Capela da Senhora dos Barbilongos, depois da Senhora da Saúde – Andreus

Não são muitas as referências históricas que conheço sobre a aldeia de Andreus. Uma das mais antigas vem na “Corografia Portuguesa”, escrita pelo Padre Carvalho da Costa, publicada em 1712, que se refere a Andreus como sendo “três aldeias, com uma Ermida de S. Guilherme”.

A Andreus se refere, também, Jacinto Serrão da Mota, nas suas “Memórias Restauradas do Antigo Lugar e Villa do Sardoal”, trabalho manuscrito que se guarda no Arquivo Municipal de Sardoal, coligido entre 1754 e 1762, na forma seguinte: “…Nos Andreus a Ermida de S. Guilherme e a antiquíssima Nossa Senhora dos Barbilongos, assim era chamada pelo século de 500 e hoje com a invocação de Nossa Senhora da Saúde”. Em nota de rodapé refere, ainda, o seguinte: “Esta invocação nasceu no ano da peste, por se mandarem para ali os feridos dela a curar em barracas que para isso se fizeram. Ali era o lugar da cura e se chamou da Saúde. Foi no ano de 1580, aproximadamente, a peste neste Reino e do dito a esta parte teve princípio a invocação de Nossa Senhora da Saúde, chamada antes a Senhora dos Barbilongos, aludindo a uns monges de grandes barbas que ali viveram.”

Com o passar dos anos, a Capela dos Barbilongos foi sendo abandonada e dela apenas restaram algumas ruínas. O Povo de Andreus transferiu a imagem da Senhora da Saúde para a Igreja da Aldeia. S. Guilherme foi sendo “esquecido” como padroeiro que foi das três aldeias que constituíram a vintena de Andreus e que, com o tempo, se transformaram numa só.

Há cerca de 20 anos, a Senhora Luísa Falcão, já falecida, contava uma lenda sobre a Senhora dos Barbilongos, que já não consigo reproduzir fielmente (talvez algumas pessoas mais idosas de Andreus ainda a saibam contar), mas de que recordo mais ou menos o seguinte:

“Diz a lenda que há muitos anos houve uma grande peste que atingiu muitos habitantes da aldeia de Andreus e de que muitos morreram.

No desespero da doença que era muito contagiosa, muitos dos doentes procuraram a protecção da Senhora dos Barbilongos, que ficava do outro lado da Ribeira do Vale de Carvalho, num monte que fica à direita da estrada, como quem vai para Carvalhal.

Diz também a lenda que todos os doentes que conseguiram passar a ribeira se salvaram e todos os que ficaram do lado da aldeia morreram. Daí que passassem a chamar à Senhora dos Barbilongos a Senhora da Saúde, cuja Imagem trouxeram, depois, para a Capela da Aldeia.

No entanto, a Senhora, ou porque gostasse mais do lugar de onde viera, ou porque quisesse um lugar de maior destaque na sua nova morada, muitas vezes fugiu para a Capela dos Barbilongos, indo sempre os moradores buscá-la, com veneração. Mas depois que de todo se lhe acabou e aparelhou o lugar em que pudesse ser venerada, depois de rogada com muito afecto e devoção, o aceitou, pelo que o Povo lhe ofereceu uma coroa de prata e um manto que ainda hoje usa.”

Setembro de 2001

Recrutamento Militar – Ir às sortes ou tirar o número

RECRUTAMENTO MILITAR: Conjunto de operações que têm por fim o estabelecimento de relações em que figuram os mancebos em condições de prestar serviço militar, a sua escolha ou sorteio, os termos e tempo da sua apresentação ou incorporação nas unidades a que foram destinados e onde serão instruídos e prestarão serviço.

As operações de recrutamento de um contingente anual são iniciadas com o recenseamento dos mancebos nascidos no mesmo ano e que atingem a idade militar, com a organização e publicação de listas ou quadros respectivos, inspecção militar, numa data precisamente fixada, convocação e alistamento dos apurados. O apuramento foi até certa data, entre nós, para o serviço activo do exército e para a marinha, feito à sorte. Os mancebos requeridos para formar um contingente que tirassem os números abaixo daquele que representava a totalidade requisitada eram destinados àquele serviço activo. Os outros constituíam a classe de reserva.

UM POUCO DE HISTÓRIA: Nas sociedades medievais o recrutamento militar fazia-se, segundo as situações de guerra, em torno do rei, do senhor local ou das autoridades concelhias. À medida que o Estado se centraliza e se concentra o poder no monarca, não só as normas de recrutamento se uniformizam para o todo nacional, como também os exércitos se tornam permanentes. Com D. Sebastião (leis de 1569 e 1570), todos os homens válidos, dos 18 aos 60 anos, eram chamados a prestar serviço militar, mas, de acordo com as isenções e privilégios existentes, eram divididos pelas tropas de linha, terços de auxiliares e ordenanças. No século XVII, sob D. João IV, mantinha-se o princípio do arrolamento geral para os homens entre os 16 anos – ou mesmo 14, se o físico era bom – e os 40 anos. Desta arrolamento, e uma vez feita a triagem – em meados do século XVIII mais de 20 privilégios concediam a isenção, todos relacionados directa ou indirectamente, com a propriedade, a riqueza, a nobreza, a Igreja, o interesse económico de certas actividades, o estado de casado ou a condição de filho único de viúva “honesta” -, o recrutamento de soldados pagos das tropas de linha incidia essencialmente sobre os camponeses pobres, os jornaleiros, os assalariados rurais e os marginais ou marginalizados urbanos. As levas, como se chamava ao acto de recrutamento e transporte dos mancebos, eram actos de violência que perturbavam o quotidiano de vilas e aldeias, ao mesmo tempo que oportunidades de negócio para as autoridades civis e militares encarregadas de as realizar, as quais recebiam prémios pela eficácia demonstrada ou se faziam pagar pela sua complacência quando os recrutas designados e as suas famílias o podiam fazer. Assim, podiam ver-se nas estradas cortejos de mancebos caminhando enquadrados por soldados e muitas vezes a ferros. Se se tiver em conta que a este facto se juntava o longo período de serviço militar obrigatório – uma lei de 1779 previa pelo menos dez anos – e os prés miseráveis e sempre atrasados, fácil é compreender o problema crónico das deserções. No início do século XIX as coisas não são muito diferentes: uma portaria de 28 de Setembro de 1813, para além de manter inúmeras isenções ao serviço nas tropas de linha, continua a prescrever que os alistados sejam levados entre forte escolta. Segundo os regulamentos da lavra de Beresford (1816) eram recrutados todos os homens válidos entre os 17 e os 30 anos, mantendo-se ainda grande número de isenções. A Lei de 10 de Julho de 1824, fixa o serviço nos corpos de 1.ª linha em sete anos na infantaria e nove na cavalaria respectivamente. Sobretudo a partir da segunda metade do século XIX as forças armadas passam a ser constituídas pelas tropas em serviço efectivo e por uma ou mais reservas compostas pelos licenciados. O sorteamento dos não isentados ou excluídos baseava-se no recenseamento dos mancebos de 20 e 21 anos completos ou todos de 21 a 22 quando fosse necessário para preencher o contingente anual. O serviço obrigatório era de oito anos sendo três efectivos e cinco na reserva. A partir da Lei de 17 de Abril de 1873 deixaram de ser admissíveis as remissões a dinheiro, até então possíveis para escaparem ao “tributo de sangue” os que tinham meios para isso. Mantinha-se, porém, a possibilidade de apresentar um “substituto idóneo”, quer antes, quer depois do seu alistamento no exército e segundo certos preceitos. Com a implantação da República, e na sequência da ideologia democrática que com ela se afirmara, a lei do recrutamento de 1911, de acordo, aliás, com o que previa a Constituição desse mesmo ano no seu artigo 68.º, instituía o serviço militar e obrigatório para todos os cidadãos eliminando a possibilidade legal de substituição e remissão. O serviço efectivo era de um ano em circunstâncias normais, mantendo-se os cidadãos, depois de licenciados, nas reservas até aos 45 anos. Estavam assim delineadas as grandes linhas do recrutamento e do serviço militar que se manteriam no essencial até hoje, apesar das modificações, no tempo de serviço devido às situações de guerra ou aos critérios dos governos quanto a essas questões.

Recrutamento Militar em 1839

Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e trinta e nove aos dezasseis de Setembro do dito ano, nesta vila do Sardoal e Casas da Câmara aonde estava o Presidente, o Ilustríssimo Bento de Moura e Mendonça e os mais membros da Câmara Municipal abaixo assinados para proverem tudo quanto for a bem do serviço do povo, pela maneira seguinte:

Nesta se receberam requerimentos de reclamação para execução do recrutamento e ficou esta sessão em aberto por serem três dias os destinados para as reclamações, sendo nela escusos: João, criado de José da Silva, da Cabeça das Mós, por ser criado de lavoura, como mostrou por atestado; Luís, filho de Manuel Luís, de Entrevinhas, por não ter ainda completado dezassete anos, como mostrou por certidão; outrossim, Fortunato, criado de Manuel da Silva, da Cabeça das Mós, por ser maioral de gado, como mostrou autenticamente; Manuel, filho de José Dias Duque, do Vale das Onegas, por ter somente cinquenta e seis polegadas; José, filho de Manuel Fernandes, do Pisão, por ter somente cinquenta e seis polegadas.

Continua a sessão extraordinária do recrutamento, hoje, dezassete do corrente. Nesta foi escuso João, filho de Luís da Neta, dos Valhascos, por ser quebrado e ter moléstia contagiosa; Manuel, filho de António Lobato, da Venda Nova, foi escuso por ter só cinquenta e quatro polegadas e seu irmão Francisco foi escuso por ter trinta anos como mostrou pela certidão de idade; Manuel, filho de João Lourenço, da Presa, foi escuso por ter cinquenta e quatro polegadas e meia; Basílio, filho de António Luís, dos Andreus foi escuso por ser feitor; Manuel, filho de José Francisco, da Salgueira, foi escuso por ter cinquenta e quatro polegadas e meia, somente; Luís, filho de Manuel Tomé, do Codes, foi escuso por ser lavrador; Manuel, filho de Manuel Alves, dos Casais, apresentado nos Valhascos, foi escuso por ser criado de lavoura; Inácio, filho de Vasco António, dos Andreus e criado de João Paulo, desta Vila, foi escuso por ser feitor.

Continuou a sessão de hoje, dezoito do corrente: Foi escuso do recrutamento Joaquim, filho de Bernardo da Silva, desta Vila, por ter somente cinquenta e seis polegadas; foi escuso do recrutamento Joaquim Bento, criado de Manuel Lopes, de Entrevinhas, por ter somente cinquenta e cinco polegadas e meia. Foi escuso José, filho de Manuel da Silva, de Entrevinhas, por ter cinquenta e seis polegadas e meia; foi escuso Bernardino, filho de José da Neta, dos Valhascos e criado de António da Fonseca Mota, desta Vila, por ser maioral de gado; Manuel, filho de Inácio Chambel, dos Valhascos, foi escuso por ser amparo do seu pai; Manuel, filho de Francisco Coelho, dos Valhascos, foi escuso por ser lavrador; Manuel, filho de Manuel Jorge, dos Andreus, criado de Maria Jacinta, desta Vila, foi escuso por ser criado de lavoura; Luís, filho de António Agudo, criado de António Simplício, desta Vila, foi escuso por ser feitor; Manuel, filho de JOSÉ Bernardo, dos Andreus, foi escuso por ser amparo de seu pai de 70 anos; José Rodrigues, criado de Francisco Xavier Baptista, desta Vila, foi escuso por ser criado de lavoura; José, filho de Jacinto Dias, da Lobata, foi escuso por ser amparo de seu pai; João, filho de Manuel Rodrigues, de S. Domingos, foi escuso por moléstia.

Continua a sessão de recrutamento, hoje, vinte e um de Setembro de mil oitocentos e trinta e nove. Nesta foi escuso Manuel, filho de Manuel Luís, de Entrevinhas, por servir de amparo de seu pai; José Dias, do Codes, por ser lavrador; Manuel, filho de José Rodrigues, da Amieira, foi escuso por ser amparo de seu pai. Manuel, filho de Inácia, do Pisão Cimeiro, por ser amparo de sua mãe; Manuel, filho de Maria Inácia, viúva de António Arrais, por servir de amparo de sua mãe; Joaquim, filho da mesma Maria Inácia, por estar fora; João, filho de Manuel Martins, de Montalegre, por ser empregado de lavouro; António, filho de João Pereira, da Salgueira, por ser amparo de seu pai.

A este auto de reclamação a que procedeu esta Câmara com o o Administrador do Concelho na forma da Lei se deferiu aos recorrentes como pareceu de justiça e na imediata sessão se há-de fazer menção dos mancebos recenseados pelas Juntas de Paróquia nas circunstâncias de serem recenseados na forma da Lei.

E por não haver mais que prover mandaram fazer a presente acta que assinam e eu, António Duarte Pires, Secretário da Administração do Concelho que no impedimento do respectivo titular a escrevi.

Quarta-feira, 2 de Outubro de 1839

Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e trinta e nove, aos dois dias do mês de Outubro do dito ano, na Casa da Câmara aonde estavam presentes o Presidente, o Ilustríssimo Bento de Moura e Mendonça e os mais Vereadores da Câmara Municipal deste Concelho e o Vereador Substituto Manuel Marques Franco em lugar do Vereador que está doente, Luiz Cordeiro Delgado Xavier e estes para proverem tudo a favor do Povo, da maneira seguinte:

Nesta sessão se acordou em relacionar neste livro os mancebos que devem entrar no sorteamento a que se vai proceder e são os seguintes pertencentes à freguesia de S. Tiago e S. Mateus, deste concelho: António Leitão, filho de João Leitão, dos Valhascos; José Jorge, filho de José Jorge, da Salgueira; António Dias, filho de José Dias, de Montalegre; Joaquim, criado de José Rodrigues, da Amieira; João, filho de pais incógnitos, criado de Manuel Capitão, do Mógão; António Ameixa, filho de António Ameixa, de Andreus; António Carola, filho de Manuel Carola, de Entrevinhas; Francisco Vasco, filho de António Vasco, de Andreus; Manuel Lopes, filho de Manuel Lopes, de Andreus; José Capitão, filho de Manuel Capitão, do Mógão; António Alves, filho de José Alves, de Entrevinhas; Manuel Salgueiro, filho de José Salgueiro, de Andreus; Jacinto Carda, filho de Manuel dos Santos Carda, de Entrevinhas; Luiz Martins, filho de Luiza Maria, de Proença-a-Nova. Os relacionados são pertencentes à freguesia de S. Tiago e S. Mateus e os seguintes relacionados são os da freguesia de Santa Clara de Alcaravela, deste concelho: Manuel Constantino Leitão, filho de Constantino Leitão, da Presa; António Gonçalves, filho de José Gonçalves, dos Casos Novos; Manuel, filho de Isabel Maria, da Ribeira. Por esta forma se houve por concluída esta relação. Outrossim acordou esta Câmara se fizesse público, por editais, que o sorteamento dos mancebos ditos se há-de efectuar no dia nove do corrente mês pelas onze horas da manhã deste dia para assim constar aos mancebos que se hão-de sortear nas Casas da Câmara com a maior publicidade possível e outrossim se fará público em cada uma das freguesias por uma relação nominal que contenha todos os desertores das freguesias que estejam na circunstância de serem presos pelos que se vão sortear, pois que os sorteados de agora ficam escusos de serem soldados, uma vez que por suas famílias ou vizinhos possam prender alguns dos supra ditos desertores na razão da cada indivíduo desertor por cada indivíduo agora sorteado que o quiser prender. E por não haver mais que prover, etc.

Quarta-feira, 9 de Outubro de 1839

Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e trinta e nove, aos nove dias do mês de Outubro do dito ano, nesta Vila do Sardoal, nas Casas da Câmara, aonde estavam presentes o Presidente, o Ilustríssimo Bento de Moura e Mendonça e os mais Vereadores da Câmara deste Concelho e juntamente o Administrador deste Concelho, para se proceder ao sorteamento dos mancebos do dito concelho perante esta Câmara, acorreram antes do acto de sorteamento o mancebo Jacinto Carda, de Entrevinhas, deste concelho, que sendo inspeccionado pelo facultativo deste concelho foi por ele considerado incapaz para o serviço militar por ter uma fístula na canela da perna esquerda, bem como perante esta Câmara requereu o mancebo José Capitão, filho de Manuel Capitão, do Mógão, para ser isento do actual recrutamento por ser lavrador e outrossim o mancebo Pedro, solteiro, filho de Francisco Alves, natural de Proença-a-Nova, ter mais de vinte e cinco anos de idade e por isso a Câmara julgou não pertencer ao actual recrutamento, bem como se deferiu os requerimentos de António Clemente, filho de Manuel Clemente e a Joaquim Lopes, filho de Paulo Lopes, dos Valhascos, por serem amparo dos seus pais. Nesta mesma sessão se procedeu imediatamente ao sorteamento de sete recrutas pela freguesia de S. Tiago e S. Mateus, deste concelho, pois que sendo esta freguesia obrigada a dar onze recrutas na forma do rateio da Administração Geral deste Distrito, de 19 de Junho de 1839, o Administrador deste Concelho mostrou ter enviado quatro destes recrutas, restando por isso sortear sete, enquanto a freguesia de Santa Clara de Alcaravela a quem pelo dito rateio pertenceram dois recrutas cumpre sortear esse número por isso que daquela freguesia ainda não foi recrutado nenhum.

Declara esta Câmara que mandou proceder à extracção do sorteamento por um menino de menos de dez anos, por isso que os mancebos recenseados não concorrerão e terão a sua sorte, correu o escrutínio de acordo com as formalidades da Lei, sendo os sorteados em preto pela freguesia de S. Tiago e S. Mateus, deste concelho, os seguintes: António Ameixa, filho de António Ameixa, dos Andreus, em número dez; Manuel Salgueiro, filho de José Salgueiro, dos Andreus, número nove, Francisco Vasco, filho de Vasco António, dos Andreus, número oito, António Leitão, filho de João Leitão, dos Valhascos, número sete, João, filho de pais incógnitos, em casa de Manuel Dias Capitão, do Mógão, número seis; Joaquim, criado de José Rodrigues, da Amieira, número cinco; José Jorge, filho de João Jorge, da Salgueira, número quatro. Estes são os sorteados em preto e António Alves, filho de José Alves, de Entrevinhas, sorteado em número três; Manuel Lopes, filho de Manuel Lopes, dos Andreus, em número dois; António Carola, filho de Manuel Carola, de Entrevinhas, em número um. Estes últimos são suplentes. Os mancebos da freguesia de Santa Clara de Alcaravela, deste concelho, sorteados em preto são: António Gonçalves, filho de José Gonçalves, dos Casos Novos, sorteado em número três; Manuel Constantino Leitão, filho de Constantino Leitão, da Presa, número dois e suplente a estes: Manuel, filho de Isabel Maria, da Ribeira, número um.

Por esta forma houve esta Câmara por concluído o sorteamento ordenando que se faça público aos sorteados por editais qual foi a sorte que lhes competiu e que fiquem na inteligência que se devem apresentar perante esta Câmara no fim de três dias contados pela data dos competentes anúncios ou editais e para que munidos dos atestados desta Câmara possam assentar praça na forma da Lei e Ordens.

Nesta se despacharam requerimentos.
E por não haver mais que prover, etc.


A Inspecção Militar foi, durante muitos anos, um acontecimento de grande impacto social no concelho de Sardoal, e todos os anos mobilizava largas dezenas de mancebos para um ritual que marcava os mancebos para o futuro, porque cumprir o serviço militar não era uma rotina, especialmente em tempo de guerra, do que a Guerra Colonial é o exemplo mais recente.

Na forma como se descreve para 1839 ou com formas diferentes as “sortes” ou inspecções militares realizavam-se, anualmente, na Vila de Sardoal, nos Paços do Concelho, ainda que tenha ouvido também se terem realizado no antigo Convento de Santa Maria da Caridade.

A última inspecção militar que teve lugar no concelho de Sardoal e nos seus Paços do Concelho ocorreu em Julho de 1972 e nela participaram os mancebos nascidos em 1952 (nos quais o autor destas linhas se incluía). Estava-se no auge da Guerra Colonial que se arrastava desde 1961 e que exigia contingentes militares cada vez mais numerosos. Só os jovens com graves deficiências físicas ou psíquicas ficavam “livres”, o que significava dizer dispensados de cumprir o serviço militar (em 1972, tanto quanto me lembro, foram apenas dois), podendo ficar “esperados”, voltando à inspecção no ano seguinte. Nos “apurados”, a maior parte era para todo o serviço, havendo, no entanto, os apurados para o serviço auxiliar, se portadores de uma deficiência física ligeira, de que a mais frequente eram os “pés chatos”. No final da inspecção, os inspeccionados iam à “Loja do Tramela”, também conhecida por “Casa do Pombo” comprar fitas, verdes e vermelhas para os “Apurados”, que prendiam à lapela com um alfinete, havendo de outras cores para as situações de “Livre” ou de “Esperado”, mas já não me recordo quais eram essas cores. Recordo-me de ninguém querer ficar “livre” porque, segundo se dizia, era um sinal de menor hombridade e virilidade.

Como já referi, o dia da Inspecção Militar era um dia importante na vida dos jovens rapazes e, de certa forma, marcava a passagem da adolescência para a idade adulta. Nas décadas de 40 e 50 do século XX era o dia em que muitos rapazes estreavam o primeiro fato completo, o “fato da inspecção”, só voltando a estrear outro no dia do casamento.

Poesia de Gregório Cascalheira no J.A.

Foi no Jornal de Abrantes que tomei contacto com as poesias líricas do escritor sardoalense Gregório Cascalheira, que até então apenas tinha lido na qualidade de novelista, evidenciada em livros como “Na Terra dos Gregórios” e “Alguns Dias de Bolchevismo”. Aqui deixo uma colectânea dos poemas que ele publicou nesse jornal:

16 de Junho de 1929:
Forçado Adeus

Eu bem sei, eu bem sei, ó lindo amor,
Que vou causar-te pena certamente,
Mas, eu não posso mais, tenho de pôr
Um fim, ao nosso afecto sorridente

Aquele sonho bom, de rósea cor
Que sonhamos a rir, de alma contente,
Foi um cruel embuste com que dor!
Mais iludiu o coração da gente…

Não é por seres pobre que me aparto
E vou sozinho e triste para um quarto
Onde não entra o sol nem por esmola,

E que não há amor num peito humano
Que não feneça ouvindo todo o ano
Os teus discos que pões na grafonola

29 de Junho de 1929:
Em dia de S. João
São João para ver as moças, fez uma fonte de prata, “Do Povo”

São João o bom pastor,
Inda quer voltar ao monte
Onde as moças sem amor
Lhe desprezavam a fonte

Mas não volta S. João
Com tal fonte de prata
Traz um cine e um barracão
Com telhado de lata!

Se voltar à terra velha
Donde o bem fugiu em exangue
Há-de torcer a orelha
Mas depois não deita sangue
Não faltarão moças ternas
Certas no Cine de encanto,
Mas tem de tapar-lhe as pernas
Ou deixar de ser Santo.

E rir-se-ão do seu Senhor
Alcunhando-o de fantástico
E o São João perde o pudor
Ou passa… a bota de elástico!

E ao céu voltará João
Cansado de subir tanto
Com mais uma decepção
Na sua vida de Santo

Esquece o mundo, João
Que no mundo não há ciso
E perdes uma ilusão
Se deixares o Paraíso

Pois o diabo tem pressa
A terra que te seduz
E não vale a beleza
De um só olhar de Jesus

6 de Abril de 1930:
Namorados
Ao Dr. Solano de Abreu

Perdidos neste mundo de mil nadas
Onde todos se perdem sem receio,
Pelo caminho fora, de mãos dadas
Vejo passar os dois em terno enleio

Ela, segura-lhe um afecto cheio
De beijos e venturas não gozadas;
Ele, feliz, vendo-lhe arfar o seio,
Torna a fazer as juras mal juradas.

E os dois jurando muito o seu caminho
Somem-se na curva do caminho
Num passo molengão como dois bois,
Ignorando que, findo o sonho alado
Um deles, certo, há-de acordar burlado
Um deles… ou talvez ambos os dois.

Lousa de Cima – Setembro de 1929

8 de Abril de 1928:
Subindo o Calvário

Era escabroso o Monte do Calvário
E Cristo, sob a cruz, lendo o subira
Sem um queixume, um ai involuntário
Dos muitos que na gorja desfazia

E, por entre o gritar atroz e vário
Da turba de judeus que o envolvia,
O louro nazareno, humanitário
Par a turba perdão ao Céu pedia

No calvário da vida, quando a mágoa
Sobre os teus frágeis ombros punha cruz
Não chores lágrimas, são gotas de água

A dor funesta opõe altiva calma,
Mas guarda com amor, como Jesus,
Uma ideia bondosa dentro de alma!…

Note: Estas quadras estão aqui colocadas, mas foram escritas na data em cima mencionada. O aproveitamento da folha em branco, foi a causa de estar notada aqui dois anos depois.

15 de Junho de 1930:
Letras – e que tal?

Tinha a Mariquita
Na sua boquita
Sensual
A todo o momento
O mais quezilento
“e que tal?”

Era um estribilho
Vulgar e sem brilho
Afinal!

Quando o namorado
Um beijo adorado
Lhe pedia
Fazia beicinho
E, devagarinho
Respondia:

Não, que se me tento
Dou-te mais de um cento
E que tal?

Certa tarde, depois
Do Sol já não se ver,
Foram os dois espairecer
E que tal?

Porém do bosque em meio
Ele, moço atrevido
Vermelho de desejo
Perde o receio
E sem lhe ter pedido
Rouba-lhe um beijo!

Quando toda corada
De tal tolice
Viu a formosa amada,
Foi ela quem lhe disse
Jovial:
Então e que tal?

29 de Junho de 1930:
Sol Nado

Anda no ar um beijo divinal
Que o céu mandou à terra mal despertar,
Cantam os galos na luz incerta
Passa gralhando um rancho divinal

Clareia mais… Pela janela aberta
Ao fundo a vista grava no pinhal
E alegre, aspira a brisa matinal
Que vem de flor em flor brincando esperta

Oiço as moças cantando além monte
E canta o rio, grita o melro, geme a fonte
Ao despontar o sol fulva chama

Tela de luz e graça harmonia,
Como és bonita e como tens poesia
Vista, gozada assim, da própria cama.

6 de Julho de 1930:
Incerteza

Num beijo de perdão se resumiu
Todo o mal, meu amor, que nós fizemos,
Quando um funesto acaso descobriu
Serem falsas as juras que fizemos

Ficou vazio o ninho onde floriu
A flor daquele engano em que vivemos
E nessa hora nenhum de nós sentiu,
Pena das grandes horas que tivemos!

Deixámo-nos com ira e com desdém
Mais três dias depois a mão do bem
Nos ajuntou de cara já risonha!
Hoje, que todos sabem que voltei
E quanto se passou, só eu não sei…
Qual de nós dois terá menos vergonha!…

13 de Julho de 1930:
Que Decepção!…
(Com reminiscências de Catulo)

À luz voluptuosa
Da lamparina de cristal vermelho
No caro espelho
Micas contempla ainda
Mais uma vez
O corpo juvenil, carne mimosa
Rosada e linda
Em completa nudez

Passos no gabinete
Ao lado
Mas não lhe importa
É um andar abafado
Vem morrer no tapete
Já quase ao pé da porta
Quem está olhando
Pela fechadura?
(disse mirando com mais ternura o vidro bisante.)
Pobre rapaz, coitado!
Talvez o primo Zé
Provocante e garoto
Venha pé ante pé,
Escada acima
Para ver, maroto
Deitar á prima!…

Abriu-se a porta enfim com lentidão, e nela um rosto conhecido, que decepção…
É meu marido.

27 de Julho de 1930:
Barbaridades

(Ele, da rua, ela de um quinto andar ao Eco)
Ele
Longe de ti ando triste,
No mundo nada existe
Que me alegre entre o povinho
Eco-vinho
Ela
O teu amor embriaga
E uma subtil triaga
Que bebo da tua boca
Eco-Oca
Ele
O meu sangue palpitante
Derramei num instante
Quando for preciso
Eco-Siso
Ela
Vejo-te no coração
Quando alguma decepção
Me faz chorar de mágoa
Eco-Água
Ele
A minha alma tem ventura
Quando afirmo e quando jura
Desejar-te cegamente
Eco-Mente
Ela
A tua vida decerto
Será um céu aberto
Onde o bem vive acoitado
Eco-Coitado
Ele
E assim unidos no mundo
Tu, praia, eu, mar jucundo
Sempre apanhar-te, areia:
O Eco negou-se a responder

3 de Agosto de 1930:
Pobre Amor

Sobre a graça mimosa do teu seio
Poisou o amor a fronte de mansinho
E, no perfume doce de tal ninho
Aquietou-se, sorrindo, sem receio

Então tu, com delícia e modo feio,
Fumaste ante o pasmado e meigo anjinho
Um maço de cigarros inteirinho
E levaste outro ainda mais de meio

Quando a manhã nasceu, a pouco e pouco
O subtil Deus fumava como louco
Encantado com os teus gestos bizarros!

Mas hoje, o pobre, vive num suplício!
Sente que tem corpo mais um vício
E que ninguém o quer… nem pelos cigarros

10 de Agosto de 1930:
Irreverência!

Era santa a rainha e benqueria
Ao povo a quem matava a lauta fome,
Bendiz-lhe a multidão o meigo nome,
E aumenta junto ao Paço dia a dia

Em vão el-rei protesta e se consome
Vendo que dentro em pouco não teria
Quem plantasse pinheiros em Leiria
Tão sem trabalho o povo à farta come1

Ira-se o lavrador, mas cortesão,
Quando a Rainha pede que lhe valha,
Dá-lhe Abrantes sorrindo folgazão

Agora podereis dar à canalha
Em vez de um triste naco de mau pão
Uma forte ração de boa palha!

24 de Agosto de 1930:
Jardim Sem Flores

Anda quase todo o dia
Que mania!
Em volta das suas rosas,
E por mais que as trate e regue
Não consegue
Ter rosas frescas e mimosas

Pois quando cheia de graça
Ela passa
Naquele andar tão ligeiro,
Elas perdem o perfume
Com o ciúme
Murcham no próprio canteiro!

Olhando então as pobres flores
Tão sem cores,
Pensando em praga ruim,
E com rosas e com mágoas
Deita-lhe água
E dá cabo do jardim.

31 de Agosto de 1930:
Conselho ao Poeta Cadete

No seu caso, ó Cadete, eu escrevia
É claro, em prosa simples, sem cantiga,
O amor é mau, e pode a rapariga
Não gostar dos versitos que lhe escrevia…

E ao francês do Testuf eu cá fazia
Com a mão esquerda uma tremenda figa!
Bem vê, quem um gentil amor persiga
Não se perde em lições de anatomia!

Vamos, escreva já, em bom papel,
Aquelas frases doces como o mel
Que se dizem a todas as mulheres,

Que dentro em pouco há-de causar inveja,
A toda a gente que risonha o veja:
Cadete e já fazendo… pés de alferes!

7 de Setembro de 1930:
Versos Não!

Uns versos quer
Só uns versitos
Para cantar?
Não sei fazer
Versos bonitos
Para lhe dar!…

Que graça tinha
Estar cantando
Coisas sem graça?
Olhe, santinha
Vá, vá bordando
Que o tempo passa!

Versos… enfim…
Versos sem jeito
Não queira, não?
De bom em mim
Tenho no peito
O coração!…

Se lhe convém
Posso lho dar nesta ocasião!
Versos, meu bem,
Para cantar
Isso é que não!

21 de Setembro de 1930:
Mar de Amor

Mar de ventura
Ingénua e pura
Onde o beijo
Linda sereia
Nos ostenteia
O desejo?
É tão profundo
Que não tem fundo
Este mar
E quem lá cai
Nunca mais sai
Sem deixar
As ilusões
Que os vagalhões
Uma a uma
Irão mostrando
E transformando
Em espuma!

28 de Setembro de 1930:
Cantigas

Canta, canta ó rapariga,
Vai cantando o dia todo
A vida é uma cantiga
Cada um canta a seu modo!

Pedi-te um beijo há instantes,
Bem desejando um milhão
Li no teu olhar: dois antes!
Disse a boca: isso não.

Um filho não faz morrer
A beleza dos teus traços
É sempre linda a mulher
Com um filho nos braços.

Chamam-me brava na fonte,
Brava?… mas isso que tem?
Há rosas bravas no monte
São bravas mas cheiram bem!

Viver de amor!…Sonho louco.
De quem não tem mais cadilhos!…
Quem vive de amor, em pouco
Enche um casarão de filhos.

5 de Outubro de 1930:
Conselho

Ó minha bela vizinha,
Já por aí diz o povo:
Quando ela sai pela tardinha
Sai sempre de fato novo.

Se deseja casar cedo
Não use tanto vestido
Olhe que os moços têm medo
E não acolhe marido

Ao verem passar na praça
Fruto tão lindo e tão moço!
Todos lhe querem a graça
Mas receiam o caroço…

Deixe essa voz esquisita
Com que timbra o seu falar
Quando é assim tão bonita
Não fala a choramingar.

E quando for à Igreja
Poisada a vista no chão
Peça o noivo que deseja
Aos Santos que lá estão.

Verá breve e bem de pronto
Que, sem muito se ralar
Logo lhe aparece um tonto
Desejoso de se casar.

12 de Outubro de 1930:
Duro Engano

Pus-me a olhar as estrelas
Ao ver qual seria a minha,
E ao abaixar a vista, delas,
Dei contigo, moreninha!

Dei contigo moreninha
(como às vezes a gente erra)
e julguei-te uma estrelinha
que do céu abaixasse à terra!

Depois, quando à luz da vela
Te mirei, mesmo de esguelha,
Notei que tu, linda estrela,
Não passavas de uma velha!

Uma velha toda tolice
Com prosápias a donzela,
Que se sorriu quando lhe disse
Ser ingrata a minha estrela!

Ai se isto assim continua
E outra tontice me ataca,
Julgando abraçar a lua
Ainda abraço alguma vaca!

19 de Outubro de 1930:
O Beijo da tua Boca

Tua boca sorridente
De lábio tão pintadinhos,
Dá vontade a muita gente
De comê-la com beijinhos!

É uma boca bem feita
Um verdadeiro primor,
Onde bailando se enfeita
O teu beijo encantador.

Esse beijo sempre novo
Que tem encantos à farta,
E me traz por entre o povo
Selado como uma carta

Mas da tua boca rara
Já não quero mais beijinhos
Porque me sujam a cara
E pintam os colarinhos…

Cada dia que se passa,
Com bastante mágoa vejo
Que toda a minha desgraça
Se desprende do teu beijo1

Esse beijo, singeleza
Tecido à luz da paixão
Que me leva uma riqueza
Em bocados de sabão…

26 de Outubro de 1930:
Sol de Abril

Julgando a terra dormindo
Surge o sol a pouco e pouco
E diz a terra sorrindo
Dorminhoco,
Há tanto que espero os teus beijos!
E mansinho o sol exclama:
terra em flor,
Espera bem quem ama,
Quem bem com o seu amor!

E branda, branda fulgindo,
A luz do sol vai caindo,
Dando à terra um véu doirado,
Eterno véu de noivado
Tão lindo!
Que a terra estremece em gozo
E murmura ao recebê-lo
Sol amigo, meu esposo,
Como és belo!

A vida que o sol encerra
Bebe-a na luz a boa terra,
E fá-la surgir em rosas,
Rosas bravas, multicores,
Filhas predilectas, mimosas
Dos seus amores…

Desde o sol do infinito
A dar vida à terra fria,
Bendito seja, bendito
O sol de Deus, luz do dia.

2 de Novembro de 1930:
Fingida Santa

Tens tanta bondade, tanta
Que deslumbras toda a gente
Tua mãe chama-te santa
E teu pai não desmente

Não ris, não brincas, não cantas,
Não largas esse ar untuoso
Esquecida que há santas
Todas de pau carunchoso!

Tão pudicos são teus modos,
Tão do céu o teu olhar,
Que os rapazes ficam doidos
Ficam todos a rezar!

A rezar baixo, na rua
No meio da multidão
Quem, me dera toda nua
Com tamanha santidão.

E tu que és santa, coitada
Mas não pura como os lírios,
Voltas para casa estafada
E cheiinha de martírios1

Tua mãe chama-te santa
E teu pai fica babado
Porque não sabem que tanta
Tanta vez tem pecado!…

9 de Novembro de 1930:
[Nota explicativa: sobre a “Questão do Souto”, ver as páginas 31 a 35.]
O Remédio
(Eles dizem Pró Sardoal, mas nós dizemos viva a Abrantes!… De um do Soito)

Nesta questão sem trambelho
Do meu concelho
Também me afoito
A meter hoje o bedelho
Mas pelos do Soito

Ó, bons amigos
Da linda terra lagarta,
Estais longe da razão!
Vê-de que sois uns mendigos
Ao pé de Abrantes tão farta
Em vinho e pão

Aos do Soito, povo esperto
O que lhe dais?
Só relaxes mais perto?
Menos passadas
São tristes nadas
Com tua mão os conquistais!

Quereis do Soito, o povinho
Todo inteirinho?
Sede mais finos!
E, sem baralha
Dando ao Soito o que ele almeja
Fazei como os abrantinos!
Comei-lhe a cereja
E fartai-os bem de palha!

16 de Novembro de 1930:
História de Olhares!…

Buscam os meus olhos os teus
Mendigando uma esperança,
Logo um teu olhar descansa
No mais terno olhar dos meus,
E frio, de neve, impossível,
Diz com desdém:
Impossível

Sempre um não a toda a hora
Nesse olhar aveludado!
O meu olhar magoado,
Ao ver-se o teu embora,
Responde por entre o fel,
Que o pranto tem
És cruel!

Mas do teu olhar brilhante
Há-de fugir essa luz,
E quando aos pés de Jesus
Implorares um amante,
Dirá seu olhar de mel:
Impossível, és cruel…

23 de Novembro de 1930:
O Vento

Chora o vento de mansinho
Cansado de tanto andar,
Vem de longe e vai sozinho
Vai sozinho a soluçar.
O vento não tem na terra
Quem lhe prenda a liberdade,
O seu uivo não encerra
Não encerra uma saudade

As flores abrem-se e doidas
Dão-lhe beijos de perfume,
Mas o vento beija-as todas
Beija-as todas sem ciúme…

Por que o vento traz consigo
O veneno de uma quimera,
Busca um sonho inimigo
Que lhe foge, não o espera.

30 de Novembro de 1930:
Última Carta

Micas, não tens razão nenhuma! Acalma
O mau humor que te perturba assim!
Porque o tempo virá em que mais acalma
Hás-de sentir renascer dentro da alma
Um grande amor por mim!

Que tal te fiz? Amar-te? O amor redime
E torna em santa a gente mais mesquinha!
Que mal te fiz? É por ventura ciúme
Dar-te, com um prazer que não se exprime,
Um livro de cozinha?

As cem maneiras de fazer frituras
E mais outros pitéus de bacalhau,
Se não é prenda para dar venturas,
Para ti, que de cozinha nada curas,
Não era muito mau!

Devolvendo-me a dádiva do mano,
Não podemos agora os dois casar!
Porque eu, meu bem, não gosto de piano,
E tu, com tal idade, com tanto ano,
Não sabes cozinhar!…

Acabe embora as tuas mãos assim
O róseo sonho da ventura minha,
Porque o tempo virá que mais calma
Hás-de sentir nascer no fundo da alma
Um grande amor por mim.

E uma grande paixão pela cozinha!

7 de Dezembro de 1930:
Sonetos

Ainda bem, seu Pinto, que um Messias
Correu depressa a dar-lhe a salvação,
De contrário seu pobre coração
Gelava com as manhãs assim tão frias!

Sem guarida, coitado, ás ventanias,
Á cruel chuva, ao bárbaro nevão
Não chegava de certo ao bom verão,
Ao amigo verão das calmarias.

Já bate certo, já não anda agora
Feito um reles mendigo cá fora,
A procurar na vida um rico amanho!

Não deixe nunca mais tão doce abrigo,
Sustenha-se nas curvas, meu amigo,
Que suster bem… é que está o ganho!

14 de Dezembro de 1930:
Pior Emenda

Era Tinoco
Um dorminhoco
Mas a noite chegava
Já feito nono
Morto de sono
Qualquer o encontrava
Ora um em que visitas tinha
E a esposa mais meiguinha
Meu Tinoco
Dorminhoco
Hoje é preciso,
Ter mais juízo,
Vem a Emília
E mais família
Depois da ceia
E o meu marido
Não cabeceia…
Prometido?
E o marido
Atendendo ó pedido num momento,
Risonho, prometeu estar atento
Durante a noite inteira e mais ainda,
Para agradar á meiga esposa linda
Mas Tinoco
Dorminhoco
Faltou ao prometido com um cão!
E a meio da sezão
Deixou-se adormecer!
Quando a esposa o viu assim pender
Teve uma ideia boa:
Mandando vir o chá pôs-se a servi-lo,
E sem alguém ver,
Pondo-lhe a chávena junto ao ouvido
Do alto solta o chá com tal ruído
Que o pobre adormecido
Acorda estremunhado ouvindo aquilo,
E, sem saber o que tão alto soa,
Pergunta em voz metade adormecida:
Tu já estás a levantar, querida?

21 de Dezembro de 1930:
Melancolia

Inverno triste
De lança em riste
Sai,
E a natureza
Perde a beleza
Ai!
Que tudo passa
Dor e chalaça
Sei.
E que já perto
Coval aberto
Hei,
No vidro fora
Tão negra rua
Ih!…
A voz da morte
No vento Norte
Dói,
Dando a foiçada
Grita a dourada
Oh
Vem a meu tino
Que já menino
Fui
E me arrepio
A tumba Fria
Riu

28 de Dezembro de 1930:
Natal

Natal! Natal!…
Nos diz o sino
Em voz sonora
Natal! Natal!
O Deus menino
Nasceu agora.

Repercutindo
Alegremente
Parece rindo
Num rir contente.
Natal! Natal!…
Jesus nasceu
Nasceu o amor.
Natal! Natal!…
Chegou do céu
O Redentor

A paz perpassa
Pelo ar sereno
Cheio de graça
Do Nazareno.

Natal! Natal!…
Torna a chamar
Na torre o sino
Natal! Natal!…
Vinde beijar
O pequenino.

Lindo nevão
Envolve a serra
Paz e perdão
Em toda a terra1…

Natal! Natal!…
Ò noite santa,
Noite de luz!
O sino canta
Nasceu Jesus

4 de Janeiro de 1931:
O Dia…

Noutro tempo, noutra era
A serra florida
A doce primavera
Estando perdida
Pela Imensidão

A mulher vivia ainda
Na paz infinita
Dos céus,
E era o anjo mais traquinas
Lá das campinas
De Deus

Mas certo dia de enguiço
Foram tais as caramunhas
E o reboliço
Que a mulher escorregando
Foi pelo céu rebolando
E caiu por não ter unhas!…

De presente o demo imundo
A mandou ao Padre eterno,
Mas ela caiu no mundo
E fez cair outro inferno!…

E desde então
Pela azul imensidão
Sem principio e sem cabo,
A terra, sempre girando,
Ás costas vai levando,
O mais gentil diabo!..

11 de Janeiro de 1931:
Carta à Prima…

Priminha, como vês, nunca te esqueço!
E do borralho amigo
Onde triste me esqueço
Te envio novas minhas,
Apenas duas linhas,
Enquanto a alma bate no postigo…
Vou dar-te uma notícia, alegre e boa,
Mas, prima, não o digas
Que pode haver intrigas
E o caso é sério se a intriga voa
De língua em língua!
Lá vai a novidade.

Fundou-se na terra um sindicato,
Espécie de irmandade
Aonde o lavrador por umas coroas
Pode ir comprar mais barato
Adubos, grão, pevide e podoas.
Como era questão
De força e de união,
Lá me nomearam sócio fundador
E vou entrar Priminha, de seguida
Na bela vida
De lavrador!
Não tenho campos meus
E julgarás decerto a nova falsa
Prima, os campos serão os vasos teus
E as minhas sementeiras só de salsa!

Ainda não comprei
No sindicato bom
A semente precisa e desejada
Porque não sei
Se comprar uma carrada,
Se um vagon…
Mas te prometo já que a salsa és tu
Há-de causar inveja em toda a rua

Sardoal, Dezembro

18 de Janeiro de 1931:
Carta à Prima

Prima, a viagem foi serena e boa
Desde a terra lagarta
Até Lisboa
Donde agora respondo em breve carta
Ao teu postal
Original
Achas estranho e faz-te confusão
Que o Santo Padre se metesse agora,
Com tão pouca razão,
Nos negócios de quem namora,
E ris ainda
Priminha linda
Do número de letras que gastou…
Com um assunto para o qual um “sim”
Sempre bastou

Não rias que não tens razão nenhuma
Dezasseis mil palavras em latim,
Ou mesmo mais alguma,
Para tratar do Santo Sacramento
São quase nada! Pois se eu já gastei
Com uma rapariga muito gentil
Mais de quarenta mil
E ainda não casei!…

Com uma só penada o santo artista
Acaba com a esposa bolchevista,
E a mulher surge então
Jogando em vez de golf e foot-bal
Jogos do sol,
Á bisca, o dominó, o triste loto
E talvez mesmo o rapa,
Sob o olhar maroto
E magalhão
Do marido contente com o Papa!

Depois o Papa na famosa encíclica
Ao mundo explica
Num latim saboroso, doce e terno,
Os motivos da obras.
Permitir de futuro a qualquer genro
O pôr açamo à sogra…

Já vês Priminha, que teu mago riso
É de quem pensa mal e sem juízo

25 de Janeiro de 1931:
Carta à Prima

Priminha, meta a mão na consciência
E confesse que foi bastante má!
Eu não mereço a falta de paciência
E o modo impertinente,
Com que me escreve há tempos para cá

Cinco palavras num curvo igual,
Menos ainda que das outras vezes,
Onde afirmou estar um pouco mal,
Triste, quase doente,
Porque à barra chegaram os ingleses!
Ora a Priminha mente!

Eu bem sei que não gosta mesmo nada
Da friorenta e humilde Inglaterra.
Mas diga lá então:
Se ela deixa de ser nossa aliada
Quem beberá o vinho cá da terra
O nosso carrascão?

Não se desculpe prima, assim tão mal,
Nem quebre lanças contra a Grã-Bretanha,
A aliada eterna
De Portugal
Embora alguém lhe dê razão e a tenha,
Nunca os ingleses deixarão a gente
Enquanto cá houver uma taberna…
Mesmo indecente

Mas a Priminha mente,
Isso não é bonito em portugueses,
Pois como viu agora
Chegar aos bons ingleses
Se se foram há dias embora?

Ó Prima, assim formosa
Não seja mentirosa

1 de Fevereiro de 1931:
Cartas à Prima – IV

Prima, bem sabes que ninguém é santo,
E se eu não fosse há muito um bom rapaz,
Um verdadeiro encanto,
Devolvia-te a carta para a terra,
E depois sem quaisquer combinações,
Só por ver se então me obrigavas
A dar-te novamente a Santa Paz
Por intermédio
Da bela Sociedade das Nações
É o davas!…

Eu mando em mim, e tu não tens assento
No pomposo salão da sociedade!
O teu requerimento,
Depois de três sessões cheias de manha,
Ia cair no cesto dos papéis
Ao lado dos pedidos da Alemanha
A desejar impor as suas leis

Não conheces ainda a Associação
Onde Briand, um homem que não erra,
Lei num velho latim sem viciação
O testamento da futura guerra!
Foi ele quem a matou dentro do ovo,
Para bem da velha Europa, e todo o povo,
Na sala de jantar da Sociedade
Transformada em salão de discussões
De certa gravidade!

E naquele salão magnificente
Que os pobres velhos fazem as sessões,
Para que todos vejam claramente
Que há falta de comer
Se comem uns aos outros bravamente!…
Estás a perceber?
Se ainda queres mais explicações
Recorre à Sociedade das Nações

8 de Fevereiro de 1931:
Cartas à Prima

Priminha, desta vez senti orgulho
Ao ler o teu postalinho folgazão
Senti mesmo vaidade,
E aqui te afirmo, prima, sem cinismo
E sem engulho
Que tens muita razão
E sobretudo, um belo patriotismo
Para a tua idade!

Contra Balbo te insurges tesamente
Acusando-o da falta de memória,
Aquilo, Prima, foi um acidente,
Balbo conhece bem da nossa gente
A sublimada glória!…

Ao chegar ao Brasil quis deslumbrar,
Quis mostrar a tesura de um fascista
A uma escassa dúzia de “mirones”
Que o aguardavam na vazia pista,
E sem pensar então no resultado,
O vaidoso ministro entusiasmado
Fez “looping-de-loop” lá no ar,
E se calhar
Subiram á cabeça “macarrónicos”
Da ceia ou do jantar…
O mal há-de passar-lhe com certeza,
Como passam os fumos do bom vinho,
E mais tarde, ao lembrar-se da proeza,
Recordará que a gente portuguesa,
Largando certo dia do seu cantinho
Para visitar o povo amigo e mano,
Fez o mesmo caminho
Só com um pequenino aeroplano!…

E então, Priminha, embora tarde,
Relendo o seu discurso,
Balbo verá com tamanho alarde
Só fez figura de urso!

Digamos-lhe de cá na língua sua
“Bela vinha, pouca uva”!

15 de Fevereiro de 1931:
Cartas à Prima

Pede a Priminha
Ao primo amigo
E já ventrudo
Uma adivinha
Para o entrudo

Que coisa é ela
Priminha bela
Que dentro de nós
Nasce pela certa
Caladamente
Grosseiramente
Em voz alta
Quando se aperta
Ou desaperta
Da calça o cós

Sim que será
A coisa horrenda
Que não tendo venda
Mas que se dá
Em qualquer lado,
Então eu digo-lhe
Baixo, porém,
Não vá alguém
Chamar-lhe um figo!

Em qualquer parte
Com mais cuidado
Ou menos arte,
Sempre nos dando
Alívio brando
Um certo gosto?

Não tape o rosto
Nem o seu dente
A tentação
Mostre maroto
Se a Priminha
Não adivinha
Então não tente
A solução
É um arroto!

22 de Fevereiro de 1931:
Cartas à Prima

Priminha, a tua carta costumada
E tão triste e banal
Que, mesmo perfumada,
Dá breve impressão a toda a gente
Que ficaste doente
Depois do Carnaval!

Também eu fiquei triste e arreliado
Sofrendo o mesmo mal!
Andei três dias em folia doida
Bailei, cantei, gastei a graça toda,
E agora que findou o feriado,
Para minha desgraça,
Vejo que continua o Carnaval
E já não tem graça!

Cinzas… quaresma… tudo se confessa!
E o carnaval, mais forte, recomeça!
Ei-lo de novo rindo
Como velho jornal de profissão,
Endiabrados e louco:

E a Prima que passa e vai sorrindo
Em procura de um padre vesgo e louco
Um cura em cuidados…
A quem possa fazer a confissão
Dos seus pecados!

Continua a chalaça
A ressurgir igual a toda a hora
A vida negra e pérfida que passa!
Mas o pior agora
Não é o Carnaval, reinar ainda
Por esse mundo à farta,
O pior, Prima linda,
É ter de escrever mais uma carta
E por desgraça!

E a prova não minto vez nenhuma
Á minha boa prima,
Embora muita gente as provas negue,
Está nisto que rima
Mas que não tem graça… nem ponta alguma
Por onde se lhe pegue…

1 de Março de 1931:
A Boca Linda

É uma boca linda e bem-talhada
Com um vivo vermelho de romã,
Jamais encontrei boca tão irmã
A boca sorridente de uma fada.

Tem a frescura de uma madrugada
Quando nela a risada vibra sã,
E a graça juvenil, doce, louçã,
Quando ironicamente está calada.

Se Vénus visse a boca que me beija
Corava certamente com inveja
De não ter no sorriso tanto enleio

Amas-me muito? – e diz a boca linda:
Apaixonadamente… e mais ainda!…
E eu sou feliz então, porque… não creio!

O médico Bernardo Pereira

Foi médico do Partido Municipal desta Vila do Sardoal, na primeira metade do século XVIII.

Era natural de Miranda, onde nasceu a 11 de Dezembro de 1681. Faleceu em 1759. Era filho do Médico-Naval Manuel Lopes Pereira e de Antónia de Oliveira. Seguiu as pisadas do pai e recebeu o grau de bacharel em Medicina na Universidade de Coimbra a 20 de Maio de 1709. Mais tarde, em 27 de Junho de 1739, tornou-se doutor em Direito Civil pela mesma Universidade. Aparece referido na Biblioteca Lusitana, onde se diz que “é Médico na Vila de Sardoal, onde a sua ciência triunfa das enfermidades mais rebeldes, sendo versado em todo o género de erudição.”

Escreveu:

  • Pratica de barbeiros phlebotomanos: ou sangradores reformada, Coimbra, 1719
  • Discurso apologetico que em defensa dos prodigios da natureza vistos pela experiência, & qualificados por força de hum sucesso para conhecimento de muytos efeytos, & occultas qualidades, Coimbra, 1719 [Biblioteca Nacional]
  • Anacephaleosis medico-theologica magica, juridica, moral, e politica na qual em recopiladas dissertações : divizões se mostra a infalivel certeza de haver qualidades maleficas, se apontão os sinais por onde possão conhecerse, Coimbra, 1734. [Cópia integral na Biblioteca Nacional Digital]

Escreveu ainda vários manuscritos sobre medicina que aparecem referidos na dita Biblioteca Lusitana.

Dinamização do MFA no Sardoal – 1974

Via lembrança do Atrium – Boletim Cultural, n.º 8 de Abril/87.

No final de 1974, o Movimento das Forças Armadas fez deslocar ao Sardoal uma companhia de instrução de Comandos, para uma acção de dinamização cultural que durou 2 dias. Na reportagem do acontecimento diz-se, entre outras coisas, que o povo do Sardoal é formado por “pessoas simples” que são, “na sua maioria, gente despolitizada”. A respeito do contexto sardoalense em 1974, recomendamos os últimos parágrafos destas memórias pessoais de Abril e outros ecos sardoalenses da época.

Aqui transcrevemos a reportagem publicada pelo “Jornal do Exército”, n.º 181 de Janeiro de 1975.

Reportagem do Jornal do Exército

União Povo – Forças Armadas
O Batalhão de Comandos n.º 11 em Campanha de Instrução e Dinamização Cultural

O Batalhão de Comandos n.º 11, aquartelado na Amadora, fez deslocar uma companhia de instrução para a zona do Concelho de Sardoal, perto de Abrantes, dando cumprimento prático a um dos prioritários objectivos do M.F.A.: a união POVO-FORÇAS ARMADAS.
Dois dias em contacto permanente com a população da vila de Sardoal chegaram para que esta primeira experiência do Batalhão de Comandos tivesse resultados altamente positivos, deixando perspectivas optimistas para a continuação da iniciativa da campanha de Dinamização preconizada pelo M.F.A.
O Povo do Sardoal, formado, na sua maioria, por gente despolitizada – característica dominante dos meios rurais e resultante de uma das principais armas do anterior regime: o fomento da ignorância popular – bem cedo deixou transparecer o seu contentamento pela presença das Forças Armadas.
No primeiro dia, de manhã, decorreu no Cine-Teatro da Misericórdia uma sessão de convívio e de esclarecimento com a juventude escolar.
O Capitão MATOS GOMES, encarregado das actividade culturais, começou por fazer uma breve crítica ao antigo regime, explicando a necessidade do 25 de Abril e divulgando, em seguida, os principais objectivos do programa do Movimento das Forças Armadas, detendo-se, mais pormenorizadamente, no processo de democratização em curso, na descolonização, no saneamento, na política antimonopolista e na reconquista das liberdades.
A sessão decorreu com grande entusiasmo, tendo surgido dezenas de perguntas por parte dos jovens assistentes, que colaboraram, inteiramente, com as Forças Armadas.
À tarde, houve uma reunião com a população, no mesmo local, para esclarecimento de aspectos sanitários, nomeadamente higiene, alimentação e assistência materno-infantil, dirigida pelos médicos da Unidade, Aspirantes CORREIA e PARREIRA.
Será também de assinalar, que os dois médicos, durante os dois dias em que estiveram no hospital da Misericórdia, assistiram em consulta gratuita mais de meia centena de doentes por dia.
Pelas 19.30, encheu-se mais uma vez o Cine-Teatro da Misericórdia, na sessão de esclarecimento político-cultural sobre o Movimento do 25 de Abril e suas consequências.
Falaram o Major MORAIS, Comandante do destacamento do Batalhão de Comandos N.º 11 em instrução, e o Capitão MATOS GOMES que, depois, responderam às perguntas efectuadas por elementos da população, que se mostraram vivamente interessados em conhecer de viva voz a situação do país em que vivem e as intenções e objectivos do M.F.A.. Ouviram-se perguntas simples em palavras simples. Era o povo que perguntava. Era o povo que desejava esclarecimentos. Era o povo que afirmava, em cada pergunta, a sua vontade de participar na vida da Nação.
Sardoal parecia ter acordado de um longo sono. De todos os inquéritos que recolhemos, junto da população, evidenciou-se a unanimidade dos benefícios desta iniciativa do Batalhão de Comandos n.º 11. Discutia-se nos cafés, nas casas, no trabalho, e o povo reparou na mentira da restrição da política.
No dia seguinte, manhã, bem cedo, os elementos da Companhia de Comandos auxiliaram os pequenos proprietários rurais na apanha da azeitona e outros trabalhos de interesse para uma população envelhecida pela emigração.
– Já nem falamos no pagamento de 180$00 diários, porque o grande problema é que não há quem trabalhe. – Palavras de um homem, que aproveita as férias no seu emprego, em Lisboa, para vir ajudar os pais.
Portanto, foi com alegria bem justificada que os pequenos agricultores de Sardoal viram parte dos seus problemas resolvidos pela ajuda de elementos do Exército.
À tarde, houve um jogo de futebol, no campo da vila. As equipas de Sardoal e dos Comandos jogaram. Uma bola, vinte e dois homens, um árbitro arranjado à pressa e, sobretudo, convívio, alegria, confraternização.
O Batalhão de Comandos n.º 11, despediu-se, à noite, do Povo do Sardoal, com um sarau recreativo no Cine-Teatro, em que participaram elementos do Exército e do povo da vila, numa sala superlotada.
No fim, o Major MORAIS despediu-se em nome do Batalhão, tendo afirmado, a dada altura, que, pela primeira vez, na sua vida militar, tinha sentido profundamente a união do Exército com o povo. Um povo que fez demorar, depois, longos aplausos de agradecimento e que também, pela voz de gente simples, nos afirmou que estes dois dias ficaram na história boa da sua vila e que não serão esquecidos tão cedo.

Ora, graças ao Arquivo Histórico Militar e à disponibilização do catálogo fotográfico do exército, está agora publicamente acessível a reportagem fotográfica completa desses dois dias no Sardoal e Santa Margarida. O conjunto completo de 160 fotografias pode ser consultado directamente no arquivo, através deste link. Deixamos também aqui uma pequena selecção dessas fotos.

No Largo do Hospital e do Cine-Teatro
Praça da República
“As equipas de Sardoal e dos Comandos jogaram no campo da vila”
Contacto com a população
Sessão de convívio e esclarecimento no Cine-Teatro Gil Vicente
Junto ao Pelourinho
“Elementos da Companhia de Comandos auxiliaram os pequenos proprietários rurais na apanha da azeitona”

Memórias de Abril (escritas 30 anos depois)

(GRITO “NÃO!” À REVOLUÇÃO DE FLORES DE RETÓRICA)

Revolução das flores?
Sim.
Mas não apenas para disfarçarem com bandeiras de cravos
O pólen das Áfricas dos nossos lutos.
Queremos flores
Que já tragam no ventre
O sabor dos frutos
José Gomes Ferreira – Poesia VI

É preciso que passe algum tempo para escrever a História. Trinta anos podem não ser suficientes…

A análise fria só acontece quando nos libertamos da ganga das paixões, dos tumultos ideológicos, dos entusiasmos políticos que, infalivelmente, acompanham os grandes momentos de viragem histórica.

Sem dúvida que a Revolução de 25 de Abril de 1974 foi o ponto de partida de um processo de transformação social cuja dinâmica foi a tal ponto afectada por múltiplos factores endógenos e exógenos que não é possível, ainda hoje, definir com segurança uma linha de orientação predominante, um ramo que se sobreponha aos demais, um eixo em torno do qual se juntem as forças sociais capazes de hegemonizar em pluralismo político, um projecto de mudança real da sociedade portuguesa.

Pertenço à última geração de combatentes na Guerra Colonial, aquela que ainda combateu nas matas de África, participando depois no processo de Descolonização, convivendo no dia-a-dia com os guerrilheiros dos Movimentos de Libertação, com quem semanas e meses antes tinha combatido duramente no terreno.

Em 25 de Abril de 1974 encontrava-me em Angola, a cumprir o serviço militar. A 23 de Abril tinha saído para o Norte, para uma operação militar que só terminou no dia 3 de Maio, data em que regressei a Luanda com o grupo de tropas especiais que comandava. Só então tomei conhecimento dos acontecimentos entretanto verificados em Lisboa.

Emocionalmente, direi que tudo aquilo me pareceu um sonho! Um ano antes, quando saíra de Lisboa para Angola, o regime não dava sinais de mudança, antes pelo contrário. Apesar de alguma esperança que os dois primeiros anos do Governo de Marcelo Caetano tinham criado…

Vivi em Lisboa entre 1969 e 1973, como estudante universitário e, para mim, Fascismo, PIDE, Censura, Repressão, não eram palavras abstractas. A maioria dos estudantes universitários conheciam-nas bem e sentiram-nas na pele.

Com que sonhei então? Com um país livre, onde não existissem perseguidos só por ousarem defender ideias diferentes das dos donos do Poder. Com um País onde a justiça social e a igualdade fossem um facto e não apenas um mito. Com um País aceite na comunidade das nações como um dos seus, de corpo inteiro e não apenas tolerado como mais um.

Curiosamente o 25 de Abril trouxe uma mudança de vocabulário que aconteceu tão naturalmente que foi imperceptível para muitos.

De um salto, passou-se dos quotidianos estereótipos de ontem, para novos lugares comuns de ressonância épica: a 24 de Abril era a “Portugalidade, a Metrópole e o Ultramar, «Angola é nossa!», o comunismo internacional, os valores da civilização ocidental e cristã, os nossos bravos rapazes, a guerra que nos é movida, algumas acções de flagelação, os bandoleiros armados, os terroristas, «os turras», certos díscolos a soldo de Moscovo, Portugal Uno e Indivisível, etc.”.

A 26 de Abril já era diferente: “As Colónias, os Movimentos de Libertação, o Internacionalismo Proletário, a Guerra Colonial, o Imperialismo Ianque, a Resistência, o Fascismo, a Revolução, a Reforma Agrária, etc.”

Todo este belo palavreado mareou, assentou, recolheu aos sítios. Sabe-se porquê! Instalou-se o pântano das «implementações», dos «pontuais», das «listagens», das «condições para», da «vontade política», da «coragem política», das «opções estratégicas», das «três ordens de razões», das «razões de Estado». E os políticos propriamente ditos, por onde andavam? Andavam todos a verberar o «Fascismo», a reclamar a «sociedade sem classes», a demandar uma via para o socialismo.

Capitalismo? Que era dele? Revolução? Pois claro! Reforma Agrária? Com certeza! O Chile? Pfff!… A CIA? Que maçada! E tranquilamente, aguardavam vez…

A Descolonização era um dos pontos chave do programa do MFA e, como tal, foi apresentado ao País na sequência do triunfante golpe de Estado que derrubou a mais velha ditadura da Europa, neste século. Mas a Descolonização Portuguesa chegava com, pelo menos, 20 anos de atraso, agravada com as sequelas de uma guerra colonial com mais de 13 anos. E ia desenrolar-se no quadro de uma mutação político-social sem precedentes no próprio país colonizador.

Perante este fenómeno irreversível que desde o final da Segunda Guerra Mundial agitava os povos colonizados, o fascismo salazarista não soubera encontrar outra resposta, senão a recusa de qualquer solução negociada e a força das armas, estando fora de causa uma alternativa de estilo neocolonial, não só porque estávamos em 1974, mas porque Portugal não tinha poder militar, dimensão económica, nem apoio externo, para tentar uma solução desse tipo – a única saída era, na realidade, a da descolonização. Mas que descolonização? A que se fez e que, para além de provocar a fuga e o regresso de mais de meio milhão de portugueses a Portugal, deixou atrás de si a desolação e morte e duas sangrentas guerras civis, que ameaçaram envolver grande parte do Continente Africano?

Certamente que não! A questão que se põe é a de saber se poderia ter sido de outra forma.

A descolonização portuguesa está cheia de erros. Mas, antes deles, havia equívocos e, com eles, os dados da questão foram, desde o início, viciados.

Portugal negociou na posição de vencido e não na de país colonizador, como a maioria dos seus predecessores – a devolução da sua soberania e poderes e nunca esteve em condições de impor (ainda que o quisesse e pretendeu-o de facto em certa fase do processo) soluções muito diferentes das que foram encontradas. Descolonizar é fazer o contrário de colonizar. Com todas as consequências: a entrega da soberania é apenas um aspecto, e nem sequer o mais importante.

Portugal foi, de certo modo, um colonizador original: um intermediário que saiu das colónias de mãos vazias.

Esta análise pessoal da descolonização é, um pouco, a consequência de ter a ter vivido por dentro. Em 30 de Junho de 1974 saí de Angola para Moçambique e apenas terminei e comissão de serviço (como se chamava) em 3 de Abrl de 1975, data em que regressei a Lisboa.

Se me perguntarem se o 25 de Abril trouxe transformações à minha vida direi que é evidente que uma revolução que originou uma viragem radical no sistema político e social, teve que trazer transformações profundas à vida de qualquer pessoa. Para quem viveu por dentro, como já referi, o problema da repressão, para quem, como eu, teve problemas com a Polícia Política (vulgo PIDE), por me ter recusado a ser informador dos movimentos dos meus colegas de Faculdade, o que em 1971 era pago com a choruda quantia de 4.000$00 (eu tinha uma bolsa de estudo de 1.200$00), viver em Liberdade é uma grande transformação.

Eu compreendo que o que acabo de referir tenha pouco ou nenhum significado para quem hoje tenha menos de 45 anos, que à data do 25 de Abril, tinha menos de 15 anos. Só aprecia, verdadeiramente, a Liberdade, quem já esteve privado dela.

Às vezes interrogo-me sobre qual teria sido o rumo da minha vida se não tivesse acontecido a Revolução de 25 de Abril de 1974. Não consigo encontrar respostas, mas recordo que pouco tempo antes de ir para a tropa tinha sido convidado, por uma grande multinacional do campo da electrónica, para ir trabalhar para a Holanda. Não fui autorizado a sair do País e tencionava, se regressasse do Ultramar e se o convite se mantivesse, aceitá-lo. Seria, depois, mais um entre os emigrantes portugueses.

Em 1974 Portugal era um país isolado na cena internacional. Mantinha relações de privilégio com a Espanha de Franco e, de certa forma com o Brasil, com o qual mantinha um estatuto especial, através de uma pseudo Comunidade Luso-Brasileira. Mantinha uma relação estranha com os Estados Unidos, assente em bases de profunda hipocrisia, especialmente por parte dos americanos. Nos grandes areópagos internacionais Portugal era uma voz isolada e atacada.

É evidente que a instauração de um regime democrático em Portugal trouxe para o País uma aceitação internacional. Este processo de reintegração na comunidade das nações culminou em Janeiro de 1986, com a entrada de Portugal na então designada C.E.E., que abriu, sem dúvida, grandes perspectivas de desenvolvimento.

Quando, em 1975, se fechou o Ciclo do Império, alguns “Velhos do Restelo” acenaram com o fantasma da extinção do País e com a sua absorção pela Espanha. Hoje, sem que entenda a União Europeia como a solução para todos os problemas, abriu-se um novo ciclo na história do País – o Ciclo da Europa. Os Portugueses não conseguem viver fechados nesta “Ocidental Praia Lusitana”, como lhe chamou o grande Poeta Camões.

E terá o 25 de Abril de 1974 ocorrido na altura certa?

É um facto que as revoluções não escolhem oportunidades e não são factos isolados. Resultam, normalmente, da confluência de diversas conjunturas, por vezes de situações latentes ao longo de dezenas de anos.

Em qualquer sociedade seria desejável que não tivessem que acontecer revoluções, como sinal de estabilidade, segurança, paz social, riqueza.

Também pode acontecer que o móbil inicial não seja sequer revolucionário e este pode ter sido o caso do 25 de Abril.

O Movimento das Forças Armadas (MFA) começou por ser o resultado do descontentamento profissional de um grupo de oficiais subalternos (na maioria capitães), congregados por um relativo factor corporativista, como reacção ao famigerado decreto 353/73. Depois de alguns anos de Guerra Colonial, às sucessivas comissões em África, aos perigos acrescidos no terreno de combate, os oficiais vêem juntar-se a depreciação da sua própria carreira profissional. O Governo de Marcelo Caetano decide, no Verão de 1973, intervir num domínio tradicionalmente da responsabilidade da instituição militar, determinando a passagem ao quadro permanente dos milicianos que frequentassem um curso de apenas dois semestres na Academia Militar. O descontentamento que já progredia entre os oficiais torna-se explícito e proporciona o aparecimento do Movimento dos Capitães…

O regime estava caduco, de tal forma que quase caiu por si. A Revolução só tomou um cariz político e popular no próprio dia 25 de Abril. Antes o movimento de contestação ao regime, salvo algumas acções esporádicas da LUAR (de Palma Inácio), da ARA (do PCP) e algumas acções de propaganda durante as farsas eleitorais que periodicamente eram montadas, não era visível e não existia um movimento de contestação forte. Quando o Povo entrou, verdadeiramente, na Revolução, esta era já um facto consumado.

Em 1974 não se assistia a uma abertura do regime, no sentido de uma abertura para a Democracia. Pelo contrário. Em 1974 verificava-se uma involução e, aquilo a que se chamou a Primavera Marcelista, que se verificou em 1969-70, tinha passado à história. Os barões do regime, a polícia política, a ANP (Acção Nacional Popular), tinham obrigado o Professor Marcelo Caetano a um retrocesso no processo de abertura política que iniciara. A Ala Liberal da Assembleia Nacional, com Sá Carneiro, Magalhães Mota, Pinto Leite, Miller Guerra, etc., tinha desaparecido e eram quase nulas as esperanças de mudança pacífica do regime.

Portugal não acompanhou a profunda transformação política que sacudiu a Europa a seguir à Segunda Guerra Mundial. O Plano Marshall não teve praticamente impacto em Portugal e foi aí que se perdeu a oportunidade histórica do desenvolvimento industrial e da condução do País para um regime democrático e levou à política cega de Salazar, que culminou com o «orgulhosamente sós», de que ele tanto se vangloriou e que criou sequelas que, no tempo actual, ainda não foram totalmente erradicadas da sociedade portuguesa.

O sistema político português estagnou durante muitos. Para o manter era inevitável a repressão e o obscurantismo. Para que Portugal pudesse ser hoje um país verdadeiramente desenvolvido (considerado o desenvolvimento em todas as suas componentes) e na ausência de mudança no poder vigente, o “25 de Abril” teria de ter acontecido, pelo menos, 20 anos antes.

Em 1986, respondendo a um inquérito feito por um grupo de estudantes, quando me foi colocada a questão: “Que consequências houve no ensino depois do 25 de Abril?”, escrevi o seguinte:

«As últimas estatísticas oficiais do regime deposto em 25 de Abril de 1974 apontavam uma taxa de analfabetismo de 25% que, além de falseada, não revelava o alfabetismo operacional que devia ser muito inferior a 75%.
Com um sistema educativo obsoleto, pretensioso e elitista, o País sofreu a vaga de choque do Movimento de Maio de 68, vindo de França, e enrodilhara-se nas teias de uma reforma caótica e dispersa (da iniciativa de Veiga Simão), incapaz de alterar os vícios estruturais do sistema, que tentava escamotear com paliativos.
O derrube do regime fascista pelo movimento militar de Abril de 1974, parecia ter criado as condições mínimas indispensáveis à criação de um sistema educacional mais digno e justo. Mas a confusão e intoxicação políticas que se seguiram, repercutiram-se não só na escola, mas em toda a estrutura do sistema: a demagogia, a incompetência e o arbítrio apenas mudaram de sinal. Com uma agravante: é que o sistema anterior, com todos os seus defeitos, ainda ia funcionando; a nova (des)ordem com todos os seus aspectos positivos, deixou de ser funcional.
O principal problema é ainda o do analfabetismo. O estudo mais sério que conheço sobre este assunto é de 1976, do Centro de Estudos Psicotécnicos do Exército, feito com base numa amostragem de 50 000 mancebos entre os 20 e 21 anos e revelou que o analfabetismo absoluto seria na ordem dos 36%. Mas este estudo revelou ainda pontos mais graves. Um deles foi o da regressão de conhecimentos verificado nos jovens recrutas com habilitações oficiais superiores à quarta classe, dos quais cerca de metade mostravam conhecimentos muito inferiores; o outro, o baixo grau prático de uma grande percentagem de indivíduos alfabetizados.
Esta situação, que se verificou em 1976, durou ainda alguns anos. Actualmente são já visíveis sinais de mudança, para melhor, à medida que se formam novos professores e se constroem novas instalações escolares, que tentam responder à explosão escolar que o 25 de Abril nos trouxe.
Acredito que dentro de 10 anos o sistema educativo português se terá modernizado o suficiente para responder às necessidades do País. Por enquanto, terão de ser pagos os custos dos anos de anarquia subsequentes à Revolução de 25 de Abril de 1974.»

Escrevi este texto há dezoito anos e tenho que confessar, hoje, com alguma desilusão, que as expectativas que então mantinha para uma evolução tendencialmente positiva no sistema educativo português foram defraudadas…
Para escrever estas breves memórias de Abril volto a socorrer-me das respostas que dei ao citado inquérito (1986) e, particularmente, à seguinte pergunta:

«Acha que houve uma revolução cultural com o 25 de Abril, relacionando também a entrada em Portugal de Telenovelas Brasileiras?
Não direi que houve uma revolução cultural, no sentido que foi dado a esta expressão pelos chineses, quando da liderança de Mao Tsé Tung, mas sim que houve uma relativa alteração da prática cultural.
O fim da censura e passado que foi o período de delírio (passe a expressão) imediatamente a seguir ao 25 de Abril, em que se verificou uma intoxicação de filmes e livros pornográficos ou de doutrinação política duvidosa, permitiu uma grande abertura cultural, alargando-se as hipóteses de escolha, com embaixadas artísticas de todo o mundo.
Vi em Lisboa dois dos melhores espectáculos que vi em toda a minha vida: O Circo de Moscovo e a Ópera de Pequim, que não poderia ter visto antes do 25 de Abril. Grupos de Rock, músicos populares, pintores, escultores, toda uma gama de manifestações artísticas inundou Lisboa e algumas cidades do País.
Isto não significa que tenha existido uma revolução cultural. Por um lado, o grande centro difusor de cultura do País, continua a ser a Fundação Gulbenkian. Por outro lado, o País Cultural é Lisboa, Porto e pouco mais…
A descentralização cultural, uma verdadeira política de defesa do Património Cultural, a correcta divulgação dos grandes valores da Cultura Portuguesa, estão por fazer. Sem isso não haverá revolução cultural, no sentido em que a entendo.
A própria televisão, que poderia e deveria ser o veículo da difusão cultural, por excelência, pouco mais faz
do que transmitir “enlatados” importados, em que por vezes aparecem produções de razoável ou muito boa qualidade (caso de algumas produções da BBC e da RAI) relegando a produção nacional para segundo plano e concedendo-lhe muito pouco tempo de emissão.
As telenovelas brasileira são, sem dúvida, um acontecimento cultural e podemos reconhecer nelas uma qualidade excelente de interpretação e de realização e, se há quem defenda que elas estão a adulterar a língua portuguesa, eu partilho a opinião da Dra. Edite Estrela, de que isso não corresponde à verdade, porque a língua portuguesa é uma língua dinâmica que se enriquece com a experiência brasileira, como se enriqueceu ao longo de séculos com o contacto com os mais diversos povos do mundo. Bem mais grave é, em minha opinião, a adulteração que a linguagem publicitária está a provocar. Apenas lamento que para o horário nobre de televisão, não exista capacidade de realização de produções portuguesas, que divulguem a Cultura Portuguesa, o que poderia acontecer, por exemplo, com a realização, por episódios, de grandes obras da Literatura Portuguesa. Porque isto não acontece e porque já referimos o grande índice de analfabetismo existente no País, reste-nos a consolação das emissões faladas em Português. O que, por si só, já é agradável!…
(…) Por força do sistema repressivo existente antes do 25 de Abril, o movimento “hippie” teve pouca difusão em Portugal. Aquilo que a partir de 1967, emanou para o mundo, com o suporte musical de uma canção de Scott Mackenzie “S Francisco” (Be sure to wear some flowers in your hair), não teve em Portugal grande difusão. Os cabelos compridos, os jeans, os adornos de couro, eram sinónimo de “bandalhice”, de subversão, que os acontecimentos de Paris, em Maio de 1968, veio agravar… O regime defendia o cabelo curto, a barba feita, o fato completo, nos jovens de sexo masculino e a saia pelo joelho, a compostura e o cabelo comprido nas raparigas.
Quando aconteceu a Revolução e derrubado o sistema repressivo, direi que se iniciou em Portugal, com um atraso de seis anos, o movimento hippie, até com uma certa dose de ridículo, e o movimento Punk que no final da década de 70 se implantou em Portugal (relativamente) era inconcebível antes do 25 de Abril de 1974.
Em moda, é costume dizer-se, que nada se cria, tudo se transforma e porque a moda não é um acto isolado, o que aconteceu em Portugal aconteceu noutras do mundo, simultaneamente, ou com pouca diferença de tempo.
(…) A liberdade de expressão é uma das conquistas que honram o 25 de Abril. Só por isso diria que valeu a pena!
O texto constitucional em vigor, consagra a liberdade de expressão e informação no seu artº 37º: “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, pela palavra, pela imagem ou por qualquer meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.”
A censura sobre a Imprensa e sobre o conteúdo dos espectáculos era uma das grandes nódoas do regime anterior e a sua abolição não pode merecer a contestação de ninguém, seja qual for a sua posição política.
Em forma de conclusão antecipada desta entrevista direi que o 25 de Abril de 1974 trouxe coisas admiráveis, mas não poderia trazer mais do que trouxe: trouxe as condições necessárias, não trouxe as condições suficientes (e pensou-se que sim).
Trouxe as condições necessárias para que assumíssemos, então, outras condições: um tempo NOSSO, de que estávamos, supostamente, “a divinis”; trouxe as condições para assumirmos a nossa dimensão forçosamente modesta; para construirmos devagar uma educação e uma consciência cívica baseada na solidariedade e na renúncia; na austeridade igualmente repartida e moralizadora, para libertar a criatividade embotada pelo isolamento cultural e depois pela massificação da informação, para encontrarmos, como País, a nossa identidade dentro de uma Europa redescoberta com olhos estremunhados; para saber sofrer com sentido e gozar com plenitude.
Não se trata de optimismo ou pessimismo (o que são?); trata-se de plácida observação de um processo em que cada um de nós tem a possibilidade de ser um agente lúcido, constante e modesto.
E sem a liberdade de expressão, isso seria possível?»

NÚMEROS PARA 30 ANOS DE HISTÓRIA

 19742003
População residente8,6 milhões10,3 milhões
Nascimentos por ano180 mil110 mil
Óbitos por ano102 mil107 mil
Dimensão média das famílias3,5 elementos2,8 elementos
Casamentos católicos102 mil58 mil
Alojamentos familiares2 732 855 (1970)5 046 744 (2001)
Alojamentos c/ água canalizada48%97,9%
Alojamentos c/ electricidade63,8%99,5%
Taxa de analfabetismo25,7% (1970)9,0% (2001)
População activa3 395 865 (1970)4 990 208 (2001)
População desempregada90 805339 261
Esperança média de vida – homens63,1 anos72 anos
Esperança média de vida – mulheres70,8 anos80 anos
População estrangeira legalizada40 mil240 mil
Rede de autoestradas80 km1 800 km

Seria relativamente fácil apurar muitos outros indicadores nacionais para comparar o modo de vida em Portugal em 1974 e em 2003/4. Já em termos concelhios, tal tarefa não se mostra tão fácil quando muitas comparações só se podem fazer com recurso à memória, que a uma distância de 30 anos já é muito esbatida nalguns aspectos.

Em 1974, apenas a Vila de Sardoal e as localidades de Andreus e Valhascos dispunham de energia eléctrica, numa altura em que a Federação de Municípios do Ribatejo, uma entidade que viria a ter um importante papel na electrificação das zonas rurais do distrito de Santarém, dava os seus primeiros passos. Em 1975 era electrificada a aldeia de Cabeça das Mós e em 1976 chegava a vez da freguesia de Alcaravela e da aldeia de Entrevinhas. Em 1977 chegava a vez das aldeias de S. Simão e Venda Nova. Só depois disso se iniciou a electrificação da freguesia de Santiago de Montalegre.

Em 1974, apenas a Vila de Sardoal dispunha de abastecimento de água ao domicílio, estando a decorrer obras para o reforço do caudal no abastecimento ao Sardoal e para a instalação das redes de abastecimento a Andreus (a primeira a ficar concluída) e a Cabeça das Mós e Valhascos, sendo que estas só ficaram concluídas em 1975/76.

Em 1974 era lançada uma empreitada para o abastecimento de água, por fontanários, a algumas povoações da freguesia de Alcaravela (Monte Cimeiro, Panascos e Santa Clara).

A primeira povoação da freguesia de Alcaravela a dispor de abastecimento de água ao domicílio foi a aldeia da Tojeira, em 1980/81.

Apenas em Agosto de 1972 foi inaugurada a rede telefónica automática.

Só no ano lectivo 1973/74 foi criado o ensino oficial do Ciclo Preparatória, com a instalação no Sardoal de uma secção da Escola Preparatória D. Miguel de Almeida, de Abrantes. O Ensino Secundário até ao 9.º Ano de Escolaridade continuou a ser leccionado pelo Externato Rainha Santa Isabel até ao ano lectivo 1979/80. Só no ano lectivo 1980/81 entrou em funcionamento a E.B. 2,3 de Sardoal, que actualmente lecciona algumas áreas do 12.º Ano. Os dois anos do Ensino Preparatório tinham, então, cerca de 130 alunos.

Na Vila de Sardoal existia nessa altura 1 casa de pasto, 4 cafés e algumas tabernas. Não existia nenhuma agência bancária. A Caixa Geral de Depósitos funcionava na Repartição de Finanças e na Tesouraria da Fazenda Pública, então instaladas no edifício dos Paços do Concelho, onde também estava instalado o quartel da Guarda Nacional Republicana.

25 de Abril de 2004

Relação dos combatentes da Grande Guerra naturais do Sardoal

Em forma de homenagem, esta listagem pretende conter, de forma tão exaustiva quanto foi possível apurar, o conjunto de naturais do Concelho de Sardoal que combateram na I Guerra Mundial. A maior parte serviu entre o início de 1917 e o início de 1919.

Muitos deles foram louvados pela dedicação e competência tanto nas trincheiras como na rectaguarda, havendo muitos relatos de coragem e sangue frio em várias batalhas, como a de La Lys. Alguns foram feitos prisioneiros, outros ficaram feridos e regressaram a Portugal por incapacidade.

Existe uma listagem de 12 falecidos nas campanhas de França e África, mas nos registos do Arquivo Histórico Militar até agora apenas foi possível confirmar documentalmente a morte de Alexandre Arrais, natural de Valhascos, soldado n.º 56 da 6.ª Companhia do Regimento de Infantaria n.º 22, que faleceu em combate em 15 de Março de 1918, tendo sido sepultado no cemitério de Le Touret, em França.

Com a devida gratidão ao Arquivo Histórico Militar, deixamos a ligação para as fichas de registo do Corpo Expedicionário Português, boletins de alterações e demais documentação relativa aos combatentes que até agora nos possível encontrar neste importante Arquivo português. 

Uma tabela resumida encontra-se abaixo, apenas com nome e naturalidade.

No documento em PDF, é possível ter mais informação, nomeadamente datas de embarque e desembarque, posto, divisão, onde serviu, profissão quando regressou e algumas observações.

NomeNatural de
Abílio Leitão da SilvaAlcaravela
Adelino da Silva DiogoSardoal
Adelino PiresMontalegre
Adriano AparícioSão Simão
Afonso SalgueiroSardoal
Albino Silva MartinsEntrevinhas
Alexandre ArraisValhascos
Álvaro de Andrade e SilvaSardoal
Amaro MilhoValhascos
Anacleto FernandesAlcaravela
Aníbal Lopes SimplesSardoal
António AlvesMontalegre
António Alves BaptistaPalhota
António AndréAlcaravela
António FernandesAlcaravela
António FlorêncioAmieira
António GalinhaValhascos
António GeraldoCabeça das Mós
António Gonçalves CarinhasEntrevinhas
António Lopes ChavesAlcaravela
António Lopes DavidEntrevinhas
António Marques BernardesSardoal
António MartinsEntrevinhas
António NunesSão Simão
António PedroSardoal
António PereiraSardoal
António PiresMontalegre
António Pires CoelhoCabeça das Mós
António SoaresAndreus
António VenturaValhascos
Augusto MatiasCabeça das Mós
Augusto PiresCodes
Basílio DiasCabeça das Mós
Basílio EstevesValhascos
Custódio FernandesPresa
David AgudoSardoal
David BatistaS. Domingos
Diamantino GarciaSardoal
Diamantino LopesSardoal
Domingos Dias BichoCabeça das Mós
Domingos GarciasSardoal
Emídio LopesSão Simão
Fiel Batista FigueiredoSardoal
Francisco Alves VilelaAndreus
Francisco da CruzValhascos
Francisco DiogoSardoal
Francisco dos SantosEntrevinhas
Francisco LeitãoCabeça das Mós
Francisco LopesVale Formoso
Francisco LopesAlcaravela
Francisco Marques NetoSão Simão
Francisco NavalhoAlcaravela
Francisco NavalhoSardoal
Francisco NobreAndreus
Gabriel EliasAndreus
Gabriel FernandesValhascos
Gregório Lopes ReisVenda Nova
Guilherme RibeiroSardoal
Henrique RoldãoCabeça das Mós
Henrique SerraMontalegre
Inácio Alves ReisTojal
Jacinto MarquesSardoal
João da Conceição LopesSardoal
João da Silva CardosoMontalegre
João FernandesCabeça das Mós
João MilheiriçoCabeça das Mós
João PiresAlcaravela
João SerrasAlcaravela
Joaquim Batista RosaSardoal
Joaquim de OliveiraAlcaravela
Joaquim GonçalvesAlcaravela
Joaquim DiogoAndreus
Joaquim Lopes OliveiraAlcaravela
Joaquim PereiraS. Domingos
José AlvesMontalegre
José Alves BatistaEntrevinhas
José António da Silva RosaSardoal
José CarapuçoCabeça das Mós
José ClementeValhascos
José ClérigoVenda
José FranciscoFoz da Amieira
José GalinhaValhascos
José GasparAlcaravela
José GasparSalgueira
José L. MartinsMontalegre
José Lopes DavidAlcaravela
José Marques NetoAlcaravela
José MendesAndreus
José MendesVenda Nova
José NavalhoSardoal
José PereiraCabeça das Mós
Júlio Serras PereiraSardoal
Justo FernandesSão Simão
Leopoldo NazaretSardoal
Luís AntónioSardoal
Luís Batista LoboSardoal
Luís ChambelSardoal
Luís da CruzValhascos
Luís RoldãoCabeça das Mós
Manuel AlvesValhascos
Manuel AscêncioAndreus
Manuel ConceiçãoSardoal
Manuel da SilvaAndreus
Manuel da Silva DuarteSão Simão
Manuel de OliveiraSardoal
Manuel Dias da SilvaS. Domingos
Manuel GrácioSardoal
Manuel InácioValhascos
Manuel J. da SilvaAndreus
Manuel LobatoSalgueira
Manuel LobatoAndreus
Manuel LopesCasos Novos
Manuel LopesTojeira
Manuel Lopes da SilvaSardoal
Manuel Lopes ManteigaValhascos
Manuel Lopes PatrãoAlcaravela
Manuel MiguelAndreus
Manuel Rodrigues FalcãoAndreus
Manuel RaimundoMontalegre
Manuel RodriguesAmieira
Mateus VenturaValhascos
Máximo Lopes AndradeSardoal
Miguel AlvesMontalegre
Narciso AntunesAndreus
Narciso Dias RoldãoCabeça das Mós
Olindo NavalhoSardoal
Rafael LopesSardoal
Raimundo GrácioSardoal
Ramiro dos SantosEntrevinhas
Ramiro dos SantosSardoal
Reinaldo Rodrigues PortoSardoal
Serafim VenturaValhascos
Tiago da SilvaCabeça das Mós
Venâncio EstevesVenda Nova

Festas em Honra de Santa Maria da Caridade

Nota prévia: Estas memórias das tradicionais Festas de Santa Maria da Caridade foram antes publicadas no Sardoal com Memória e ainda antes numa brochura editada em 1998 de promoção às Festas do Concelho desse ano. Decidimos ainda assim republicá-las, por duas razões. A primeira, por se apresentar um novo arranjo gráfico, que, esperamos, torne a leitura mais escorreita. A segunda, para juntar uma reprodução dos cartazes antigos apresentados nessa edição física de 1998 editada pela Câmara Municipal de Sardoal.

Introdução

A publicação de algumas memórias das tradicionais Festas de Santa Maria da Caridade, que durante muitos anos animaram o mês de Setembro, na Vila de Sardoal, organizadas pela Santa Casa da Misericórdia tem como objectivos, por um lado, registar para a história momentos lúdicos e culturais importantes que, decerto, estão ainda presentes no espírito de quem os viveu directamente e divulgá-los junto dos mais novos que apenas os conhecem pelo que deles ouviram contar aos mais velhos e, por outro lado, homenagear as pessoas que de forma altruísta e desinteressada colaboraram na sua organização ao longo dos anos, proporcionando aos Sardoalenses e povos vizinhos, momentos de salutar convivência e enriquecimento cultural, garantindo ao mesmo tempo a arrecadação de meios financeiros indispensáveis para o funcionamento do antigo Hospital da Misericórdia, que durante muitos anos foi o último refúgio para os Sardoalenses e em especial para os mais carenciados, quando atingidos por situações graves de doença.

Temos consciência de que se trata de um trabalho muito incompleto, que publicamos mesmo assim na convicção de que pode ser um primeiro passo para um trabalho mais desenvolvido se, como já vem sendo felizmente hábito, o mesmo despertar o interesse dos Sardoalenses, que poderão dar um importante contributo se nos facultarem alguns elementos documentais que muitos guardam carinhosamente nos seus “baús de memórias (programas, cartazes, fotografias, objectos diversos) por forma a que este trabalho, revisto e aumentado, possa constituir um interessante elemento de consulta para quem se interessa pela história da vida cultural da nossa Terra.

As memórias

A Festa do Espírito Santo (Festa do Bodo) foi durante séculos a festa mais importante que se realizou na Vila de Sardoal, seguindo-se-lhe, em importância, a Festa do Senhor dos Remédios e a celebração do Dia do Corpo de Deus.

A Festa do Espírito Santo no início do séx. XX: as fogaças iam conduzidas à cabeça e as ruas ornamentadas com bandeiras

Só em 1924 tiveram início as Festas de Santa Maria da Caridade, por iniciativa da Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Sardoal, conforme relata o “Jornal de Abrantes”, de 3 de Agosto de 1924:

SARDOAL – GRANDES FESTEJOS NOS DIAS 23, 24 E 25 DE AGOSTO
Sardoal, nos dias 23, 24 e 25 está em festa, feita a Santa Maria da Caridade, padroeira do Hospital desta Vila. É a primeira vez que se realiza esta festividade, por isso a Mesa da Misericórdia não se poupa a trabalho para que ela tenha um brilhantismo invulgar. Foi esta Santa que deu o nome ao Hospital desta Vila, por isso, tratando-se de um festejo cujo fim é arranjar receita para sacudir a situação precária em que esta instituição de caridade se encontra, não podia ser mais acertada a escolha do título. Em todo o concelho se trabalha com afinco e persistência para que a receita seja avultada, estando constituídas comissões em todas as aldeias do concelho para esse fim. O programa ainda não está definitivamente organizado, no entanto já sabemos que haverá uma exposição de produtos agrícolas, a que concorrem todas as povoações do concelho, produtos que serão vendidos, revertendo o seu valor a favor do Hospital, fogos de artifício nos dias 23, 24 e 25 e diversos divertimentos. No próximo número falaremos mais detalhadamente sobre a festa e daremos o programa. No entanto, o que podemos asseverar é que os atractivos e comodidades, tê-las-ão os visitantes em larga escala, de modo a poderem passar três dias de alegre convívio. Às festas do SARDOAL!!!

Em 17 de Agosto de 1924, no mesmo Jornal e com o título:

IMPONENTES FESTEJOS A FAVOR DO HOSPITAL DE SARDOAL
Dia a dia vai aumentando o entusiasmo pela festa que se realiza nesta Vila, nos dias 23, 24 e 25 a favor do Hospital desta Vila. As ornamentações já começaram, esperando-se que a festa se revista de uma grande imponência, não só pela variedade de atractivos, mas também pelo esmero que os seus organizadores empregam na sua preparação. O serviço de bufete está sendo montado nos claustros do hospital, com farta iluminação à moda do Minho. Os produtos agrícolas serão expostos em barracas ao longo do adro, onde depois serão vendidos, revertendo o seu produto a favor do Hospital. Haverá também outras rifas. No domingo venda da flor por gentis meninas desta Vila. No domingo à noite fogo de artifício confeccionado pelo hábil pirotécnico Sr. Galinha e na segunda-feira, pelo não menos hábil Sr. Ameixoeira. Na terça-feira haverá tiro aos pombos e à noite récita ao ar livre na cerca do Hospital, apresentando-se pela 1ª vez em público o Grupo Dramático Sardoalense, que inicia as suas récitas oferecendo o produto do primeiro espectáculo a favor do Hospital. Belo gesto que bastante os nobilita. As festas de Igreja serão acompanhadas pela Orquestra Sardoalense e as festas civis pela Filarmónica desta Vila. No dia 25 espera-se a vinda da Banda de Infantaria 2, dependendo apenas de autorização superior, pois os músicos e o chefe, da melhor vontade acederam ao pedido que lhe foi feito, vindo, assim, uma vez mais prestar o seu desinteressado concurso a favor do Hospital. Que os organizadores da festa não esmoreçam, demais quando de todos os pontos do Concelho afluem boas vontades e incentivos. Sardoal vai, pois, ter quatro dias de festa que a todos vai deixar satisfeitos.

Em 2 de Agosto de 1925, noticiava o “Jornal de Abrantes”:

FESTAS DE SANTA MARIA DA CARIDADE – 22, 23 E 24 DE AGOSTO
A Comissão organizadora destes festejos, cujo produto reverte a favor do Hospital, já tem delineado o programa que este ano promete ser grandioso pela qualidade de atractivos que a todos deixarão satisfeitos. Vamos ter três dias de festa que em tudo excederá o não passado, apesar destas terem tido um brilho invulgar. Iremos informando os leitores dos detalhes do programa que está entregue à Santa Casa da Misericórdia, que se esmerará na sua confecção.

Em 16 de Agosto de 1925, no mesmo Jornal:

FESTAS NO SARDOAL
Por conveniência da Comissão que devia promover nos próximos dias 22, 23 e 24 do corrente a festa de Santa Maria da Caridade, na Vila de Sardoal, ficam as mesmas transferidas para os dias 12, 13 e 14 de Setembro próximo.

Ainda no mesmo Jornal, do dia 13 de Setembro de 1925:

GRANDES E IMPONENTES FESTEJOS NO SARDOAL
À hora a que este jornal começar a circular nesta Vila de Sardoal, inicia-se a grande festa anual à Santa Maria da Caridade, cujo produto é para o Hospital. Sardoal está animadíssimo, havendo grande profusão de bandeiras e muitos forasteiros. Hoje, domingo, dia 13, o programa é o seguinte: Venda da flor, venda dos produtos agrícolas, das ofertas resultantes do cortejo agrícola. À tarde, torneio de tiro aos pombos e à noite récita por amadores. Amanhã, 14: quermesse, festa de Igreja no Convento, continuação da venda dos produtos agrícolas. À tarde exercício de acrobacia por aeroplanos de Tancos que generosamente se prontificaram ir ali. À noite, fogo de artifício. Pelos preparativos que vimos, a festa reveste-se de um brilhantismo invulgar, havendo no local da festa um excelente bufete e vários jogos desportivos. Todos à festa do Sardoal!!!

Ainda nos anos 20, aparecem outras referências às Festas de Santa Maria da Caridade, como por exemplo no “JORNAL DE ABRANTES” de 19 de Agosto de 1928:

FESTAS NO SARDOAL – PROGRAMA
Como prometemos vimos hoje anunciar o programa da festa que constará de missa, arraial, quermesse e fogo de artifício e diferentes divertimentos desportivos, nos dias 26 e 27. Em todos os dias haverá um esmerado serviço de bufete, cinema e uma aparatosa iluminação eléctrica. A afluência de prendas é enorme, pois os filhos do Sardoal e outras pessoas a quem têm sido dirigidas circulares, têm a verdadeira noção que a vida do Hospital é difícil e de quantos sacrifícios é necessário para o manter. Abrilhanta a festa de igreja a Orquestra desta Vila, o arraial a Filarmónica Sardoalense. O fogo de artifício é dos pirotécnicos de Valhascos, Ameixoeira e Galinha. Os nossos amigos Barroso e Florêncio estabelecem carreiras entre Alferrarede e esta Vila.

Sobre as Festas de Santa Maria da Caridade, noticiava o mesmo Jornal, em 20 de Agosto de 1933, o seguinte:

FESTAS NO SARDOAL:
Estiveram muito concorridas e produziram apreciável receita as festas que se realizaram nos dias 10 e 11 deste mês, em honra de Santa Maria da Caridade. Estas festas tiveram a colaboração da Banda de Vila Nova de Ourém, cujo reportório bem escolhido e executado sob a hábil regência do Maestro Valente. A referida Filarmónica que abrilhantou as ditas festas na segunda-feira, deixou a melhor impressão e agradou ao público do Sardoal, conhecedor de boa música. O produto das festas foi destinado ao Hospital da Misericórdia.

Em 1938 e ainda no “JORNAL DE ABRANTES”, era a seguinte a notícia sobre as Festas de Santa Maria da Caridade:

NOTÍCIAS DE SARDOAL: GRANDES FESTEJOS ANUAIS
Começaram ontem e prosseguem hoje e amanhã importantes festivais em benefício da Santa Casa da Misericórdia, que são abrilhantados por duas bandas e pelos Ranchos Folclóricos de Ponte de Sôr e Sardoal, este exibindo-se pela primeira vez, o que está despertando grande interesse. A florescente Vila de Sardoal vai regorgitar de forasteiros, pois são bastante apreciáveis as belezas naturais dos seus arredores e deveras atraente o programa dos festejos em realização. Hoje, dia 18, às 7 horas alvorada pela Filarmónica Sardoalense, que percorrerá as principais ruas da Vila, queimando-se numerosas girândolas de foguetes e muitos morteiros. 12H3oM: Chegada da excelente Banda do Tramagal. 13 Horas: Aparatoso cortejo folclórico, que será organizado junto da antiga Igreja da Misericórdia e dispersará no largo do Hospital. 15 Horas: Abertura da quermesse, bufete, barraca de chá, tômbola, barraca de tiro, etc., etc., seguindo-se o arraial de tarde com música, danças características e regionais. 17 Horas: Venda das ofertas na barraca agícola. Chegada do Rancho da Ponte de Sôr, acompanhado da sua orquestra. 20 Horas: Exibição do Rancho da Ponte de Sôr. 23 Horas: Será queimado um lindo fogo de artifício, confeccionado pelos hábeis pirotécnicos de Valhascos, Srs. Galinha e Filhos e Ameixoeira e Filhos.   Segunda-Feira, 19, às 7 hora alvorada pela Filarmónica Sardoalense. 10 Horas: Missa rezada na Capela da Misericórdia por intenção dos beneméritos do Hospital. 15 Horas: Reabertura das diferentes barracas. Concerto pela Banda do Sardoal. Danças e descantes populares. 16 Horas: Corridas de Sacos, pratos e pedestres, com prémios. 20 Horas: Exibição do Rancho do Sardoal. 23 Horas: Queima de um lindo fogo de artifício. A seguir, hino cantado pelo Rancho Sardoalense, no coreto da música, com o que terminarão as festas.

7 de Setembro de 1941 – “JORNAL DE ABRANTES”

FESTEJOS NO SARDOAL
Têm lugar nos dias 14 a 21 deste mês os grandes festejos na Vila do Sardoal que constam dos programas profusamente espalhados, estando os números principais distribuídos pelos dias 14, 15 e 21. Entre les consta uma Exposição Agrícola, Artística e Industrial. Será uma boa ocasião para os que não conhecem, admirarem as Tábuas do Sardoal, que figuraram na Exposição dos Primitivos. Pena é que as providências relativas ao trânsito de automóveis impeçam os que têm de vir aqui nos dias principais. Do Sr. Vice-Presidente da Misericórdia recebemos um ofício enviando os programas. A eles nos referiremos no próximo número.

14 de Setembro de 1941 – “JORNAL DE ABRANTES”:

FESTAS NO SARDOAL
Começam hoje as festas que constam do programa e que se estendem pelos dias 15 a 21 de Setembro. Hoje terá lugar o cortejo agrícola, abertura da Exposição Agrícola, Arte e Flores, arraial, récitas e fogo de artifício. Nos outros dias abrem-se as barracas e as exposições e continuará o arraial. No dia 21, além dos números dos outros dias há uma sessão de cinema, distribuindo-se diplomas e fogo de artifício. No dia 15: arraial e fogo de artifício. A exposição abrange os ramos agrícola, artístico, industrial e ainda uma secção de flores. Além de dois programas que foram enviados pelo Vice-Provedor da Misericórdia, não nos foram fornecidos outros elementos, nem facultados outros meios, para podermos dizer mais alguma coisa, mormente no que diz respeito às exposições que interessam não só ao Sardoal, mas a toda a região.

28 de Setembro de 1941: “JORNAL DE ABRANTES”

AS FESTAS A FAVOR DA MISERICÓRDIA
Missão difícil e ingrata escrever para a Imprensa quando o temos de fazer em tom discordante, com pessoas que nos merecem a maior consideração e que algumas vezes temos elogiado e defendido e a quem reconhecemos qualidades de inteligência e trabalho fora do vulgar. Mas esta circunstância dá-nos mais autoridade para tratar do assunto em questão. Realizou-se nos dias 14 e 15 do corrente, a festa a favor do Hospital desta Vila, festa que nasceu com um programa cheio de fantasias e exageros, que só servem para prejudicar em anos futuros, o fim que visam. Raro é o programa que não tem algum exagero. No entanto tudo tem os seus limites, mas tanto que as censuras se têm acentuado cada vez mais. Num dos dias da festa o que houve foi arraial, quermesse e exposição. Na exposição que se dividia em quatro secções, temos a destacar a arte antiga, representada pelos nossos quadros Primitivos que figuraram na Exposição do Mundo Português, onde obtiveram o 2º prémio e que são o nosso maior orgulho e a nossa maior glória artística. A par deles estavam paramentos religiosos de grande valor artístico e real. Na Exposição Industrial viam-se meia dúzia de coisas que bastante honram a serralharia manual deste Concelho. Exposição Agrícola bastante pobre porque o Sardoal não pode sair da vulgaridade, porque o seu solo é bastante fértil, mas a densidade arborizada é grande e traz o solo esgotado. Exposição florícola: flores bem tratadas, com o carinho que os sardoalenses lhes emprestam. No entanto nada digno de menção especial ali se denota. Enfim, o Sardoal é um Concelho pequeno e sem condições para organizar uma exposição que possa atrair visitantes, prendendo a sua atenção e bom será que no futuro nos restrinjamos, fazendo aquilo que as nossas possibilidades nos permitem.   Teatro: no primeiro dia agradou imenso e teve a casa à cunha. No segundo dia foi bastante prejudicado por um incidente desagradável ao máximo e que podia ter desagradáveis consequências, se não fora o critério, ponderação e prudência de muitos que acalmaram os ânimos, fazendo com que o espectáculo prosseguisse até final, quando inesperadamente queriam dá-lo por findo às 0 horas. O espectador que compra o seu bilhete não tem a responsabilidade do espectáculo começar tarde e tem o direito, salvo caso de força maior, de ver o programa cumprido. Por isso os organizadores têm o dever de organizar programas compatíveis com o tempo que dispõem. Assim é que está certo. Além disso organizar festas com teatro, arraial, música, etc. etc. e querer regulamentá-los com horas certas, locais para divertimentos por conta gotas, como se administra qualquer medicamento a um doente é, não só um erro de visão, mas também o desconhecimento dos direitos que todos nós usufruímos e que podem dar origem a factos lamentáveis. O povo precisa e tem direito de se divertir, esquecendo um pouco as agruras da vida, direito este que tem sempre e o próprio Estado, organizando os cortejos folclóricos, criando o Teatro do Povo que anda por este País fora, criando Casas do Povo, quando a par da assistência há divertimentos de várias modalidades, reconhece-lhes esse direito, já citando-lhe o mesmo. Como carácter impeditivo, revela uma autoridade que nós não toleramos. É uma ilusão que se há-de desprezar com o tempo. Sobre o resto do programa, a pedra tumular do silêncio, porque quem não cala, nunca pode viver, glória ou ingloriamente. Palavras simples, ditas sem azedume nem paixões, mas ditas contristadamente e que todos, de futuro, pensem calmamente no que vão fazer para evitar desgostos e dissabores de maior.

Sobre as Festas de 1946, traz, também, o “JORNAL DE ABRANTES” de 15 de Setembo de 1946, uma pequena nota:

FESTAS
Hoje dia 15 e amanhã 16, grandiosos festejos do Hospital da Santa Casa da Misericórdia do Sardoal, abrilhantados pela Filarmónica Sardoalense, devendo exibir-se na noite do dia 15 o Rancho Folclórico da Chainça.

Sem novidades é a seguinte a notícia publicada no “JORNAL DE ABRANTES”, de 22 de Agosto de 1950:

FESTAS DA MISERICÓRDIA:
A Mesa da Misericórdia do Sardoal promove festas em benefício do seu Hospital, nos dias 16 a 19 de Setembro próximo. No dia 16, no Teatro Gil Vicente será exibido um filme português. No dia 17 haverá alvorada, missa cantada e sermão, recepção do cortejo de oferendas ao Hospital, arraial com barracas de bazar, chá e outras, concerto e bailes regionais e fogo de artifício, preso e do ar. Dia 18: Alvorada, missa, lançamento de foguetes chineses, abertura das barracas, fogo preso e do ar. Dia 19: Alvorada e de tarde reabertura das barracas, à tarde e à noite arraial, fogo preso e do ar.
Programa das Festas em honra de Santa Maria da Caridade do ano de 1952

18 de Setembro de 1960 – “JORNAL DE ABRANTES”:

FESTEJOS NO SARDOAL:
Em benefício do seu Hospital, começaram nos dias 11 e 12 do corrente e continuam hoje e amanhã as tradicionais festas de Verão em benefício do hospital concelhio. No local mais aprazível desta pitoresca terra, lindamente ornamentado e com os mais variados atractivos constantes dos prospectos já distribuídos e a distribuir ainda, figurarão, também, ranchos folclóricos, bandas de música, etc. etc. Um dos números que despertou grande entusiasmo foi a realização de um “Serão Para Trabalhadores”, um conjunto dos melhores artistas da F.N.A.T. que expressamente se deslocou de Lisboa a esta Vila e se fez aplaudir na noite de dia 11. Alguns bairristas da colónia sardoalense em Lisboa, trabalham afanosamente em conjunto com a mesa da Santa Casa da Misericórdia para que estas festas tenham a maior projecção sob o ponto de vista de muita alegria, caridade e espiritualismo.
Programa das festas em 1954

3 de Setembro de 1961- “JORNAL DE ABRANTES”:

FESTEJOS:
Iniciam-se hoje, nesta Vila os tradicionais festejos em benefício da Santa Casa da Misericórdia, que continuam amanhã e nos próximos dias 9 e 10 do corrente. O programa de hoje é o seguinte: Alvorada pela Filarmónica Sardoalense. Às 9 horas peditório aos habitantes da Vila por alguns membros da Mesa Administrativa, acompanhados pela Filarmónica. Às 20 horas, abertura da barraca de chá, a qual será animada pela Filarmónica Sardoalense e orquestra Figueira Padeiro, de Alpiarça. Amanhã, além da alvorada o programa inclui pelas 15 horas, no Cine Teatro Gil Vicente, a exibição do excelente filme português “A LUZ VEM DO ALTO” e a abertura às 20 horas das barracas de chá e comes e bebes, igualmente abrilhantado pela Filarmónica Sardoalense e Orquestra “FIGUEIRA PADEIRO”.

10 de Setembro de 1961 – “JORNAL DE ABRANTES”:

FESTEJOS
Realizou-se no passado domingo e segunda-feira, como foi anunciado, a 1ª parte dos festejos da Santa Casa da Misericórdia, que tiveram, conforme se supunha, grande afluência de forasteiros, especialmente no domingo. Na segunda-feira, com a noite bastante fria, pouco público se juntou no Largo do Convento, pois em noites ventosas aquele local torna-se bastante desagradável. Tanto no domingo como na segunda-feira, fez-se ouvir a Filarmónica União Sardoalense e a Orquestra “FIGUEIRA PADEIRO”. Hoje, domingo, terão as festas o seu final, ou seja a 2.ª parte, havendo uma matiné com o filme português “RAPSÓDIA PORTUGUESA” e a presença da Orquestra “TULIPA NEGRA”, de Abrantes.

17 de Setembro de 1961 – “JORNAL DE ABRANTES”:

FESTEJOS
Realizou-se conforme estava anunciado, nos passados dias 10 e 11, as Festas da Misericórdia, que como se calculava tiveram bastante afluência de forasteiros. A Mesa da Misericórdia resolveu prolongar as festas. Assim temos hoje a abrilhantá-las a orquestra “TEATRO TRAMAGALENSE”, em mais uma noite de festas que se prevê animada. O grande movimento que tivemos nos 4 dias é talvez devido a não ter havido outra qualquer no nosso Concelho este Verão, em virtude da hora grave que a Nação atravessa, mas estamos plenamente de acordo com as ideias da Mesa da Misericórdia em executar estes dias de festa previstas, aproveitando o facto de não haver outras, pois que os lucros como se sabe são destinados à manutenção do nosso Hospital e por isso nunca é demais para tão edificante obra a favor dos doentes pobres e desprotegidos da sorte. Apesar de serem muitos os soldados do nosso Concelho e só da Vila são 13, que estão no Ultramar em missão de soberania, todos vieram com a sua presença em auxílio do nosso Hospital.

24 de Setembro de 1961 – “JORNAL DE ABRANTES”:

FESTAS
Terminaram no passado domingo as festas em benefício do Hospital da Misericórdia, com a actuação da Orquestra “TEATRO TRAMAGALENSE”. Devido à noite bastante fria, não teve a festa o brilho dos outros dias, mas mesmo assim grande multidão se juntou no Adro do Convento. Vão-se ausentando dia a dia os sardoalenses que anualmente vêm passar as suas férias nesta ocasião, ao Sardoal, o que se vai notando no movimento que nos trazem neste mês de Setembro.

Nota: A Mesa da Misericórdia era nesta altura constituída pelo Sr. Manuel Lopes Alpalhão, como Provedor, Sr. Manuel Pires, Vice-Provedor, Sr. Armando Navalho, Secretário, Sr. José Alves, Tesoureiro e os Srs. Joaquim da Silva Lopes e Manuel Pires de Oliveira, como vogais.

26 de Agosto de 1962 – “JORNAL DE ABRANTES”:

FESTAS DA MISERICÓRDIA
Foram já distribuídos os programas a anunciar os tradicionais festejos da Santa Casa da Misericórdia, em benefício do seu Hospital, que se realizam nos dias 2, 9 e 10 de Setembro. Do programa constam variadíssimas atracções. Destacamos a colaboração da orquestra “FIGUEIRA PADEIRO”, de Alpiarça, além da Filarmónica União Sardoalense e uma excelente aparelhagem sonora, dancing, bufete e um óptimo serviço de barraca de chá e vistosa iluminação. Portanto, sardoalenses, preparem-se para visitar a vossa terra natal, naqueles dias.

2 de Setembro de 1962 – “JORNAL DE ABRANTES”

FESTAS DA MISERICÓRDIA
Conforme foi anunciado no último número, realizam-se hoje e nos dias 9 e 10 do corrente, as Festas da Misericórdia com aliciante programa, aos quais temos de acrescentar novas atracções anunciadas para hoje, por programas de última hora. Assim temos, hoje dia 2, a categorizada orquestra “TEATRO TRAMAGALENSE”, que abrilhantará o dancing até de madrugada. No dia 9 teremos a apresentação da pequenina artista Victória Maria, uma promessa no futuro da canção nacional e disco. Dia 10 continuará a actuar a graciosa artista de palmo e meio, que tem vindo a encantar todos quanto a escutam. Abrilhantará o dancing a orquestra “FIGUEIRA PADEIRO”. Está reservado largo êxito às nossas festas e assim o desejamos, pois como sabe são em benefício do Hospital da Misericórdia.

16 de Setembro de 1962 – “JORNAL DE ABRANTES”

FESTAS DA MISERICÓRDIA
Decorreram com brilho as Festas da Misericórdia, que no passado domingo e segunda tiveram o seu epílogo. Especialmente no domingo muita gente acorreu ao local da festa, o que encheu por completo a barraca de chá que aplaudiu com calor a pequena Victória Maria, que se exibiu naquelas duas noites, a quem a orquestra “FIGUEIRA PADEIRO” deliciou com o seu reportório de música de dança, que tanto animou o dancing.

27 de Agosto de 1967 – JORNAL DE ABRANTES

FESTAS DA MISERICÓRDIA
Como é tradicional, mais uma vez, a Santa Casa da Misericórdia da nossa Vila organiza as imponentes festas de caridade em benefício do Hospital e assim nos dias 9, 10, 11, 16 e 17 de Setembro, o Sardoal será cartaz com um extraordinário programa que resumidamente apresentamos: artistas da Rádio e T.V.: João Maria Tudela, Cecília Cardoso, Isabel Fontes, Carlos Areias com o se acordéon electrónico e Victor Teixeira. Agrupamentos musicais: “CONJUNTO MÓNACO”, “CONJUNTO MELODIA AZUL”, “CONJUNTO ZURITA DE OLIVEIRA”, todos de Lisboa e ainda a Filarmónica União Sardoalense. Sorteios, fogo de artifício, barraca de chá, quermesse, bufete, e música constante para dançar.
Cartaz de 1968

31 de Agosto de 1968 – “JORNAL DE ABRANTES”

FESTAS DA MISERICÓRDIA
Conforme já anunciámos vão realizar-se os tradicionais festejos em benefício da Santa Casa da Misericórdia, nos dias 14, 15, 16, 21 e 22 de Setembro. Este ano com um programa sensacional e uma organização esmerada, teremos, além da colaboração da Filarmónica União Sardoalense, três categorizadas orquestras: “NOVA ONDA”, “OS MARIALVAS”, ambas de Bucelas “WHITE STAR”, de Lisboa e sete consagradas estrelas da nossa Rádio e T.V.: MARIA JOSÉ VALÉRIO, FERNANDO LITO, IDÁLIA MARIA, MARIA DA CONCEIÇÃO, MARIA GASCON E PEPE CARDINALE, além de valiosos sorteios entre o público, fogo de artifício, quermesse, bufete e barraca de chá e ainda uma gincana de perícia automóvel. No próximo número do nosso jornal daremos novas e mais pormenorizadas informações sobre este extraordinário programa de festas e bem assim a distribuição, por dias, das várias atracções. Para já, em perspectiva, uns festejos que, como é tradicional, são, de longe, os melhores da região. Visitem, pois, o Sardoal nos dias das festas da Santa Casa da Misericórdia e não darão por mal-empregue esse tempo.

7 de Setembro de 1968 – “JORNAL DE ABRANTES”

FESTAS DA MISERICÓRDIA
É já no próximo sábado que terão início as tradicionais Festas da Misericórdia na nossa Vila, para as quais podemos anunciar as seguintes atracções: Dia 14: Conjunto “NOVA ONDA” e MARIA JOSÉ VALÉRIO. Dia 15: Conjunto “NOVA ONDA” e FERNANDO LITO, IDÁLIA MARIA e ISABEL AMORA. Dia 16: Conjunto “MARIALVAS” e outras surpresas. Dia 21: Conjunto “WHITE STAR”, MARIA DA CONCEIÇÃO e PEPE CARDINALE. Dia 22: Conjunto “WHITE STAR” e uma extraordinária sessão de fogo de artifício. Em todas as noites das festas haverá, além do tradicional bufete, dancing e barraca de chá, onde se servem os mais variados e gulosos petiscos.
1968

5 de Outubro de 1968 – “JORNAL DE ABRANTES”

Findou Setembro, última etapa das férias, chamadas grandes. O Verão com os seus dias grandes e quentes, a solicitar férias, vai quase no ocaso. Mas para os Sardoalenses e muito especialmente para os ausentes, este é o grande mês, pois as suas festas anuais, realizadas por e em benefício da Santa Casa da Misericórdia, é neste mês que se realizam e é nesta altura que os sardoalenses se deslocam à sua terra para matarem saudades dos seus locais queridos, a escola, o local do nascimento e das brincadeiras e muitos o local onde dormem o sono eterno os seus antepassados. Mas é, sem sombra de dúvida a festa, o grande local e a razão da confraternização dos sardoalenses. Os ausentes ou em férias, ou com um fim-de-semana, aqui vêm nesses dias e, assim a nossa terra viu a sua fisionomia tão pacata, transformada, com a presença de imensos sardoalenses e suas famílias. É o Setembro, as Festas da Misericórdia e o Bairrismo dos Sardoalenses, a triologia responsável por este fenómeno anual, que tanto movimenta alegra e dignifica a família sardoalense e esta nobre Vila do Sardoal.

Ao invés deste texto que elogia as Festas da Misericórdia, num artigo publicado no jornal “NOVIDADES” em Outubro de 1968, escrevia-se o seguinte:

As Festas da Santa Casa da Misericórdia:
Todos os anos a Mesa da Santa Casa da Misericórdia desta Vila promove festas com o fim de angariar fundos para a instituição. Discorda-se, no entanto, do local das festas, o Largo do Hospital, por se perturbar o natural repouso e necessário descanso dos doentes, dias e noites consecutivos, até alta madrugada. Quando noutras localidades se tomam todas as precauções para evitar os barulhos junto dos hospitais, no Sardoal tudo se processa de modo diferente. E mais uma vez isto acontece este ano. Aqui os pobres doentes ou têm de suportar com paciência de Job os incomodativos barulhos da música e cantorio que potentes altifalantes avolumam, ou optam por ir para suas casas e não juntar aos seus males mais estes tormentos. Isto não pode estar certo.

E mais adiante.

Este ano a coisa deu brado na noite de 16 para 17. Em fila quase indiana, uns após outros, os do grupo convidam uma jovem para dançar. Esta resiste até final, permanecendo sentada à sua mesa. Ainda há gente digna. Terminou a façanha num ensaio de pancadaria de que foi alvo um rapaz por verberar a atitude menos delicada de quantos quiseram obrigar a referida jovem a condescender com a sua vontade.

E terminando:

Pelo que fica exposto e não é tudo, não haja dúvida de que tal programação extra, é, sem dúvida um belo cartaz para o Sardoal… É o diabo à solta.
Percurso de Gincana – 1970

NOTA: O ano de 1968 é, na minha modesta opinião, o ano de referência dos míticos anos 60. Em termos internacionais, a Guerra do Vietname estava no auge e nos Estados Unidos alastrava um movimento de contestação à participação dos americanos naquele conflito. O movimento hippie continuava a implantar-se em força e em Paris, o famoso mês de Maio, gerou um movimento de luta e contestação que ganhou dimensão mundial.

Em Portugal a cena política foi, em 1968, dominada pela doença do Presidente do Conselho, Dr. Oliveira Salazar, que em princípio de Outubro foi substituído nas suas funções pelo Professor Marcelo Caetano. Continuava a situação de guerra nas então chamadas Províncias Ultramarinas, que levavam à mobilização para “missões de soberania”, da maior parte dos jovens do sexo masculino de todo o País.

Na música pontuavam por cá alguns êxitos internacionais de 1966 e 1967, de que são exemplos inesquecíveis, “Michelle”, dos Beatles, “Black is black”, de Los Bravos, “Puppet on a String”, de Sandie Shaw, “ A Whiter Shade of Pale”, Procul Harum, “S. Francisco (Be Sure To Wear Some Flowers in Your Hair), Scott MacKensie, “Massachusetts”, Bee Gees e “Hey Joe”, de Jimi Hendrix, entre outros. Não possuo muitas referências sobre a música portuguesa daquele ano. Tanto quanto me lembro, o Festival da Canção da Canção da RTP de 1968 foi ganho pelo Eduardo Nascimento, com a canção “Ouçam”, depois de ter sido ganho em anos anteriores pelo António Calvário, pela Simone de Oliveira e pela Madalena Iglésias. Nas festas de Verão era ainda muito tocado uma música chamada “Juntos outra vez”, cantada pelo Victor Gomes, vocalista dos “Gatos Negros”.

Na televisão pontificavam algumas séries famosas como, por exemplo, “Dr. Kildaire”, “O Santo”, “Os Vingadores”, “Bonanza”, e programas com “Melodias de Sempre”, “Riso e Ritmo” e as famosas crónicas do Professor Vitorino Nemésio “Se bem me lembro…”

Os carros da moda eram os minis Austin e Morris, o FIAT 600 e 850, o MG e sempre os “carochas” Volkswagen 1200 e 1300. Alguns anúncios publicados na imprensa regional, anunciavam camisas a 30$00, que antes custavam 60$00 e os andares e apartamentos construídos por J. Pimenta, SARL, com preços na ordem dos 150 contos. Um litro de gasolina andava pelos 5$00, uma cerveja Sagres (média, porque então ainda não existiam as minis), andava pelos 3$50 e um maço de cigarros com filtro, pelos 4$20.

São apenas algumas referências de uma época que foi vivida intensamente, apesar das muitas dificuldades impostas por razões de natureza económica e social, em que, por exemplo, nas escolas os pátios de recreio ainda eram separados por sexos e em que nas festas, as raparigas eram atentamente vigiadas pelas mães, que não permitiam qualquer veleidade ou aproximação física dos rapazes.

No Sardoal era Presidente da Câmara Municipal o Dr. Júlio Rodrigues Garcia, tendo em Março de 1969, tomado posse naquele cargo o Dr. Álvaro Andrade e Silva Passarinho.

As Festas de 1969, não tiveram a presença de artistas da Rádio e TV. Apenas os conjuntos e o Rancho Folclórico da Quinta da Alorna, Almeirim e a Filarmónica União Sardoalense.

ATRIUM n.º 8 – Abril/87

Para ilustrar o espírito das Festas de 1970, 1971 e 1972, socorremo-nos de um trabalho elaborado pelo Mário Jorge de Sousa, publicado no Boletim Cultural “ATRIUM”, n.º 8, de Abril de 1987, do GETAS – Centro Cultural de Sardoal, com o título: ”Breves Memórias dos Anos de Oiro da Música Rock no Sardoal”:

“Boa noite! Somos os “CHINCHILAS” e estamos muito contentes por estar aqui!” – Foi com exactamente com estas palavras que Filipe Mendes, líder daquele grupo de música rock começou a sua actuação no Sardoal, já passava das 10 horas da noite.

QUE FRUSTRAÇÃO!

A nossa Vila não estava habituada a uma coisa daquelas. Uma hora depois, já dezenas de pessoas “menos jovens” tinham abandonado o Cimo do Convento, protestando contra aquela “música de malucos e guedelhudos”.

E à medida que as “mãezinhas” iam debandando para casa, levavam as filhas consigo, porque, sem a sua atenta vigilância, não havia bailação para ninguém.

Os jovens e os pares de namorados, frequentadores dos arraiais por via dos slows, tangos e marchinhas, repartidos por séries de três músicas, olhavam atónitos, porquanto aqueles sons agressivos não davam para dançar agarradinhos. Que frustação! Um dos elementos da organização chegou a ir ao palco pedir ao conjunto para “tocar mais baixo”.

No “dancing” foram ficando alguns resistentes. Uns porque vieram da capital e estavam acostumados àquela confusão; outros porque se consideravam “modernos” e não tinham coragem de “dizer mal”; ainda outros, indiferentes à potência dos decibéis, dançavam aos pares, como se ouvissem a “TULIPA NEGRA”, “OS 6 LATINOS”, a “FIGUEIRA PADEIRO”, a “LUA AZUL” ou a “ORQUESTRA BRASIL”, conjuntos de baile que, naquela altura, visitavam com frequência, as festas do Sardoal.

1970

SENTIDO DE HOMENAGEM

Esta é uma possível caricatura daquilo que se passou no Sardoal, naquela sexta-feira, dia 12 de Setembro de 1970. Foi nesse ano que as tradicionais festas em honra de Santa Maria da Caridade, organizadas pela Misericórdia local, tomaram um rumo original, apostando em atracções musicais para a juventude, uma acção de muita ousadia para aquela época. Era então Provedor da Instituição promotora, Jorge Alves Paulino.

Apesar dos festejos sempre terem dado lucro, não se pode dizer que aquela iniciativa, em termos culturais, tivesse sido eficaz para o nosso meio.

Se hoje existe uma maior abertura sociológica, naquele tempo não era assim.

Os valores sociais eram conservadores e estagnados e a comunicação como “exterior” era menor, razão pela qual, a música rock e os seus executantes, de cabelos compridos e vestes bizarras, eram conotados como “coisas esquisitas”, que transcendiam o quotidiano dos nossos hábitos regionais.

Assim, o esforço de inovação tentado pela Mesa da Santa Casa, nem sempre foi compreendido pelo senso comum e grandes actuações dos melhores grupos e músicos portugueses, da altura, passaram despercebidos e sem o devido destaque.

A publicação destas “memórias” no “ATRIUM”, têm – por assim dizer – um sentido de homenagem, aos homens que, naquela data, tiveram a coragem de avançar com um projecto desta dimensão.

OS GRUPOS

Pelas suas constantes mutações, não se pode afirmar com segurança os elementos dos “CHINCHILAS” que actuaram durante dois dias no Sardoal, mas não andamos longe da verdade se avançarmos com os nomes (agora sobejamente conhecidos) de Guilherme Inês, Luís Pedro Fonseca, João Ribeiro e, claro, Filipe Mendes, tido como o melhor solista português daqueles tempos.

Os “CHINCHILAS”, formados em Junho de 1970, vieram ao Sardoal, após gravarem o seu single “Barbarela”, tema distinguido no concurso de música moderna “Barbarela-70”, realizado em Palma de Maiorca, Espanha.

No ano seguinte (1971), a Misericórdia brindou o Sardoal com mais dois grupos de grande qualidade : “OBJECTIVO”(dia 11 de Setembro) e “BEATNIKS” (dias 18 e 19).

“OBJECTIVO”, ainda hoje considerado como um dos melhores conjuntos portugueses de sempre, no género, era liderado por um escocês de nome Kevin. Fazia equipa com Mike Sergeant, Terry, Zé Nabo e Zé da Cadela (mais tarde Guilherme Inês). Gravaram um single denominado “Dance of Death”.

Quanto aos “BEATNIKS”, que em Maio desse ano venceram o “Festival Pop” de Coimbra, eram provavelmente formados por João Ribeiro, Mário Ceia, José Diogo e Rui Silva, “O Pipas”. Foram os representantes portugueses no Festival Internacional de Vigo, Espanha.

Mas, talvez, o concerto mais importante desse ciclo, se tenha realizado em 1972, com os “HEAVY BAND”, cuja PRIMEIRA actuação em Portugal foi feita precisamente na nossa Vila, em Setembro, depois de uma digressão por Moçambique e Brasil. Gravaram dois discos (um no Brasil), outro (em Portugal) e sobre a sua actuação no Sardoal existem documentos seguros que comprovam a identidade dos músicos que aqui actuaram. Foram eles: Filipe Mendes (sempre ele), João Heitor, Basílio e Xico.

E pronto, no tocante à música Rock nada mais se passou no Sardoal que mereça relevo, se exceptuarmos a experiência (infelizmente pouco conseguida) de um concerto de rock organizado pelo clube “Os Lagartos”, em 1981, com o grupo “T.I.R.”, de Coruche.

Por isso, só nos vai restando a lembrança saudosa desses “Anos de Oiro”.

Até quando?”

Em 1973 as Festas de Santa Maria da Caridade voltaram a ter a presença de artistas da Rádio e T.V. (Artur Garcia, Gabriel Cardoso, José Freixo, entre outros).

Depois de 1974 ainda se realizaram algumas vezes, mas já sem o brilho e a adesão de outros tempos.

Cine-Teatro Gil Vicente: As festas de Setembro realizavam-se no Largo do Convento, junto ao Cine-Teatro e ao Hospital
Parte do Hospital e do Largo do Convento
1982

DA SEMANA CULTURAL ÀS FESTAS DO CONCELHO

18 de Setembro de 1921 – “JORNAL DE ABRANTES”

FESTEJOS NO SARDOAL
Na próxima terça-feira está o Sardoal em festa: Aniversário da sua elevação a vila. Em 22 de Setembro de 1531, el-rei D. João III fazia o Sardoal vila e concedia-lhe diferentes regalias. Já esse tempo o Sardoal tinha foros de concelho e jurisdição própria, Juízo, Procurador e Alcaide. Foi esse dia escolhido pela câmara para feriado do concelho, que este ano vai ser festejado de um modo especial. Está criada uma feira franca que se inaugura nesse dia, e foi convidada a Agricultura, Comércio e Indústria a fazerem-se representar condignamente. Alvorada às 6 horas pela Filarmónica Sardoalense. Às 10 horas solene Te Deum na Igreja paroquial, seguindo-se a inauguração da feira. Às 12 horas sessão solene nos Paços do Concelho com a assistência de todas as classes sociais e conferências, comemorativas do Sardoal e assuntos sociais feitos por filhos do Sardoal e que na sociedade ocupam lugares de destaque. Descerramento de uma lápide comemorativa da grande Guerra, quermesse, arraial, cavalhadas e à noite fogo de artifício. Tal o programa dos festejos a realizar e parece que vão ser convidados os povos dos concelhos vizinhos. Ao Sardoal, pois, no dia 22 de Setembro.
Oisilon

2 de Outubro de 1921 – “JORNAL DE ABRANTES”

A COMEMORAÇÃO DA ELEVAÇÃO DO SARDOAL A CONCELHO
O dia 22 de Setembro, aniversário da elevação do Sardoal à categoria de concelho, foi festejado este ano com grande brilho, o que trouxe farta concorrência de forasteiros a esta vila, e mais viriam, se não fora a grande trovoada que houve nesta tarde. A festa começou às 6 horas da manhã, por alvorada da Filarmónica desta vila com salvas de morteiros. Às 10 horas Te-Deum a que presidiu D. António Alves Ferreira, bispo de Viseu. Às 11 horas, cortejo cívico onde se incorporam vários carros, merecendo menção o carro da Quinta de Arcêz, que se apresentou ornamentado com bastante gosto e arte, transportando mostras de todos os produtos agrícolas da quinta, e animais de todas as espécies que ali há: Todos devidamente separados em compartimentos apropriados, e o carro dos artistas que transporta ferramentas de todas as artes, sendo este carro ladeado pelos artistas desta vila. Depois do cortejo percorrer as ruas da vila dirigiu-se ao mercado, onde foi inaugurada a feira anual, tendo o presidente da Comissão Executiva da Câmara, Padre Silva Martins, discursado incitando a agricultura, comércio e indústria a reunirem-se para o engrandecimento do concelho e da vila. Pena foi que a comissão dos festejos não tivesse organizado delegações nas aldeias, para que cada uma trouxesse o seu carro, o que traria estímulo entre eles e daria mais brilho à festa. Às 13 horas, sessão solene comemorativa da elevação do Sardoal a concelho a que presidiu D. António Alves Ferreira, secretariado pelo Sr. Cónego Mora e Dr. David Serras Pereira. Pelo Sr. Presidente foi explicado o fim da sessão, a que lhe era grato presidir, não só por ser filho do Sardoal, mas também já ter sido nesta vila que passou a sua infância, dando em seguida a palavra ao Sr. Dr. Anacleto Matos Silva que começou por descrever a epopeia de glória que revestiu sempre o Sardoal e o concelho em que era tido pelos Reis e Governos desse tempo, como o demonstraram os litígios havidos entre o Sardoal e Abrantes, em que o Sardoal sempre triunfou, e as regalias que lhe eram dadas, que davam sempre supremacia ao Sardoal. Dessas concessões e regalias destacavam-se aquelas em que Abrantes não podia fazer a procissão “Corpus Christis”, sem lá chegarem os fidalgos do Sardoal a moradores do concelho de Abrantes serem obrigados a vir concertar os caminhos e calçadas do Sardoal, não sendo estes obrigados a ir lá prestar idênticos serviços, os passageiros da Beira que iam para Constância serem obrigados a passar por aqui, e nessa altura pôs em contraste o proceder dos fidalgos desse tempo obrigando esses passageiros à passagem por aqui os do tempo em que foi feita a estrada de Castelo Branco em que os dirigentes do Sardoal a desviaram desta vila, e nós citaremos também o caso por nós aqui debatido da estrada de Sardoal a Carvalhal. Citou, que Sardoal em 1531 quando foi elevado à categoria de concelho, já era terra importantíssima, pois já tinha Juízes, Alcaides e demais autoridades, descreveu as fases porque têm passado a delimitação entre Sardoal e Abrantes, tendo o Sardoal da última vez ficado prejudicado, sendo o nosso concelho reduzida quase a metade do que era, pois ele ia desde o Tejo até ao Zêzere, começando aí a nossa decadência, a que é necessário pôr um dique e num rasgo de oratória terminou apelando para que todos se reunissem em prol dos interesses do concelho. Falou depois o Sr. Dr. Anacleto Fernandes Agudo, Director e proprietário do Colégio Caliponense, que fez um discurso que mais se pode chamar um hino ao concelho onde nasceu, discurso de sentimento e brilho, que pôs em realce as suas qualidades de orador. Sendo dada a palavra ao Sr. Dr. Manuel Serras Pereira, este leu um bem elaborado trabalho sobre o Sardoal antigo, donde se pode concluir que em 1313 data da primeira carta existente no arquivo da câmara, já Sardoal tinha Alcaide e outras autoridades, sendo sua opinião que esse Alcaide era ao mesmo tempo comandante de um Castelo existente na Lapa que denominava a Ribeira D’ Arcês e desenvolvendo o seu estudo agudo com grande profusão de argumentos demonstra que nesse tempo o Sardoal era terra tida d importante, ou se desenvolveu rapidamente, mas que esta última hipótese não é credível, por causa da falta de gente que andavam nos exércitos de “Musa e Insufa” e pelos “Algoeses” que os Reis de Leão e seus adiantados dirigiam anualmente contra o poder dos “Walis e Ruicxs”, enviados pelo Emir a castigar as ousadias dos descendentes de “Favila e Pelagio”. Pelos vestígios do Castelo da Lapa e pelas moedas encontradas no concelho, chega à conclusão que ele data do começo da era cristã. Tanto este trabalho como o discurso do Sr. Dr. Matos Silva são cheios de datas que o espaço deste jornal não permite desenvolver e citar, mas bom seria que os seus resumos ficassem arquivados na câmara, porque são elementos de valor para os que se interessam pela história do Sardoal antigo. Falou depois o Sr. Padre Silva Martins, que iniciou o operariado a ter por base da sua vida a economia e a desenvolver o cooperativismo como está sucedendo na Bélgica. Procedeu-se depois ao descerramento da lápide comemorativa da homenagem aos dois filhos do Sardoal que morreram em França, a música tocou a Portuguesa, os contingentes de Artilharia, Infantaria e a Guarda nacional Republicana que se fizeram representar no acto, apresentaram armas, e da varanda falaram: Em primeiro lugar o nosso conterrâneo, Sr. Júlio Serras Pereira, Alferes de Infantaria 2, que esteve em França onde recebeu várias condecorações pelos seus feitos heróicos, incitando todos que seguissem os caminhos do Dever e da Honra, para engrandecimento da Pátria, e o Sr. Dr. David Serras Pereira, que num rasgo de eloquência exortou as mães que educassem os filhos na história daqueles dois nomes que são a honra e a glória do Sardoal. Mas que para nada faltasse, no da sessão o hábil violinista e ilustre mestre de Lisboa, Sr. Luis Soares Barbosa, deliciou-nos com alguns trechos de musica que maior realce e brilho deram a esta festa, sendo acompanhado ao piano por sua Exmª Esposa Sr.ª D. Ema Coimbra. Tocaram: “Spanisch-dança-granada-la ronda des lulhins-Bazzine-Chanson e Pavane Luis XVI-Confucia. Não sabemos que mais apreciar se a maviosidade do som se o primor da execução e não é demais dizer-se que o entusiasmo da assistência atingiu o auge e logo ali surgiu a ideia para melhor poderem ouvir e apreciar, de lhe pedirem para no dia 25 cooperar num Sarau dramático musical, que se projectava levar a efeito, que sua Exª acedeu. À tarde houve canadas, depois música, quermesse e fogo de artifício, divertimentos estes que foram bastantes prejudicados pelas intensas chuvas.
Oisilon

SEMANA CULTURAL

Este tipo de realizações culturais teve início em 1986, com a realização da 1.ª SEMANA CULTURAL, nesse ano com exclusiva organização do GETAS – CENTRO CULTURAL DE SARDOAL, passando a partir de 1987 e até 1992, a ser organizadas conjuntamente pela Câmara Municipal e pelo GETAS, ganhando, de ano para ano, maior relevância cultural e recreativa, que lhes veio a conferir grande importância no calendário cultural concelhio e regional.

Em 1995 não se realizaram as FESTAS DO CONCELHO, em resultado das dramáticas consequências que decorreram dos incêndios florestais que devastaram grande parte da mancha florestal do nosso Concelho e de Concelhos vizinhos, agravadas pela perda de três vidas humanas de Cidadãos Sardoalenses.

A partir de 1988 as FESTAS DO CONCELHO/SEMANA CULTURAL, passaram a integrar uma MOSTRA INTERCONCELHIA DE ARTESANATO, sendo em 1994 formalmente constituída a COMISSÃO PARA A PROMOÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ARTESANATO DE SARDOAL, já com actividade em anos anteriores, que tem participado na organização das Festas e, de forma especial, na Mostra Interconcelhia de Artesanato.

Importa, também, destacar o facto de as edições deste certame terem obtido maior êxito quando foi possível reunir na sua organização, para além da Câmara Municipal, um leque alargado de Associações e obter uma boa adesão dos habitantes da Vila do Sardoal e de outras localidades do Concelho, particularmente em termos da decoração das ruas da Zona Histórica da Vila de Sardoal.

Livro dos facultativos e farmacêuticos desta vila

Segue a transcrição do Livro de matrícula de todos os facultativos, farmacêuticos, parteiras, dentistas e sangradores desta Vila de Sardoal, com data de 26 de Julho de 1869 e cujo último registo é de 1 de Agosto de 1902.

Para além dos que constam no registo acima transcrito, alguns outros médicos no partido médico municipal de Sardoal são os seguintes:

No Adro da Igreja Matriz ficava a farmácia de Pedro Barneto Nogueira e que antes tinha sido de Bento Xavier Moreira Cardoso. Pedro B. Nogueira era natural da Vidigueira e casou com a viúva do dono anterior da farmácia (BXMC). A foto estava na posse de Fernando Rosa.

1336 – Uma Albergaria em Sardoal

Nota introdutória: Para melhor perceber as origens da Santa Casa da Misericórdia de Sardoal, transcreve-se com a devida vénia, um trabalho publicado no “ATRIUM” n.º 11, Boletim Cultural do GETAS – Centro Cultural de Sardoal, Outubro de 1987 a Fevereiro de 1988, da autoria do Exm.º Senhor Dr. Manuel José de Oliveira Baptista, com o título em epígrafe.

Toda a gente reconhece a Santa Casa da Misericórdia de Sardoal como a Instituição de Assistência mais antiga e creditada do nosso Concelho.
Com efeito, a data da fundação remonta ao longínquo ano de 1509 – o que lhe dá a invejável idade de 478 anos (em 1987).
A sua acção assistencial foi-se sempre desenvolvendo e ampliando cada vez mais ao longo destes quasi cinco séculos, voltada única e exclusivamente para o bem do próximo necessitado e, por isso, não é de admirar que se nos apresente como o mais significativo documento vivo do património social da terra.
Mas não se deverá julgar, porém, que os sardoalenses apenas nessa altura da História acordaram para as tarefas do bem-fazer. Na verdade, outras formas de caridade para com os que precisavam de auxílio e valimento haviam já florescido nesta nossa Vila, largos tempos antes.
E umas tantas mais, igualmente, vieram a aparecer depois, com o rolar dos séculos, sob a forma de confrarias, irmandades, caixas de auxílio, associações de socorros, abarcando diversas modalidades específicas, geralmente não paralelas entre si, mas complementando-se sempre, na sua acção em prol do bem comum.

CONFERÊNCIAS DE S. VICENTE
De entre as mais recentes, é mister citar as Conferências de S. Vicente de Paulo (que todos recordam, aliás, com viva e respeitosa admiração), aqui implantadas no ano de 1932 e que muito antes do “Socorro de Inverno”, do “Socorro Social”, da “Sopa dos Pobres”, da 1ª fase da “Previdência” e de outras formas posteriores ou subsequentes de amparo aos desprotegidos ou aos que viviam com graves dificuldades de subsistência (somente anos depois começadas a ensaiar pelo estado) tiveram neste nosso meio uma importantíssima acção de benemerência e caridade. Os vicentinos do Arciprestado do Sardoal foram mesmo, durante muito tempo, reconhecidos como os mais dinâmicos e actuantes de toda a Diocese.
Essas Conferências de S. Vicente de Paulo, que se mantiveram com grande entusiasmo e vitalidade durante mais de quatro décadas, apenas viriam a decair e a dissolver-se pouco tempo antes do 25 de Abril, quando os horizontes começaram a estar turvos e embaciados, prenunciando grandes alterações na estrutura política e social do País. E se, como é óbvio, nada tinham a ver com a política, a verdade é que a partir de certa altura, começaram a ser olhadas com notável displicência por alguns elementos estranhos, de mais avançado radicalismo, que pretenderam fazer generalizar publicamente a ideia de que estas e outras instituições de caridade estavam a colmatar o que deveria ser uma obrigação estrita e absoluta do Estado – e que este, por isso, de forma acomodatícia, se ia escusando em assumir.
Em resultado daquela propaganda contestatária, também habilmente expendida no nosso meio por certos arrivistas de maior impulsividade, as Conferências de S. Vicente de Paulo começaram, então, a sentir bastantes dificuldades na sua acção de assistência aos pobres e necessitados, ao mesmo tempo que notavam grande desmotivação em sectores que, desde sempre, lhes haviam dado ânimo e apoio na sua cruzada.
E, forçadas a terem de interromper, também aqui, a sua actividade, por motivo desse conjunto de circunstâncias adversas, bem depressa se notou que faziam muita e grande falta – e que a sua acção, embora feita sempre de modo discreto e “apagado” ( a verdadeira Caridade é avessa a narcisismos e exibições!), deixavam, afinal, grandes necessidades em aberto.
Contudo, pelo menos entre nós, não mais puderam vir a ser reactivadas.

ALBERGARIA
Encerrado, porém, este parêntese evocativo, entrosado no contexto em jeito, apenas, de simples comentário apendicular, retorna-se ao tema base.
Como se ia referindo, entretanto, já de há muitos séculos que no Sardoal vêm existindo instituições de assistência pública. A mais antiga, no campo dessas obras de solidariedade social, de que há documentação histórica, é a Albergaria de Lourenço Annes da Vide e sua mulher, Clara Pires, já existente, pelo menos, no ano de 1336, reinado de D. Afonso IV.
Ocupava uma casa que pertencera a um tal Afonso Vicente, localizada no Vale de Sardoal (refira-se a propósito, a existência, ainda, da RUA DO VALE, que permanece com esta designação fixa no linguarejar corrente do povo, apesar de lhe terem mudado, oficialmente, o nome por diversas vezes…).
Aquela albergaria tinha por missão e encargo prestar assistência e apoio aos viandantes, nas suas caminhadas. Dispensava-lhes gratuitamente casa, com roupa lavada, lume, sal e água potável – e “ o mais que fosse mister”, de primeira necessidade. Desde cedo, começou a fornecer, também, uma refeição quente, para retempero das forças, quasi sempre debilitadas pelas dificuldades e trabalhos que esses viandantes encontravam nas suas deambulações forçadas.
Aos que chegavam doentes, procurava tratá-los até que se restabelecessem e pudessem seguir caminho. Para os mendigos (às vezes, em grande número) que faziam a sua cruzada de terra em terra e, normalmente se demoravam alguns dias na mesma localidade, dispunha de alojamento adequado em outro local.
Com efeito, para quem jornadeava, quer por precisão económica como, igualmente, por necessidade de vida, estas “pousadas” (se bem modestas e simples), constituíam um tecto seguro e acolhedor.
Na verdade, o simples acto de viajar, tão banal e corrente nos dias de hoje, era uma autêntica aventura nesses tempos mais recuados.

TRANSPORTES RUDIMENTARES
As estradas (se é que tal nome se pode dar aos caminhos mais largos de então) eram poucas e más, tornando bastante difíceis e penosas as deslocações. Os meios de transporte, igualmente também, muito rudimentares e com pouca segurança. Por norma, jornadeava-se a pé ou a cavalo – e menos vezes em carros tirados por muares. Abundavam os salteadores, porque as instituições de polícia e defesa dos cidadãos eram inexistentes ou, em outros casos, se reduziam a um primarismo elementar. Acontecia, também, que por vezes os viandantes se perdiam nas montanhas e nos atalhos tortuosos e, então, a fome e a sede, bem como o calor e a poeira do verão ou as frias tempestades da quadra invernosa os fustigavam desapiedadamente. E, quantas vezes, nas épocas mais frias, lobos, ursos e javalis, acossados pela fome, deixavam as suas tocas nas florestas e, pelas encostas dos montes, desciam atá à planície, atacando sem rebuço gados e pessoas.
Apenas os Reis e os grandes senhores podiam viajar mais afoitamente, guardados pelas suas escoltas e homens de armas. Mas, os pobres, ou até os simples burgueses, calcurriavam os longos caminhos do reino absolutamente desprotegidos, sujeitos aos contratempos e surpresas mais desagradáveis.
Daí que, em certas terras do país, sobretudo junto das vias de passagem obrigatória para os viandantes ou nos cruzamentos dos principais caminhos daquelas épocas, tivessem começado a aparecer, desde cedo, pequenas instituições de assistência e apoio aos caminhantes, a que se chamou “albergarias”. Alguns erguiam-se, mesmo, junto de mosteiros e abadias, de que constituíam um anexo; outras foram criadas pela própria Coroa, de quem recebiam subvenção periodicamente, mas a maioria resultou dos sentimentos generosos e altruístas de particulares, mais compassivos e humanitários, almas caridosas que colaboravam, assim, generosamente com a realeza e a clerezia na obra benemerente de socorrer o próximo.
A albergaria do Sardoal, de que se vem fazendo referência, era uma destas instituições particulares, nascidas do espírito compassivo e filantrópico de um casal da nossa terra que “desejando servir o próximo por amor de Deus(…)” nos legou esse piedoso testemunho humanitarista – o qual, durante largas dezenas de anos, ampliado e reestruturado que ia sendo gradualmente, serviu como albergue protector e seguro a tantos peregrinos e viandantes!

PONTO-CHAVE
O Sardoal era, na altura, um ponto-chave na confluência da estrada de Abrantes a Idanha-a-Nova (mandada construir por D. Sancho I) com a que daqui flectia, então, para Vila de Rei, – além de constituir, igualmente, um entroncamento de certa importância na rede viária da época, pois servia de ponte de ligação entre o Alto Alentejo e o Ribatejo (na altura parte integrante da Estremadura), com a zona central do país, através de toda a Beira-Centro.
Depois, com o andar dos tempos, e tal como quasi sempre sucede, infelizmente, a muitas das obras de carácter pio ou caritativo, transmitidas por doações, os herdeiros-descendentes daqueles beneméritos fundadores da albergaria de Sardoal foram esquecendo, pouco a pouco, as obrigações testamentadas pelos seus antecessores e acabaram também por vir a deixar no olvido os sentimentos de generoso altruísmo que haviam feito nascer tão prestimosa obra de misericórdia.
Nessas circunstâncias, o Rei D. Duarte, inteirado do facto, resolveu por bem cancelar a fruição indevida dos rendimentos legados para aquele fim tão piedoso, e que não estavam a ter a devida contrapartida, e deles fez mercê a Martim Vaz, seu escrivão da câmara, com a obrigação estrita de este respeitar, ao menos, os sufrágios pelos beneméritos-fundadores.
A albergaria veio a terminar, deste modo, a sua tão meritória assistência que, mesmo assim, se processara durante um século!
Contudo, não muito tempo depois, era fundado em sardoal um hospital de inspiração religiosa, se bem que de carácter particular, sob a égide dos “Confrades de Santa Maria”. Algumas décadas mais tarde (exactamente em 1509) esta humanitária associação de benemerência haveria de inserir-se na Santa Casa da Misericórdia, então acabada de fundar.
Como curiosidade documental junto se extracta, em cópia directa, o diploma da chancelaria real em que D. Duarte sanciona o encerramento daquela albergaria e a transferência dos respectivos bens – depois de historiar, embora de maneira muito sucinta e abreviada, a sua criação, 101 anos antes.

Transcrição na íntegra, mas em Português actual:

Administração de uma albergaria, instituída por Lourenço Annes da Vide e Clara Pires, sua mulher, no lugar de SARDOAL, onde se chama o VALE.
Dom Duarte pela graça de Deus Rei de Portugal e do Algarve e Senhor de Ceuta, a vós, juízes da nossa Vila de Abrantes e outros quaisquer juízes e justiças a que isto pertencer, por qualquer guisa que seja, a que esta carta for mostrada, saúde.
Sabede que houvemos informação como há muito tempo que se morreram Lourenço Annes da Vide e Clara Pires, sua mulher, e que certos bens que deixaram para que se mantivessem umas camas de roupa em uma casa que haviam no Sardoal, termo dessa Vila (de Abrantes), em maneira de albergaria estão agora vagos por aí não haver nenhum indivíduo chegado dos ditos finados, e que são distintos e por isso pertencem a nós, pela qual razão mandamos pôr em sequestro os ditos bens assim como ora estão e fizemos trazer perante nós as escrituras que a eles respeitam.
E mostrou-se pelas cláusulas do testamento dos ditos finados que fora feito feito no Sardoal aos 4 dias de Março da era de 1374 (=ou seja, ano de 1336 da Era de Cristo) e entre outras cláusulas e condições do dito testamento que assim fizeram deixaram por suas almas uma sua casa que haviam no dito lugar do Sardoal, onde se chama o VALE, a qual fora de Afonso Vicente, dito das Saias, e que fizessem dela albergaria. E deixaram para ela almocelas (=mantas) e feltros e outra roupa e corregimento para pobres, e deixaram mais, para se manter a dita albergaria, a herdade do Telhado, que teve Domingos Vaqueiro e deixaram mais a vinha que foi de Tomé Esteves com todas as suas pertenças.
E isto para se manter a dita albergaria e que houvessem o cargo e administração dela seus filhos e netos, logo nomeados, e depois os indivíduos mais chegados e houvessem cousa certa pelo seu trabalho segundo o que nas cláusulas do dito testamento mais compridamente se fazia menção.
E outrossim por uma carta de Afonso Martins, cónego de Coimbra e vigário geral de D. Gonçalo Lopo, Bispo da Guarda, que foi dada em Abrantes aos onze dias de Janeiro da era de César de 1439 anos (=ou seja, ano de 1401 da era de Cristo) se mostrou, entre outras coisas, que havendo perante ela demanda João Esteves Acena, morador em a dita Vila de Abrantes e Martim Vaz Raçoeiro, da Igreja de S. Tiago da dita vila sobre os ditos bens e administração, que o dito vigário a prazimento de ambos, que se concordaram, julgou que o dito João Esteves houvesse os ditos bens e administração e o dito Martim Vaz da sua mão houvesse a dita albergaria em que morasse e a corregesse e reparasse.
E que dissesse em cada ano pelas almas dos ditos finados cinco missas rezadas, segundo na dita carta mais compridamente era contido.
Os quais já todos são finados e sobre isso fizeram-nos certo que há quarenta anos que nunca tal albergaria vem sendo mantida, nem se fez nela a vontade dos finados que a deixaram nem se vêem aí camas para pobres e que sempre (=desde então) vem sendo casa de morada. Que, outrossim, as ditas missas nunca se disseram (desde então), salvo duas e que não sabem de nenhum indivíduo que seja chegado dos ditos finados e que os ditos bens andam, assim, distintos.
E, pois que isto assim é, se por alguma maneira os ditos bens assim a nós pertencem e os podemos dar, nós, com o dito cargo de se por eles dizerem as ditas cinco missas cada um ano pelas almas dos finados que os deixaram, segundo por o dito vigário foi ordenado, fazemos mercê dos ditos bens a Afonso Pires Cotrim, nosso escrivão da câmara, deste dia para todo o sempre e para todos os seus herdeiros e sucessores, ascendentes e descendentes que depois dele vierem.
E, porém (=igualmente) mandamos que façais logo apregoar se há aí algum indivíduo chegado dos ditos finados e, se achardes que não vem algum, que vos logo faça certo, sem outra dúvida, como é indivíduo chegado dos finados que os ditos bens deixaram, metei e fazei logo meter em posse dos ditos bens o dito Afonso Pires e daí em diante lhe deixai haver e lograr e possuir ele e seus herdeiros, ascendentes e descendentes que depois dele vierem, sem outra contradição, porquanto deles lhe fazemos mercê e livre e pura doação, deste dia para todo o sempre, como dito é, o mais firmemente que o fazer podemos, sem lhe porem mais sobre elo (=isso) embargo algum.
Contanto que, em cada ano, o dito Afonso Pires e os que depois dele houverem os ditos bens digam as ditas cinco missas pelas almas dos ditos finados.
E que os ditos bens se não possam partir se não andarem todos sempre juntos em mão do dito Afonso Pires ou pessoas sobreditas que os depois dele herdarem ou houverem, como dito é.
E em testemunho disto lhe mandamos dar esta nossa carta, que tenha por sua guarda, assinada por nós e asselada do nosso selo pendente.
Dada em Santarém, sete dias de Janeiro. Rui Pires Dinho a fez (na) era de 1437 anos.

RESUMINDO:
Do que facilmente se deduz, a partir deste diploma emanado da chancelaria de D. Duarte, a albergaria de Sardoal terá estado em funcionamento durante cerca de 60 anos e só, depois, entraria em declínio quando começaram a rarear e, mesmo, a desaparecer por completo os descendentes do casal de beneméritos que a haviam fundado.
É bem natural, com efeito, que os laços de família tornando-se pouco a pouco mais frouxos com o perpassar das gerações, não teriam já, a certa altura, a consistência suficiente para vincular os sucessores do casal-fundador a uma obrigação estatutária, além de que, também poderá ter acontecido que a geração em grau directo se houvesse interrompido a certa altura. Não se deverá deixar de ter em conta que estávamos em época de grandes vocações conventuais e fradescas…
E na verdade, o documento de D. Duarte é assaz explícito nestes pontos que se vêm focando, quando refere não haver já, “nenhum indivíduo chegado dos ditos familiares”.
Referir-se-á, entretanto, que durante os sessenta anos em que a albergaria funcionou pôde prestar grandes e assinalados serviços de recolha, guarida e assistência aos viandantes e caminheiros, pois restam ainda documentos escritos em que esse facto vem assinalado, se bem que marginalmente – mas permitindo, mesmo assim, inferências seguras sobre a actividade e projecção que tomou tão prestimosa obra de solidariedade social.
Isso nos permite sublinhar que, já, nessas épocas remotas, era bem concreto o pendor natural e inato deste povo sardoalense para as obras de caridade e filantropia – a qual veio sempre continuando a manifestar-se, depois, através dos séculos, sem esmorecimento nem descontinuidades.