avós, sobre a permanência das tropas de Junot nesta região, onde segundo a mesma tradição foram cometidos todo o tipo de desmandos, desde roubo e saque das populações, a profanação de igrejas, roubo de imagens, cruzes, vasos sagrados, etc.

Junot entrou em Abrantes no dia 23 de Outubro de 1807 e logo impôs que lhe fossem aprontadas 12000 rações e 12000 pares de sapatos. Não tendo possibilidade de conseguir tal quantidade de comida e calçado, pediu ajuda, com receio das represálias que pudessem acontecer-lhe, às povoações vizinhas, e é seguro que o Sardoal tenha contribuído com alguns dos cerca de 4000 pares que se juntaram.

Nota: Estes apontamentos sobre história do Sardoal devem ter sido coligidos por volta de 1990.